Todos os homens do Presidente é
um tipo de filme que não é mais feito. Não tanto em relação ao seu gênero, pois
vários outros filmes de viés político foram realizados desde então. Muitos,
inclusive, assim como ele, baseados em fatos reais. Mas enquanto 99,99% dos
filmes políticos usam e abusam da elasticidade do conceito de serem baseados em
fatos reais, o filme de Alan J. Pakula cumpre o prometido. Não se tem aqui
personagens inventados, e exagero nas situações, para “aumentar a dramaticidade”.
Todos os homens do Presidente não tem um tiro sequer, aliás nem aparece uma
arma no filme inteiro. Não há sombra daquelas cenas de sempre, dos personagens principais
tendo que aturar a ladainha de esposas ou namoradas, que imploram para que
abandonem um projeto tão perigoso. Ou então das igualmente batidas cenas onde
um personagem resume em algumas frases tudo o que aconteceu até então, para dar
uma mãozinha ao espectador mais distraído. Nada disso. O filme acompanha com
veracidade a dura e exaustiva vida de dois repórteres investigativos do
Washington Post, Bob Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman),
no percurso de perscrutar todo o caso Watergate, que ao cabo de alguns anos
acarretaria na renúncia ao cargo do Presidente Richard Nixon. E o espectador
tem que ralar um pouco também, se lembrando de vários nomes citados, e mantendo
a atenção o tempo todo, para não perder o fio da meada.
O filme já presume de cara,
inclusive, que o espectador tenha um mínimo de familiaridade com o assunto. Na
época isso foi facilitado, por o filme ter surgido apenas dois anos após a
renúncia de Nixon, com o assunto ainda quente na cabeça do público (um caso de
bater no ferro enquanto ele ainda estava quente). Ao contrário do que queria o
diretor, e o próprio Robert Redford (também produtor do filme, de forma muito
atuante), eles não puderam filmar no próprio Washington Post, não porque o
jornal tenha criado empecilhos (longe disso, e no final das contas todos
adoraram o filme, que exalta a atuação do jornal), mas porque curiosamente os
jornalistas ficam se maquiando e “atuando” para a câmera, mesmo em segundo
plano, atrapalhando o filme. Mas a reconstituição daquele local foi tão
bem-feita em estúdio, que até impressionou quem trabalhava lá. O filme tem
mesmo esse esmero, e, ainda mais, o respeito pela verdade dos fatos, sem querer
romancear uma situação por si só tão marcante. Todos os componentes do filme
funcionam bem, como a fotografia de Gordon Willis (as cenas onde aparece o “Garganta
profunda” de Hal Holbrook demonstram o típico uso de sombras adorado por ele),
a direção de arte, o som, a edição (todas essas categorias foram indicadas ao
Oscar, e direção de arte e som ganharam), mas estão claramente a serviço, assim
como os atores, do bom funcionamento do roteiro de William Goldman, uma adaptação
do livro homônimo dos próprios Bob Woodward e Carl Bernstein, que viraram lenda
no jornalismo americano e mundial por suas atuações neste caso.
O roteiro é empolgante, e
demonstra com presteza a constante frustração dos jornalistas lidando, o tempo
todo, com portas fechadas em suas caras e gente que não quer falar nada com
eles. Eles vivem de encontrar pequenas brechas, e de aproveitar insinuações ou
hesitações de seus entrevistados, para seguir adiante. É uma vida inglória,
ainda mais sendo constantemente aconselhados a abandonarem toda aquela história
por jornalistas graduados, como os interpretados por Martin Balsam e Jack
Warden. O que os incentiva, e mesmo assim não muito, é Ben Bradlee (Jason
Robards), o chefão do jornal, que aos poucos começa a entender o potencial de
tudo aquilo. O elenco do filme é especial, contando ainda com pequenas
participações de Ned Beatty e Jane Alexander (que foi indicada ao Oscar de
coadjuvante por seu breve papel), e uma pontinha de F. Murray Abraham no começo
da carreira. Todos atuam de forma muito competente e valorizam o enredo. Jason
Robards, inclusive, ganhou seu primeiro Oscar de coadjuvante pelo filme
(ganharia outro no ano seguinte, por Júlia). Um pouco injusto, pois competiu
com Burgess Meredith (Rocky) e Laurence Olivier (Maratona da morte), que
estavam mais inspirados, mas sua atuação é muito sólida, assim como de Hal
Holbrook e dos dois atores principais, astros de primeira grandeza. Mas, mesmo
com elenco tão estelar, é o roteiro quem mais brilha, tudo gira em torno dele
(esse sim, um Oscar indiscutível que o filme recebeu). Se ele não funcionasse,
o filme teria sido logo esquecido. Felizmente, porém, ele é muito eficiente, ajudou
a tornar o filme um sucesso (inclusive popular, algo raro para um filme
político), e a tornar Todos os homens do Presidente um marco para o cinema americano.
O filme teve o mérito também de
mostrar que o caso Watergate não se relaciona só com o que aconteceu no hotel
Watergate, com a invasão de um escritório do partido Democrata por Republicanos
incautos. Os repórteres souberam seguir um dos lemas do filme, “follow the money”
(sigam o dinheiro). Pelos pagamentos efetuados, logo descobriram conexões que
os permitiram seguir adiante nas investigações, descobrindo que na verdade os
Republicanos foram “invasivos” bem mais do que apenas uma vez. Não é todo dia
que o trabalho incansável de dois jornalistas, então desconhecidos, muda tanto
os rumos de um país. Também não é todo dia que se faz um filme como Todos os
homens do Presidente. Um filme que não alivia a barra de ninguém (nem do
público, que não tem vida fácil o assistindo). Que se baseia nos fatos sem
querer ficar reescrevendo-os para que pareçam ainda mais “emocionantes”. Há que
se ter coragem e disposição para continuar insistindo neste caminho, mesmo com
tantos conselhos em contrário. Bob Woodward e Carl Bernstein fizeram escola,
assim como os produtores, o diretor e o roteirista do filme inspirado nos
esforços deles. Se hoje quase não existem mais repórteres investigativos, ou
filmes tão honestos em seus propósitos, daqueles que teimam em seguir até o fim
suas filosofias mesmo contra todos os prognósticos, não é culpa de nenhuma
dessas pessoas. Elas fizeram suas partes, e obtiveram grande sucesso, com a
renúncia de um Presidente reeleito (e hoje vilipendiado), e um clássico do Cinema
americano para comprovar isso.
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