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sábado, 22 de dezembro de 2012

Um evento feliz (Un heureux événement – 2011)




Um evento feliz começa como uma bela comédia romântica, onde um atendente de locadora tenta se comunicar com uma cliente através dos títulos dos filmes (lhe exibindo as caixas de DVD, e ela respondendo da mesma forma). É engenhoso e charmoso, mas aponta para um caminho que o filme não vai seguir, a partir de quando ambos realmente se conhecem. O filme então abandona qualquer ilusão ou romantismo e abarca toda aquela relação com riqueza de detalhes, sem deixar de focar em nenhuma questão mais delicada. Primeiro a direção de Rémi Bezançon (Le premier jour du reste de ta vie (2008), O amor está no ar (2005)) expõe o tórrido romance entre eles, com direito a cenas de nudez e sexo praticamente explícito (os atores não devem ter transado de fato, mas chegaram bem perto disso). Tudo só começa a se complicar mais quando Barbara (Louise Bourgoin) engravida, e a relação entre eles começa a se alterar, assim como a forma que cada um se vê no mundo.
                             
O filme de Rémi Bezançon é baseado em um romance de Éliette Abécassis (co-roteirista de Kadosh, de Amos Gitai, que curiosamente trata de uma judia que não consegue engravidar), onde a escritora praticamente expôs o que ela mesma passou quando engravidou, de forma bastante detalhada. O roteiro adaptado desta obra ficou por conta do próprio Rémi Bezançon e de Vanessa Portal. Ou seja, o livro foi escrito por uma mulher, roteirizado por um homem e uma mulher, e o filme dirigido por um homem. Com certeza isso ajudou para que o filme não tivesse um viés por demais feminista ou machista. O marido de Barbara, Nicolas (Pio Marmaï), não é uma espécie de “vilão” da história, não carrega necessariamente a “culpa” por nada (é nítido que ama e aceita o filho, por exemplo), ou seja, o filme não tenta atrair apenas a simpatia fácil e rápida das mulheres botando toda a culpa no marido. Um evento feliz não é propriamente um documentário, e nem uma espécie de “auto-ajuda”, ele é um filme de ficção, mas um filme sério em sua abordagem, e não um “chick flick” para ser visto de forma leve, em um Sábado à tarde, por um grupo de colegiais. Longe disso. É um filme adulto como poucos, que visa ao público masculino também, e que analisa até algumas questões que são tabus ou semi-tabus, como o aumento da libido na mulher que engravida, o receio do marido em machucar o feto enquanto transam (que faz com que evite transar com ela), a diminuição da sensibilidade física de Barbara após dar a luz, o medo dela de ser vista como uma “má mãe” pelos outros, etc. (este temor foi fundamental para que Éliette Abécassis escrevesse sua história, pois sentia que muitas mulheres se culpavam por isso, no seu entender desnecessariamente).

Os atores coadjuvantes como Josiane Balasko (que interpreta a mãe de Barbara) e Thierry Frémont (Tony) acrescentam complexidade à história, mas o centro do palco é inevitavelmente da dupla principal. Pio Marmaï (que também esteve em Le premier jour du reste de ta vie, além de A delicadeza do amor (2011), entre outros) interpreta muito bem um Nicolas meio perdido, que é um pouco imaturo já desde o começo e não sabe muito lidar com o turbilhão de emoções que é a nova Barbara. E a bela Louise Bourgoin (O pequeno Nicolau, As múmias do faraó, A garota de Mônaco) é o centro nevrálgico do filme, por onde tudo gira em torno. Uma estudante de Filosofia que logo se vê mais interessada e preocupada em algo terreno e concreto, como por exemplo fazer a criança mamar, do que em analisar a obra de Kant ou Hegel. Sua personagem chega a perguntar o porquê de não a terem explicado antes o tanto que um filho muda a vida de uma pessoa, tanto externamente como em relação à sua própria identidade no mundo. Seria besteira achar que um filme poderia responder de forma completa tais questões, elas são pessoais e intransferíveis. Mas Um evento feliz talvez seja o que chegue mais ao fundo neste sentido, no Cinema moderno.

O filme não só não evita nenhum assunto difícil ou incômodo, como bota a câmera bem de perto mesmo, para que nem os espectadores possam deixar de ver o lado mais difícil do que acontece com os novos pais. A própria direção de Bezançon se altera, saindo de um tom mais clássico para uma câmera mais nervosa, conforme os eventos se desdobram. No meio deste turbilhão, os novos pais mudam, a relação de poder entre eles se altera, e eles têm que começar a criar um bebê indefeso para uma vida que, de certa forma, ambos mesmos estão, naquele momento, despreparados. Ser apenas namorado de Barbara é uma coisa, mas Nicolas estaria pronto para ser um marido e um pai? Barbara teria condições de criar bem sua filha? Ela conseguiria ser mãe e esposa, ao mesmo tempo? E sua carreira, como fica? As famílias de ambos também metem o bedelho, de um jeito ou de outro, causando ainda mais faíscas na relação. Estas questões são a de qualquer casal que têm filhos, e também de qualquer casal que planeje ter filhos, por isso mesmo o público-alvo é amplo para o filme de Bezançon. Um evento feliz não apresenta nada de absurdamente original, ele trata de questões bem cotidianas até. A sua singularidade é exatamente analisar tudo frontalmente, sem rodeios, desde o sexo até às dúvidas, culpas e rejeições. Se os personagens fizessem, ao final do filme, uma nova cena com títulos de filmes em capas de DVDs, com certeza não seria engraçadinha, e nem o próprio título Um evento feliz seria mostrado. A realidade já teria demonstrado o quanto de angústia também existe dentro da felicidade deste evento.  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Entre o amor e a paixão (Take this waltz – 2012)




