Selton Mello, em tese, estava com
a vida feita. Poderia ficar o resto de sua vida fazendo novelas, ou comédias
seguindo a linha de seu famoso Chicó de O auto da compadecida, de Guel Arraes.
Teria sucesso garantido junto ao público (que sempre gostou muito dele), ganharia
muito bem, e teria uma vida relativamente fácil. Muitos nem pensariam duas
vezes em seguir este script favorável, e quem poderia criticá-los? Mas Selton
Mello é inquieto, e o Cinema, assim como qualquer arte, precisa dos inquietos,
dos insatisfeitos, dos que não aceitam ficar estagnados, dos que se arriscam em
estradas mais tortuosas. Depois de sua incursão na direção do belo Feliz Natal, com tom
mais depressivo e que, por isso mesmo, agradou a crítica mas afastou um pouco o
público, Selton tentou em O palhaço algo sempre muito árduo: Alcançar o
equilíbrio entre um filme autoral e um filme popular. Normalmente, quem tenta
algo assim dá com os burros n’água, e não agrada nem intelectuais e nem o
povão. Se O palhaço, ao final das contas, não atinge de todo este propósito
(acaba pendendo mais para um tom reflexivo, existencialista, sendo bem menos
“alegre” que o que alguns poderiam esperar), mesmo assim o resultado é muito
positivo e já revela que, o que era antes um diretor muito promissor, agora já
é uma realidade no cenário nacional.
Em O palhaço, Selton Mello é
Benjamim, ou, se preferir, na vida real Benjamim é Selton Mello. É nítido que
Selton faz quase que uma auto-análise em tela, e seus questionamentos como
integrante de um circo mambembe podem ser facilmente transpostos para as
dúvidas e depressões de um ator (ou diretor) no meio de um filme ou novela.
Será que vale tanto aborrecimento? Por quê que não me emociono mais com isso?
Será que vou ter que bajular um monte de gente até morrer, só para conseguir
manter a bola rolando? Se faço os outros rir, quem me fará rir? Estas perguntas
são do personagem e do ator-diretor, e seu olhar perdido demonstra que as
questões ordinárias do dia-a-dia, administrativas e burocráticas, de tocar o
circo de seu pai adiante estão cobrando o seu preço e tirando o brilho dos
olhos do palhaço. Há ecos de Pagliacci, de Leoncavallo, mas aqui o risco do
palhaço não é a perda da amada, mas sim a de um sentido de existência. No meio
disso tudo, há que se continuar atuando e fazendo os outros rir, até porque
muitos no circo (incluindo seu pai) dependem dele. Mas o palhaço anseia por uma vida mais normal
e com menos percalços, porém seria este o seu destino? É difícil fazer rir com
tais questionamentos, e isso vale tanto para o palhaço como para o filme, que
acaba ficando menos alegre e festivo do que parte do público poderia desejar.
Mas, de certa forma, esse era o único filme possível para Selton Mello neste
momento de sua carreira, e esse é um traço dos artistas, não fazer o que o
público necessariamente pede (mesmo quando desejam fazer isso inicialmente,
como era o caso!), porque seus instintos, sua alma enfim, acabam falando mais
alto do que quaisquer desejos de agradar os outros.
Contando com uma belíssima
fotografia de Adrian Teijido (de Capitu (TV) e Onde andará Dulce Veiga?, entre
outros trabalhos), e com um grande elenco, com destaque para a figura de Paulo
José como o pai de Benjamim, e ainda com várias participações especiais espocando
no filme (Ferrugem, Moacyr Franco, Jackson Antunes, Tonico Pereira, Danton
Mello, etc.), O palhaço é uma pequena pedra preciosa no cinema nacional. Se não
é para todos os públicos, como Selton tanto queria, deveria ser. Porque trata
de questões humanas, que no fundo atingem a todos, em maior ou menor grau,
independentemente de suas profissões. É difícil encontrar a si mesmo nesta
sofrida vida, e muitos não conseguem. Felizmente, parece que o
ator/diretor/palhaço Selton Mello voltou a sorrir, e a fazer o público sorrir...
e pensar... e quem sabe até chorar. O circo precisa de homens como ele. O
Cinema também. A vida, sobretudo.
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