Vencedor do Leão de ouro em
Veneza, O ano do sol tranquilo é como uma pérola, pela sua beleza e raridade
(com certeza é dos mais obscuros filmes a ganhar este prêmio). O próprio diretor
Krzysztof Zanussi é pouco conhecido fora da Polônia, mal fazendo sombra para os
bem mais famosos (e contemporâneos seus) Roman Polanski, Krzysztof Kieslowski e
Andrzej Wajda. O mesmo vale para Maja Komorowska, a atriz principal do filme,
que trabalhou diversas vezes com Zanussi e é uma grande dama do cinema e do
teatro polonês (despontou inclusive no teatro de vanguarda de Jerzy Grotowski),
mas que é igualmente pouco reconhecida fora do país. Se a fama internacional
escapou ao filme a aos seus componentes principais, pelo menos sua qualidade
permanece intacta, desvelando um belo romance entre um soldado americano e uma
pobre viúva polonesa na Polônia logo depois de finda a 2ª Guerra Mundial, sendo
ambos de meia-idade e que só falam suas respectivas línguas.
O amor porém é universal e, como
demonstra brilhantemente Zanussi em uma cena, intraduzível. Não é através de um
tradutor que os amantes conseguem conversar, pois de nada adiantam palavras se
o tradutor não entende a possibilidade de amor entre duas pessoas em condições
tão distintas (principalmente se ele despreza a pobre polonesa), e transforma
carinho em rispidez. Os amantes se entendem é através de olhares e de uma
compaixão mútua por viverem numa situação tão horrível quanto foi a 2ª Guerra
Mundial, principalmente para um país como a Polônia, que já começou sofrendo
desde seu pontapé inicial. Seja resistindo ao assédio de brutamontes poloneses,
que constantemente roubam Emilia (personagem de Maja Kamarowska) e chegam a
espancar sua inválida mãe (interpretada por Hanna Skarzanka), ou ao simples
testemunho dos milhares de cadáveres decorrentes do horror nazista, o amor
entre os dois floresce e resiste contra todos os prognósticos. E a única saída
parece ser uma fuga para a América, mas Emília não consegue se decidir se deve seguir
Norman (Scott Wilson, mais lembrado como um dos bandidos de À sangue frio, de
Richard Brooks) e deixar a mãe para trás, assim como uma vizinha amiga sua que
se prostitui para sobreviver e que, por isso mesmo, é cada vez mais ameaçada
pela vizinhança, sedenta de vingança. Os conflitos morais são o combustível do
cinema de Zanussi, as soluções nunca são fáceis, e as decisões mudam a vida de
todos os envolvidos para sempre.
Sem jamais apelar para imagens e
trilha sonora eróticas, Zanussi lida com sutileza para com aquele estranho e
tocante romance, com realismo e sem nenhuma pieguice, e sabe mesclar bem isso
com algumas cenas duras de um país dilacerado após aquela guerra. O ano do sol
tranquilo mal tem sol e não é nada tranquilo, pois naquele mundo de sombras a
vida não vale nada, e em um átimo tudo pode se perder. Um súbito relacionamento
de duas pessoas maduras e sofridas desafia a lógica, o bom-senso e até as
probabilidades de sobrevivência das pessoas envolvidas. Felizmente ao final
sobrevive um grande Cinema, evidenciado numa cena-homenagem a John Ford que, se
o filme fosse mais conhecido, fatalmente entraria em todas as listas de melhores
desfechos da História do Cinema.
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