segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Intocáveis (Intouchables – 2011)





Intocáveis surgiu como um fenômeno de bilheteria na França, e por onde passa vêm conquistando multidões, com sua simples história de amizade entre pessoas tão diferentes, baseado numa história real. Deixando de lado o melodrama (o filme não é nada depressivo), Intocáveis concentra-se numa eficiente comédia que lida muito bem com o contraste entre um refinado milionário de berço de ouro, intelectual e tetraplégico, que contrata um atrevido imigrante senegalês, pobre e sem ocupação, para cuidar dele. Espertamente, o filme evita um foco religioso ou racial (no fundo, importa pouco ali que um seja negro e o outro branco), e se atém mais às diferenças culturais e econômicas entre os dois, arrancando sorrisos e gargalhadas em boa parte de suas quase duas horas.

Boa parte de seu sucesso estrondoso deve-se ao entrosamento da dupla de atores principais. Ambos funcionam à perfeição, e se não fosse assim o filme desabaria, pois a amizade entre os dois é a razão de ser do filme. François Cluzet, um ator bastante tarimbado (dentre muitos outros trabalhos de destaque, foi o marido enlouquecido de Emmanuelle Béart em Ciúme – O inferno do amor possessivo, de Claude Chabrol), consegue exprimir emoção e simpatia apenas com seu rosto como o milionário Philippe, e Omar Sy está elétrico como Driss, conquistando a todos a seu redor, com um impressionante carisma. Mesmo sendo Omar Sy desconhecido do grande público, os diretores Olivier Nakache e Eric Toledano o conheciam muito bem, tendo trabalhado com ele em quase todos os seus filmes (os diretores formam uma longa parceria, e são especializados em comédias), e isso com certeza contribuiu para sua performance (premiada com o Cesar de melhor ator, ganhando inclusive do oscarizado Jean Dujardin de O artista). A chave para a boa relação dos dois é o bom-humor e a ausência de piedade de Driss com relação a seu patrão (por vezes fazendo até gozações com suas limitações físicas, o que Philippe aceita com boa esportividade), e a confiança que Philippe demonstra, desde o começo, com seu ajudante. Aliada a essa bela amizade, os diretores usam e abusam de várias gozações contra a alta cultura, os intelectuais e os ricos em geral, e isso, quando bem feito, costuma agradar o público em cheio.

O filme é bem previsível e não tem a menor vergonha de trabalhar com clichês, e é nítido que os diretores tomaram diversas liberdades com a história real entre Philippe Pozzo di Borgo (tem até nome de milionário) e Abdel Sellou (que escreveu o livro “Você mudou a minha vida”, sobre a amizade deles), inclusive mudando a nacionalidade deste último de argelino para senegalês. Mas o que importa para o público é que o ritmo é impecável e o clima jocoso conquista a todos, a joie de vivre de seus atores (principalmente Omar Sy) preenche a tela e enche os cinemas. Se muitos críticos torcem o nariz para o filme, devido à sua previsibilidade e um certo uso de fórmulas narrativas, não totalmente desprovidos de razão (alguns filmes são realmente muito semelhantes a este, como Perfume de mulher (a versão americana, de 1992) e Antes de partir (2007), e quaisquer questões mais pesadas são mesmo evitadas no enredo), o público não os acompanha, porque não se incomoda tanto assim com os clichês, e sempre aplaude quando os vê sendo bem trabalhados, como é o caso de Intocáveis. O público em geral costuma valorizar muito mais uma boa execução de algo mais conhecido do que uma inovação chata, que o entedie. Entre o costumeiro arroz-feijão-bife-e-batata-frita da vovó, feito com carinho, e um prato refinado da alta cuisine, o povo fica com o primeiro sem pestanejar. Assim como Driss, o personagem-chave do filme, também ficaria e, ainda por cima, gozaria Philippe por gastar caro para comer tão pouco...

2 comentários:

Unknown disse...

Tenho ouvido alguns comentários positivos deste filme. Quanto aos clichés, acho uma pena que sempre se refiram a eles de forma pejorativa. O que vira cliché é uma fórmula que funciona bem para determinado objetivo. E os clichés podem ser muito bem utilizados, sem trazer nenhum prejuízo ao filme e até enriquecendo-o. Pelo que entendi, é o caso deste filme.

Marcelo Rennó disse...

É bem por aí mesmo. E, como escrevi no texto, o povo prefere muito mais um clichê bem trabalhado do que algo novo que não funcione direito. Esse filme é muito divertido e tem tudo para agradar 99% do público.