Sarah Polley é uma atriz
canadense já de certo renome (atuou em filmes como A vida secreta das palavras,
Madrugada dos mortos, Minha vida sem mim e O doce amanhã), que recentemente tem
se dedicado também a roteirizar e dirigir filmes. Conseguiu um certo impacto em
2006, com Longe dela, um tocante drama onde Julie Christie tinha que lidar com
a doença de Alzheimer, juntamente com seu abnegado marido (Gordon Pinsent). Em
2012 ela volta a atuar nesta frente dupla, sendo que desta vez adaptando uma
peça de sua própria autoria. E, assim como tinha feito questão de Julie
Christie daquela vez (pelo talento e por ser grande amiga e admiradora dela),
desta vez o projeto só faria sentido, para ela, com Michelle Williams e Seth
Rogen nos papéis principais.
O que causa certa consternação é
que justamente este parece ser um casal muito improvável, numa história idem.
Se tem um filme que demora a embalar, este é Entre o amor e a paixão. Por quase
uma hora do filme, a impressão é que o barco vai naufragar e que não haverá
salvação. Margot, a personagem de Michelle Williams, é casada com Lou (Seth
Rogen), e ambos vivem em Toronto (cidade natal da diretora, aliás) uma
estranha, e plácida, felicidade. Por várias vezes se comportam como crianças ou
adolescentes, e parecem ter uma certa sintonia em comum, apesar de suas
diferenças. Mas ela logo conhece Daniel (Luke Kirby), o seu vizinho de rua,
durante uma viagem, e cria com ele uma estranhíssima relação, nada carnal, que
a faz balançar sobre o seu futuro. Sim, temos aqui mais um triângulo amoroso.
Mas é um diferente, bizarro, difícil de precisar. Parte dos problemas do começo
do filme é que Daniel não parece nada crível. Ele é um artista que não se
projeta, um romântico inveterado, um possuidor de um riquixá (?!?) que
misteriosamente consegue viver sabe-se lá como, sem nenhuma renda visível.
Parece exatamente o que ele é: Um personagem criado pela mente de um(a)
escritor(a), uma fantasia, e não uma pessoa real, com problemas e questões
reais. E isso tira força do filme, ainda mais em comparação com a relação de
Margot e Lou, que convence mais, até porque as brincadeiras deles de cada dia remetem ao que acontece na vida de muitos espectadores também. Este desnível no
triângulo amoroso, tão vital para o filme, quase que sentencia o filme ao
abismo.
Quase. Milagrosamente, o filme
vai se sustentando, o tempo vai passando, e o espectador mais tolerante recebe
a chance de se acostumar com aqueles estranhos personagens. Alguma cena de
nudez frontal incomoda aqui e ali pela absoluta gratuidade (sem moralismo
algum, pode-se dizer que poucas foram mais desnecessárias no Cinema
recente), outras cenas parecem não chegar a lugar nenhum... Mas muito aos
poucos, quase sem se notar, o filme vai encorpando. A eterna sensação de vazio
de Margot torna-se cada vez mais latente, a ponto de incomodar até a Geraldine,
sua cunhada alcoólatra (um raro papel dramático para Sarah Silverman). E a
surreal atração dela por Daniel vai ganhando mais vida, apesar do pouco
convincente começo. Chega-se a ter uma interessante cena erótica, entre os
dois, só com o uso de diálogos, com ambos inteiramente vestidos, e sem trocar
um beijo sequer. É como se o
calor úmido do verão de Toronto aos poucos também atordoasse o público, ainda
mais como foi captado por Luc Montpellier, o diretor de fotografia (também
egresso de Longe dela). E o espectador fica tão perdido quanto Margot, no seu
dilema do título em português do filme (brega, mas ao menos coerente com o enredo
do filme).
Michelle Williams e Seth Rogen,
apesar da estranheza inicial, de fato foram boas escolhas de Sarah Polley.
Funcionam como casal, e Seth Rogen demonstra que tem capacidade para papéis
dramáticos, o que todo comediante, mais dia menos dia, precisa provar para um
público sempre incrédulo (e raro é o comediante que não vence como ator
dramático, quando se propõe a isso, mas a desconfiança inicial do público
sempre acontece). Curiosamente, em Entre o amor e a paixão, ele e Sarah
Silverman tem que se provar em papéis mais dramáticos do que estão acostumados,
e Michelle Williams o faz para um papel mais leve e cômico do que costuma
representar. Porque o filme fica mesmo no meio do caminho entre a comédia, o
drama e o romance, e os atores necessitam se virar para se equilibrar neste constante
desequilíbrio (só Luke Kirby não consegue muito sucesso, apesar de que o
roteiro não o ajuda). É muito difícil catalogar o filme, ele não se parece
muito com outros filmes, apesar de na superfície ser só mais uma comédia
romântica. Há algo de complexo debaixo daquelas piadinhas, da nudez banal, e de
personagens esquisitos em situações idem. Sarah Polley erra no contexto geral,
mas acerta nos detalhes, nas minúcias das vidas daqueles canadenses em tese tão
banais. Logo no começo do filme, Margot ressalta seu medo de ficar presa entre
conexões (se refere a vôos em aeroportos, mas é nítido que o escopo deste medo
é bem mais abrangente). E é exatamente o que acontece com ela e o próprio filme
em si. Sarah Polley, pelo visto, não partilha deste medo (ou, se partilhava,
parece tê-lo vencido). Pois é exatamente nesta zona indefinida entre o riso e o
drama (ou o amor e a paixão, se preferir) que ela insere seu filme, e de onde
extrai seus melhores momentos. Fica à mercê, porém, de que o espectador tenha
paciência para não desistir do filme até ela conseguir atingir isso.
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