Intocáveis surgiu como um
fenômeno de bilheteria na França, e por onde passa vêm conquistando multidões,
com sua simples história de amizade entre pessoas tão diferentes, baseado numa
história real. Deixando de lado o melodrama (o filme não é nada depressivo),
Intocáveis concentra-se numa eficiente comédia que lida muito bem com o
contraste entre um refinado milionário de berço de ouro, intelectual e
tetraplégico, que contrata um atrevido imigrante senegalês, pobre e sem
ocupação, para cuidar dele. Espertamente, o filme evita um foco religioso ou racial
(no fundo, importa pouco ali que um seja negro e o outro branco), e se atém
mais às diferenças culturais e econômicas entre os dois, arrancando sorrisos e
gargalhadas em boa parte de suas quase duas horas.
Boa parte de seu sucesso
estrondoso deve-se ao entrosamento da dupla de atores principais. Ambos
funcionam à perfeição, e se não fosse assim o filme desabaria, pois a amizade
entre os dois é a razão de ser do filme. François Cluzet, um ator bastante
tarimbado (dentre muitos outros trabalhos de destaque, foi o marido
enlouquecido de Emmanuelle Béart em Ciúme – O inferno do amor possessivo, de
Claude Chabrol), consegue exprimir emoção e simpatia apenas com seu rosto como
o milionário Philippe, e Omar Sy está elétrico como Driss, conquistando a todos
a seu redor, com um impressionante carisma. Mesmo sendo Omar Sy desconhecido do
grande público, os diretores Olivier Nakache e Eric Toledano o conheciam muito
bem, tendo trabalhado com ele em quase todos os seus filmes (os diretores
formam uma longa parceria, e são especializados em comédias), e isso com
certeza contribuiu para sua performance (premiada com o Cesar de melhor ator,
ganhando inclusive do oscarizado Jean Dujardin de O artista). A chave para a
boa relação dos dois é o bom-humor e a ausência de piedade de Driss com relação
a seu patrão (por vezes fazendo até gozações com suas limitações físicas, o que
Philippe aceita com boa esportividade), e a confiança que Philippe demonstra,
desde o começo, com seu ajudante. Aliada a essa bela amizade, os diretores usam
e abusam de várias gozações contra a alta cultura, os intelectuais e os ricos
em geral, e isso, quando bem feito, costuma agradar o público em cheio.
O filme é bem previsível e não
tem a menor vergonha de trabalhar com clichês, e é nítido que os diretores
tomaram diversas liberdades com a história real entre Philippe Pozzo di Borgo (tem
até nome de milionário) e Abdel Sellou (que escreveu o livro “Você mudou a
minha vida”, sobre a amizade deles), inclusive mudando a nacionalidade deste
último de argelino para senegalês. Mas o que importa para o público é que o
ritmo é impecável e o clima jocoso conquista a todos, a joie de vivre de seus atores
(principalmente Omar Sy) preenche a tela e enche os cinemas. Se muitos críticos
torcem o nariz para o filme, devido à sua previsibilidade e um certo uso de
fórmulas narrativas, não totalmente desprovidos de razão (alguns filmes são
realmente muito semelhantes a este, como Perfume de mulher (a versão americana,
de 1992) e Antes de partir (2007), e quaisquer questões mais pesadas são mesmo
evitadas no enredo), o público não os acompanha, porque não se incomoda tanto
assim com os clichês, e sempre aplaude quando os vê sendo bem trabalhados, como
é o caso de Intocáveis. O público em geral costuma valorizar muito mais uma boa
execução de algo mais conhecido do que uma inovação chata, que o entedie. Entre
o costumeiro arroz-feijão-bife-e-batata-frita da vovó, feito com carinho, e um
prato refinado da alta cuisine, o povo fica com o primeiro sem pestanejar.
Assim como Driss, o personagem-chave do filme, também ficaria e, ainda por cima,
gozaria Philippe por gastar caro para comer tão pouco...
2 comentários:
Tenho ouvido alguns comentários positivos deste filme. Quanto aos clichés, acho uma pena que sempre se refiram a eles de forma pejorativa. O que vira cliché é uma fórmula que funciona bem para determinado objetivo. E os clichés podem ser muito bem utilizados, sem trazer nenhum prejuízo ao filme e até enriquecendo-o. Pelo que entendi, é o caso deste filme.
É bem por aí mesmo. E, como escrevi no texto, o povo prefere muito mais um clichê bem trabalhado do que algo novo que não funcione direito. Esse filme é muito divertido e tem tudo para agradar 99% do público.
Postar um comentário