Egresso do teatro, Ingmar Bergman
sempre trabalhou em equipe, mantendo em torno de si um grupo de atores e
profissionais conhecidos. É quase impossível citar os nomes de Liv Ullmann,
Ingrid Thulin, Max Von Sydow, Harriet Andersson, Gunnar Björnestrand, Erland
Josephson e Sven Nykvist, dentre muitos outros, sem que o de Ingmar Bergman
venha a tiracolo. Com eles, trabalhou em dezenas de filmes, em um ritmo quase
incessante. Mas, antes da época em que trabalhou com esses famosos
profissionais, Bergman trabalhou continuamente com outros, bem menos famosos,
que ajudaram a emoldurar o começo de sua carreira. Juventude é um filme desta
fase da sua vida, onde seus parceiros constantes eram o diretor de fotografia
Gunnar Fischer (tão brilhante como Sven Nykvist), o co-roteirista Herbert
Grevenius, e atores como Maj-Britt Nilsson, Birger Malmstem, Alf Kjellin (ator
principal de Hets, de 1944, filme com roteiro de Bergman, que o projetou para o
Cinema) e Stig Olin (que trabalhou com Bergman em dezenas de filmes, e foi o
pai da atriz Lena Olin).
Há um certo consenso geral de que
Juventude seria o primeiro grande filme de Ingmar Bergman. Isto é um pouco discutível,
pois o diretor já tinha feito alguns belos filmes antes, mais notadamente
Prisão e Porto. Mas, de fato, Juventude representa quase que um ponto de
partida para o que seria a carreira de Bergman futuramente. O próprio diretor
depois reconheceu que foi a partir deste filme que ele finalmente se sentiu
seguro como um diretor de Cinema, onde ele finalmente entendeu como trabalhar com
todos os ingredientes do Cinema para melhor se expressar. Mas a força e o
simbolismo do filme não repousam apenas nesta sensação de segurança de Bergman.
Em Juventude nota-se vários temas que seriam bastante explorados no Cinema de
Bergman, como a relação com a morte (há até uma inusitada cena de xadrez com de
um padre com uma personagem que brinca ao se intitular como “a morte”, que, claro, remete diretamente à
cena clássica de O sétimo selo), cenas envolvendo encenações (mesmo neste caso envolvendo
Balé, e não o teatro propriamente dito), com personagens sofridos, que criam
fachadas como defesa para si mesmos, mas quando se expressam o fazem de forma
seca e audaz, além de usar como cenário uma ilha distante de tudo. Tem até
personagens comendo morangos silvestres, mais um prenúncio de um futuro
clássico absoluto do diretor.
Ou seja, em resumo, Juventude é
puro Bergman, mesmo que em uma versão um pouco mais leve do que de costume (só
um pouco, Bergman é Bergman). Um retrato do que seria o futuro dele, aliada a uma
visão nostálgica de seu passado, já que ele tivera um breve romance de verão
que terminara de forma abrupta, semelhante ao que ocorre no filme. Não à toa as
cenas entre Marie (Maj-Britt Nilsson) e Henrik (Birger Malmsten) tem todo um
frescor que as outras cenas com Marie não apresentam, onde ela já é mais velha
e não tem mais nenhum brilho nos olhos. O filme lida muito bem com estas
transições temporais entre a Marie já bailarina, que leva a vida no automático,
com uma fachada quase imperturbável, e uma quase irreconhecível Marie que
perambula pela ilha aos sorrisos e beijos com seu igualmente jovem namorado.
Bergman mostra o que aconteceu com Marie para mudar tanto em poucos anos, mas sabe
também deixar nas entrelinhas sua bizarra relação com seu tio (com um incômodo teor sexual, principalmente por parte dele), assim como a satisfatória
(mas não muito mais do que isso) relação contemporânea dela com David (Alf Kjellin), tão diferente
da que tivera com Henrik. As atuações de todo o elenco, sem exceção, são de
primeiro nível, dos atores principais aos coadjuvantes. Bergman não agregava
pessoas ao seu redor sem motivo, trabalhar com ele era praticamente a garantia
de se ter uma bela atuação em tela. A mesma excelência se verifica na sublime fotografia de
Gunnar Fischer. Seu trabalho enobrece a obra de qualquer diretor, a atuação de qualquer ator, e o prazer de qualquer cinéfilo.
O filme tem uma leve escorregada
em uma breve (e bem tola) cena de animação, que nem parece fazer parte do
filme, mas logo se levanta e caminha para a estrada das grandes obras, uma
estrada que tantos filmes de Bergman caminharam com louvor. Juventude é um
filme à primeira vista simples, mas que recompensa o espectador que o assiste
mais de uma vez, para ver alguns detalhes que podem passar despercebidos em uma
única análise. O que já dá para se ver de primeira é que se trata de um
belíssimo filme, com uma tocada suave e decidida, de um diretor que encontrara
sua voz, e que não a calaria nas décadas seguintes, marcando a história do
Cinema, do teatro e até da televisão neste período. A câmera e a caneta de
Bergman sempre souberam encontrar o calor na gélida Suécia, mesmo que ele
estivesse escondido no passado de uma personagem, ou disfarçado em semblantes
frios e impassíveis, assim como ver a frieza por trás de alguns sorrisos falsos
e educados. Um diretor perfeito para o Cinema, que sabia quando iluminar a sombra,
e escurecer a luz.