Sarah Polley é uma atriz canadense já de certo renome (atuou em filmes como A vida secreta das palavras, Madrugada dos mortos, Minha vida sem mim e O doce amanhã), que recentemente tem se dedicado também a roteirizar e dirigir filmes. Conseguiu um certo impacto em 2006, com Longe dela, um tocante drama onde Julie Christie tinha que lidar com a doença de Alzheimer, juntamente com seu abnegado marido (Gordon Pinsent). Em 2012 ela volta a atuar nesta frente dupla, sendo que desta vez adaptando uma peça de sua própria autoria. E, assim como tinha feito questão de Julie Christie daquela vez (pelo talento e por ser grande amiga e admiradora dela), desta vez o projeto só faria sentido, para ela, com Michelle Williams e Seth Rogen nos papéis principais.

O que causa certa consternação é que justamente este parece ser um casal muito improvável, numa história idem. Se tem um filme que demora a embalar, este é Entre o amor e a paixão. Por quase uma hora do filme, a impressão é que o barco vai naufragar e que não haverá salvação. Margot, a personagem de Michelle Williams, é casada com Lou (Seth Rogen), e ambos vivem em Toronto (cidade natal da diretora, aliás) uma estranha, e plácida, felicidade. Por várias vezes se comportam como crianças ou adolescentes, e parecem ter uma certa sintonia em comum, apesar de suas diferenças. Mas ela logo conhece Daniel (Luke Kirby), o seu vizinho de rua, durante uma viagem, e cria com ele uma estranhíssima relação, nada carnal, que a faz balançar sobre o seu futuro. Sim, temos aqui mais um triângulo amoroso. Mas é um diferente, bizarro, difícil de precisar. Parte dos problemas do começo do filme é que Daniel não parece nada crível. Ele é um artista que não se projeta, um romântico inveterado, um possuidor de um riquixá (?!?) que misteriosamente consegue viver sabe-se lá como, sem nenhuma renda visível. Parece exatamente o que ele é: Um personagem criado pela mente de um(a) escritor(a), uma fantasia, e não uma pessoa real, com problemas e questões reais. E isso tira força do filme, ainda mais em comparação com a relação de Margot e Lou, que convence mais, até porque as brincadeiras deles de cada dia remetem ao que acontece na vida de muitos espectadores também. Este desnível no triângulo amoroso, tão vital para o filme, quase que sentencia o filme ao abismo.

Quase. Milagrosamente, o filme vai se sustentando, o tempo vai passando, e o espectador mais tolerante recebe a chance de se acostumar com aqueles estranhos personagens. Alguma cena de nudez frontal incomoda aqui e ali pela absoluta gratuidade (sem moralismo algum, pode-se dizer que poucas foram mais desnecessárias no Cinema recente), outras cenas parecem não chegar a lugar nenhum... Mas muito aos poucos, quase sem se notar, o filme vai encorpando. A eterna sensação de vazio de Margot torna-se cada vez mais latente, a ponto de incomodar até a Geraldine, sua cunhada alcoólatra (um raro papel dramático para Sarah Silverman). E a surreal atração dela por Daniel vai ganhando mais vida, apesar do pouco convincente começo. Chega-se a ter uma interessante cena erótica, entre os dois, só com o uso de diálogos, com ambos inteiramente vestidos, e sem trocar um beijo sequer. É como se o calor úmido do verão de Toronto aos poucos também atordoasse o público, ainda mais como foi captado por Luc Montpellier, o diretor de fotografia (também egresso de Longe dela). E o espectador fica tão perdido quanto Margot, no seu dilema do título em português do filme (brega, mas ao menos coerente com o enredo do filme).

