Pal Joey, na Broadway, teve a
distinção de ser o veículo que catapultou Gene Kelly para a fama, e lhe
possibilitou seguir carreira depois no Cinema. Com um tom cínico e um
personagem antipático, que incomodou muita gente na época, mesmo assim a peça
fez sucesso, pela atuação de Gene Kelly mas também, claro, pela música da dupla
Richard Rodgers e Lorenz Hart. Quando a Columbia comprou os direitos para a
adaptação cinematográfica, o objetivo inicial era justamente usar Gene Kelly
com Rita Hayworth, que tinham conseguido grande sucesso popular em Modelos. O
filme, porém, só foi virar realidade em 1957, mantendo Rita Hayworth (mas no
papel de Vera, a mulher rica e mais velha que banca os sonhos de Joey), e
escalando Kim Novak no papel de Linda English, e Frank Sinatra no de Joey.
Curiosamente, essa mudança de papéis de Rita Hayworth para Kim Novak
simbolizava uma passada de bastão de duas musas da Columbia, com Rita Hayworth
saindo de cena e encarando papéis de mulheres mais velhas, e Kim Novak
assumindo seu lugar principal (e ambas sendo dubladas nas canções, como sempre
ocorreu com Rita).
Com Frank Sinatra no papel
central, inevitavelmente o enredo perdeu um pouco de sua acidez, já que Sinatra
sabia tornar charmoso e um pouco simpático mesmo o personagem mais troglodita.
Com algumas canções saindo, e outras de Rodgers/Hart entrando (curiosamente, “The
Lady is a tramp” e “My funny valentine”, duas das mais marcantes do filme, não
eram de Pal Joey, e sim de Babes in arms), algo muito comum em adaptações para
o cinema, houve um certo incômodo com quem conhecia a peça, e muito por isso a
crítica não aceitou tão bem o filme na época. Sob os olhos do Século XXI,
porém, o filme se sustenta muito bem. Frank Sinatra está em um de seus melhores
papéis (ganhou até o Globo de ouro como ator de musical ou comédia pelo filme),
muito à vontade como Joey Evans, cantando todas as mulheres e, claro, quase
todas as canções, com a competência habitual. Domina o filme inteiramente e de
fato torna Joey humano e simpático, dentro da cafajestagem básica do personagem.
Kim Novak, um ano antes do mega-clássico Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock,
já está andando por San Francisco (onde se passa Meus dois carinhos) e com
aquela aparência de Madeleine Elster, o que por si só já agrada qualquer
cinéfilo. Até impressiona como atua de forma tão semelhante nestes dois filmes
tão díspares (se bem que nem tanto, pois Hitchcock, sempre muito mais
preocupado com questões técnicas do que de interpretação, basicamente a deixou livre
para interpretar do jeito que quisesse). Rita Hayworth parece até aliviada de
não ser mais a “mocinha”, assume a sua idade e no número “Zip” até evoca o seu
pseudo-strip clássico de Gilda (aliás, Kim Novak ameaça fazer o seu striptease,
mas é interrompida por, logo quem, Frank Sinatra). E o diretor George Sidney
tem a inteligência de não complicar, de não querer aparecer, de entender que
num filme com Frank Sinatra, Rita Hayworth, Kim Novak e belas canções como “Bewitched”,
“The Lady is a tramp”, “My funny valentine”e “I didn’t know what time it was”,
dentre outras (todas de alto nível), era só registrar tudo aquilo com um mínimo
de competência que o resultado sairia muito bom.
É quase impossível ver Meus dois
carinhos sendo citado entre os grandes musicais de todos os tempos. Talvez nem
mereça mesmo. Porém, um filme desse quilate ser um pouco esquecido e relegado a
um segundo plano mostra a força absurda dos musicais de Hollywood, que
justamente estavam entrando em declínio a partir do fim dos anos 50. Era bastante
caro e árduo fazê-los, e o fim da era dos estúdios complicou demais o
cenário para eles. Perda nossa. Mas sorte nossa que este filme, como muitos
outros musicais, continua acessível para quem quiser voltar no tempo e ver
Frank Sinatra cantando no ápice de sua forma, com Rita Hayworth e Kim Novak
desfilando beleza e carisma ao seu lado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário