A vida pode ser muito irônica. Foi
durante as filmagens de um blockbuster baseado em um videogame, Lara Croft:
Tomb Raider, que Angelina Jolie sofreu uma experiência que mudou a sua vida, ao
ver a dureza da vida de milhares de pessoas no Cambodja, onde o filme tinha
parte de suas locações. A partir daí foi cada vez mais se engajando em causas
humanitárias, principalmente de refugiados, a ponto de se tornar Embaixadora da
ONU, e doar aproximadamente um terço do que recebe para semelhantes causas. Na
terra de amor e ódio é um filho direto desta Angelina Jolie politizada e
consciente, muito mais do que a da atriz sexy de tantos sucessos no Cinema. Em
seu primeiro longa de ficção (antes dirigira, em 2007, o documentário A place
in time), que ela ainda produziu e escreveu o roteiro, Jolie demonstra não
querer deixar, de jeito nenhum, que se caia no esquecimento toda a triste
guerra, com tintas de limpeza étnica, que ocorreu com o esfarelamento da antiga
Iugoslávia no começo dos anos 90.
A diretora se debruça sobre o
ataque dos sérvios sobre a Bósnia, principalmente no tocante à perseguição dos
muçulmanos desta região. Seu filme, duro e desconcertante, demonstra o quão
próximo foi todo aquele evento do holocausto de poucas décadas antes, na
Alemanha nazista. Em seu filme se observam eventos muito semelhantes, como a
expulsão das pessoas de suas casas, a separação de maridos, esposas e filhos, chacinas
generalizadas, e o aprisionamento e estupro sistemático de milhares de
mulheres. É como se, em seu filme, Jolie advertisse a todos que a barbárie do
passado pode perfeitamente voltar à tona, e com isso transformar o que hoje são
comportados vizinhos em futuros inimigos mortais.
Se o filme funciona muito bem quanto
à conscientização popular (o que por si só já justifica sua existência), com
algumas belas cenas de grande escopo, ele tropeça justamente no que em tese
seria mais fácil de retratar, no caso o drama íntimo dos personagens
principais. Estes são Ajla (Zana Marjanovic) e Danijel (Goran Kostic), que se
conhecem num bar e começam a dançar antes da guerra começar, e vêem o breve
romance ser interrompido pelo deflagrar dos combates. Quando se reencontram, tudo
está diferente, a relação de poder entre ambos passa a ser muito desequilibrada,
pois ele é um militar sérvio e chefe de um campo de prisioneiros, e ela justamente
uma de suas prisioneiras. E o pai dele, interpretado por Rade Serbedzija (o
único rosto mais conhecido do elenco, uma daqueles coadjuvantes de diversos
filmes, mais conhecido por Antes da chuva, de Milcho Manchevski), um militar de
alta patente, não quer nem saber de qualquer confraternização de seu filho com
um representante de um povo considerado por ele como “inferior”. A bizarra
relação entre o casal não convence muito, e ambos os personagens poderiam ter
sido um pouco mais elaborados. É uma relação muito doentia, e Jolie parece um
pouco perdida entre a erotização dela e todo o sofrimento envolvido entre os
dois. O desfecho do filme também pode soar pouco satisfatório. Fica claro que
toda a atenção de Jolie estava muito mais focada em expor uma guerra que ela
achava que não tinha recebido a devida atenção do resto do mundo (e com razão),
do que em desenvolver um roteiro mais eficiente para o romance central da
trama.
Não surpreende, assim, que o
filme tenha recebido muitas críticas e elogios, quase que de forma equânime. Os
espectadores mais focados no evento em si, na triste guerra em que a ONU teve
que intervir (o filme inclusive aborda um pouco isso), tendem a apreciar Na
terra de amor e ódio, por ele de fato pôr não só o dedo, mas a mão toda na
ferida, e expor as agruras de uma guerra sem filtros. Coragem é o que não falta
ao filme, e muito por isso Angelina Jolie é uma espécie de persona non grata na
Sérvia atualmente. Aos mais interessados em um filme mais “normal”, de assistir
ao desenrolar de um enredo mais envolvente, com personagens multifacetados,
porém, a tendência é de uma relativa decepção. Entre estes dois fronts de batalha, Na terra de amor e
ódio sobrevive, com alguns ferimentos, decerto, mas com saúde suficiente para
mostrar que a diretora tem futuro em duas de suas atuais profissões, tanto como
diretora, quanto como Embaixadora da ONU (que, como ela mesma reconhece, é o
que mais a motiva atualmente). Angelina Jolie poderia ficar o dia inteiro em
uma piscina numa mansão de Beverly Hills, se quisesse. Mas prefere tentar
ajudar o mundo à sua maneira, adotando algumas crianças, doando parte considerável
de seus polpudos ganhos, auxiliando refugiados e, ao que parece, também
passando a dirigir filmes para divulgar suas causas e temores. E ainda tem muita
gente que acha que ela é uma “bad girl”... A vida pode ser muito irônica.