terça-feira, 18 de setembro de 2012

Stella Maris (1918)




Se Chaplin foi disparado o ator mais famoso do cinema mudo, Mary Pickford conquistou essa distinção dentre as atrizes. Mesmo canadense de nascimento, foi a primeira “namoradinha da América” do Cinema, e sua fama se estendeu pelo mundo inteiro, não se restringindo aos EUA. Foi fundamental na criação da United Artists, junto com Chaplin, Griffith e seu então marido Douglas Fairbanks, e era ela quem tinha pulso firme dentre os quatro e tocava o novo estúdio adiante. Foi uma das fundadoras da Academia de de Artes e Ciências Cinematográficas, e a segunda a ganhar o Oscar de melhor atriz. Trabalhou diversas vezes com Griffith, no começo da carreira de ambos (a partir de 1909), e depois com Cecil B. deMille, Ernst Lubitsch e outros cobrões. Porém, tal currículo não sobreviveu tão bem à passagem dos anos. Outras atrizes do período são mais respeitadas e lembradas hoje em dia, como Lillian Gish, Louise Brooks e Gloria Swanson, por exemplo. De certa forma, ela ficou mesmo marcada como a eterna “menininha”, que por sua baixa estatura tinha facilidade de personificar (chegou a interpretar crianças tendo quase 30 anos, e convincentemente!). Mas filmes como Stella Maris ajudam a mostrar que aquela menininha era uma grande atriz, e que não atuou só em filmes açucarados, como é costume se pensar.

Em Stella Maris ela interpreta o papel-título, que segue mais ou menos a linha do que se espera dela: Angelical, sorridente, etc. Stella é uma menina que passa toda sua infância de cama, e seus pais criam um mundo de fantasia para ela, isolando-a de qualquer noção de um mundo real. Ou seja, o típico papel que ela fazia de olhos vendados. Mas Mary Pickford também atua como Unity Blake, uma órfã que desde sempre come o pão que o diabo amassou, e que chega a ser “adotada” por Louisa Riska (Marcia Manon) não por amor, mas para servir como uma serva para ela, e apanhar quando fizesse qualquer bobagem. Como Unity, Mary Pickford está irreconhecível. Anda torta, curvada (parece mais baixa ainda do que já era), sem maquiagem, o oposto da imagem clássica que temos da atriz. Sem aviso prévio, é bem possível que ninguém soubesse que ela interpretava os dois papéis, e se perguntasse: “Quem é essa atriz ao lado de Mary Pickford?”. Sim, ao lado, pois em algumas cenas “ambas” contracenam, num incrível trabalho de dupla exposição para a época, um efeito muito convincente.

O filme lida bem com os contrastes de uma vida de fantasia e uma de sofrimentos constantes, e também de como Stella Maris, uma vez curada, inevitavelmente descobre que não vive numa espécie de paraíso, e vai entrando num certo estado de resignação e leve depressão, enquanto que Unity aos poucos fica menos infeliz, por ser adotada “de verdade” por John Riska (Conway Tearle), justamente o marido de Louisa, que vai presa depois de dar uma surra em Unity. John, porém, é apaixonado por Stella Maris faz tempo, que no seu mundinho perfeito nem desconfia que ele é casado com Louisa...

Marshall Neilan, o diretor (que dirigiu outros sucessos de Mary Pickford, como Daddy-Long-Legs e Rebecca of the Sunnybrook farm) caprichou em trazer refinamento à simples história, já demonstrando um belo domínio da gramática cinematográfica em 1918. Frances Marion, a roteirista, de grande reputação em Hollywood, foi fundamental também não só por seu trabalho em si no roteiro, mas também por ter recomendado e emprestado o famoso livro de William J. Locke para sua parceira e amiga Mary Pickford, que se apaixonou por ele e fez o filme acontecer. Mundialmente famosa, com dinheiro, influência, talento e, principalmente, uma vontade férrea, Mary Pickford tinha jeito de menininha, mas quando tinha um projeto na cabeça, era bom sair da frente. Responsável pelo sustento de sua família desde que tinha 8 anos, Mary Pickford pegou no pesado desde cedo, e encarou uma Hollywood na época que mal passava de um imenso laranjal, quando muito barbado tinha medo de ir para lugar tão inóspito. Neste filme aqui, ela atua como Stella Maris e Unity Blake. Na vida real, era uma Unity no corpo de uma Stella Maris. Uma combinação explosiva. Ai de quem a menosprezou por causa de sua frágil aparência.





Um comentário:

Avena disse...

Excelentes inforçoes, acabei de ver o filme - nao percebi que Pickford faz ambos papíes no filme.