Cinco anos após O assassinato de
Jesse James pelo covarde Robert Ford, o astro Brad Pitt e o diretor Andrew
Dominik voltam a trabalhar juntos, em um filme que igualmente reúne todas as
condições para dividir crítica e público. Desta vez o diretor desta vez
abandona o velho Oeste para se debruçar sobre o velho submundo, o dos gângsters
de baixa renda, como os retratados em Os bons companheiros. Mas as semelhanças
com o clássico de Scorsese praticamente param por aí. O homem da máfia é um
filme lento, atmosférico, que confia mais em estabelecer um certo clima de noir
moderno (sem femme fatale, deve-se dizer, aqui os homens caem sozinhos) do que
em trazer uma ação empolgante. É um filme mais focado em diálogos, mas não em
aqueles ágeis, cortantes e envolventes, como em um Pulp fiction da vida, ou
daqueles de se citar toda hora, como os da trilogia O poderoso chefão. Os diálogos do
filme de Andrew Dominik são daqueles pouco brilhantes, mundanos mesmo, mas são
críveis porque os personagens que os emitem também são assim. Praticamente
todos fazem besteiras no filme, e depois passam a vigiar a própria sombra com
medo do castigo.
O homem da máfia guarda
semelhanças, no tratamento melancólico e fatalista, com Os amigos de Eddie
Coyle, um filme de 1973, dirigido por Peter Yates, com Robert Mitchum. E isso
não surpreende, pois ambos foram baseados em livros de George V. Higgins.
Andrew Dominik, porém, atualizou a história e a trouxe para o ano de 2008,
justamente o da crise financeira e o da disputa eleitoral que levou Barack
Obama ao poder. A campanha política em si está sempre em segundo plano,
geralmente em uma TV em que nenhum dos personagens presta atenção. Aqueles
marginais claramente não acreditam nem um pouco nas palavrinhas bonitas de
todos os políticos. Eles conhecem a vida dura deles, e sabem que não vai ser um
partido republicano ou democrata no poder que vai mudar muita coisa, ainda mais
para quem vive à margem da sociedade. Mas a crise financeira, esta sim os
incomoda. E o diretor faz uma estranha, mas pertinente, analogia da vida dos gângsters
com o que seria a vida de economistas e altos investidores. Uma aposta de alto
risco, no filme, que conduz a um roubo oportunista, de certa forma espelha no
que resultou a escalada da venda de dívida podre com o disfarce de dívida boa
das hipotecas americanas. Era o mundo financeiro desabando por falta de fé no sistema
em 2008, e o pequeno mundo dos insignificantes gângsters do enredo também
sofrendo, pois ninguém mais quer arriscar seu patrimônio em jogos arriscados
(jogos de cartas, e não de ações ou debêntures), e tudo por causa da ambição
temerária destes tais ladrões, e do homem que pensou toda a operação.
Como não poderia deixar de ser,
isto é um trabalho para o personagem de Brad Pitt resolver. Ele aparece apenas
depois de bons minutos, mas toma conta do filme a partir daí. Ele está pronto
para matar, mas não de forma atabalhoada. Ele gosta de matar suavemente, de forma
quase indolor (o que explica o título original, “matando-os suavemente”, em uma
tradução livre). Até prefere que um colega seu (James Gandolfini, o inesquecível
Tony Soprano da famosa série de TV Os Sopranos) tente matar um dos “condenados”, por o
conhecer e não querer misturar sentimentos durante o seu serviço. Mas mesmo
neste mundo há uma certa burocracia, e ele deve seguir o que sugere/ordena o
personagem de Richard Jenkins (O visitante, Queime depois de ler), e tentar
improvisar com os erros que surgirem pelo caminho, na procura pelos ladrões.
Este filme registrou algumas
pessoas saindo no meio das sessões nos EUA. Não é difícil de entender,
inclusive quando se analisa o trailer dele, que promete um filme ágil,
alucinante, e de diálogos marcantes. O homem da máfia não é este tipo de filme,
apesar de estar sendo vendido assim. Trailers visam vendas, trazer o máximo de
pessoas possível para dentro dos Cinemas. Não à toa, costumam gerar muitas
decepções no público, por prometerem melancias e entregarem laranjas. Para o
bem ou para o mal, Andrew Dominik não é Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Quentin
Tarantino ou mesmo Guy Ritchie. O homem da máfia, apesar do tema, tem seu DNA egresso
de O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, apresentando algumas
melhoras quanto à sua menor duração, e com atores um pouco mais tarimbados no
seu leme (Ray Liotta e o ator/dramaturgo Sam Shepard também estão no elenco, em
papéis menores). Este é o estilo do diretor, e saber isso de antemão evita que
se criem expectativas erradas.
Para o que se propõe, O homem da
máfia é um belo filme. O clima desolador, melancólico, de poucas esperanças, e
onde cada um zela por si e evita esperar grandes ajudas dos outros, é muito bem
trabalhado, evocando até um certo niilismo. Duas cenas saltam aos olhos, uma
pela tensão (a do assalto propriamente dito) e a outra pelo esmero visual, um
assassinato em câmera-lenta que deixaria Sam Peckinpah orgulhoso (uma das
grandes cenas de 2012). O final deixa um pouco a desejar, até por ser um pouco
abrupto, e por trazer o único discurso destoante do filme, que soa forçado. Mas
fora isso é uma obra muito bem orquestrada, que mostra a evolução do diretor,
que soube trabalhar com a adaptação do texto (o roteiro também é dele) e com os
atores, com todos apresentando boas atuações (apesar de que poderia ter aproveitado
um pouco mais o James Gandolfini). Porém, como é quase inevitável, é um filme
que vai agradar a maioria dos críticos, e desagradar à maioria do público.
Porque este vai seco para ver um novo Pulp fiction, Drive ou Os bons
companheiros. Se fosse preparado para ver apenas o novo filme de Andrew
Dominik, sairia bem mais satisfeito. Trailers e spots de TV podem ganhar trazer
ganhos a curto prazo, mas podem ser catastróficos a longo prazo. Perde-se a
confiança do público, algo incomensurável. Assim como também o era a fé do
público no Sistema Financeiro, antes do escândalo do sub-prime. Nem os
gângsters gostaram de ver o resultado daquilo, de assistir a um sistema que
sabota a si mesmo.
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