Michelle Williams e Seth Rogen, apesar da estranheza inicial, de fato foram boas escolhas de Sarah Polley. Funcionam como casal, e Seth Rogen demonstra que tem capacidade para papéis dramáticos, o que todo comediante, mais dia menos dia, precisa provar para um público sempre incrédulo (e raro é o comediante que não vence como ator dramático, quando se propõe a isso, mas a desconfiança inicial do público sempre acontece). Curiosamente, em Entre o amor e a paixão, ele e Sarah Silverman tem que se provar em papéis mais dramáticos do que estão acostumados, e Michelle Williams o faz para um papel mais leve e cômico do que costuma representar. Porque o filme fica mesmo no meio do caminho entre a comédia, o drama e o romance, e os atores necessitam se virar para se equilibrar neste constante desequilíbrio (só Luke Kirby não consegue muito sucesso, apesar de que o roteiro não o ajuda). É muito difícil catalogar o filme, ele não se parece muito com outros filmes, apesar de na superfície ser só mais uma comédia romântica. Há algo de complexo debaixo daquelas piadinhas, da nudez banal, e de personagens esquisitos em situações idem. Sarah Polley erra no contexto geral, mas acerta nos detalhes, nas minúcias das vidas daqueles canadenses em tese tão banais. Logo no começo do filme, Margot ressalta seu medo de ficar presa entre conexões (se refere a vôos em aeroportos, mas é nítido que o escopo deste medo é bem mais abrangente). E é exatamente o que acontece com ela e o próprio filme em si. Sarah Polley, pelo visto, não partilha deste medo (ou, se partilhava, parece tê-lo vencido). Pois é exatamente nesta zona indefinida entre o riso e o drama (ou o amor e a paixão, se preferir) que ela insere seu filme, e de onde extrai seus melhores momentos. Fica à mercê, porém, de que o espectador tenha paciência para não desistir do filme até ela conseguir atingir isso.  

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Killer Joe – Matador de aluguel (Killer Joe – 2011)




William Friedkin é um cineasta interessado em gente. Disse inclusive, certa vez, que qualquer paisagem, por mais bonita que fosse, nunca teria a mesma relevância para ele do que o rosto de um Steve McQueen, por exemplo. Sua câmera crua, visceral, valoriza exatamente o trabalho dos atores e o consequente drama humano que eles evocam, muitas vezes retratando pessoas marginalizadas e/ou depravadas. Mesmo que sejam policiais, como o Popeye Doyle de Operação França, ou o Joe Cooper deste filme aqui, eles têm seus métodos sangrentos e costumam ser mais estúpidos e agressivos do que os bandidos.  Killer Joe – Matador de aluguel indica que Friedkin está de novo no auge da forma, mostrando que ainda vive o cineasta que marcou o início dos anos 70 com os enormes sucessos, de público e de crítica, de Operação França (filme que lhe deu o Oscar de diretor) e O exorcista.

O filme, uma adaptação da peça de Tracy Letts (com roteiro do próprio, na segunda parceria de roteirista e diretor, após Possuídos, de 2006), retrata uma família Smith, o sobrenome mais comum nos EUA, mas esta família é totalmente diferenciada das demais em sua amoralidade: Como estão na pior, desejam matar a mãe para receberem o seguro dela. O instrumento para isso é exatamente o Killer Joe do título, retratado brilhantemente por Matthew McConaughey, no que é até o momento o papel de sua vida. O ator, um grande amante da natureza, uma vez disse que queria reencarnar em um jaguar, por admirar seu senso de auto-controle, sua pose, e por considerá-lo o animal mais cool do mundo. De certa forma McConaughey faz isto no filme, com sua presença tranquila e ameaçadora, que sabe se mover sempre com estilo e determinação, cercando a presa com seu olhar de predador, e não deixando dúvida em ninguém de quem está no controle da situação. Por sua causa, o filme tem momentos de uma tensão quase irrespirável. Os outros atores estão um plano abaixo, mas não deixam a peteca cair. Thomas Haden Church (de Sideways) é o patriarca resignado de uma família esfarelada, e mal consegue entender o que ocorre à sua volta. Emile Hirsch é o filho que começa todo o processo, por dever dinheiro e correr grave risco de vida por isso, e Juno Temple, sua irmã no filme, é uma espécie de Cinderela enganosa, pura mas não muito, que atrai Joe Cooper sexualmente com sua pretensa inocência. A madrasta, interpretada por Gina Gershon (muito marcada negativamente, por anos, por ter atuado em Showgirls), é outra de atuação visceral, principalmente numa cena antologicamente chocante com Matthew McConaughey. O filme, aliás, é bom ressaltar, não é para os fracos de estômago, alguns podem até considerá-lo doentio. Têm nudez frontal, muita violência, e várias cenas são como um soco no estômago. É impossível o espectador ficar impassível ao assisti-lo. É um filme “ame ou odeie” por natureza.

William Friedkin, quarenta anos mais velho, talvez não tenha mais a mesma energia insana do começo de sua carreira, onde dirigiu Operação França quase como se fosse um filme de guerrilha, sem se preocupar com autorizações de filmagem ou o que fosse, inclusive filmando a clássica cena de perseguição de carros praticamente no meio de um tráfego real. Mas a sua carga ainda é de alta voltagem (principalmente em contraste com um cenário politicamente correto, como o atual) e pode eletrocutar os mais fracos. Até porque agora ele está mais maduro, e sabe canalizar esta energia e coragem inatas na busca de um cinema explosivo, e Killer Joe- Matador de aluguel é uma prova disso, um policial noir e underground que sacode o espectador como poucos filmes fizeram nos últimos anos. Sabendo segurar a tensão ao máximo, com um timing preciso que estica ao limite do humanamente possível a lentidão de uma cena muito tensa, e soltando-a com movimentos rápidos e alguns toques de comédia, Friedkin está tanto no comando externo do filme como Matthew McConaughey está dentro dele. Juntos e inspirados, fizeram um filme inesquecível, que pode não ser para todos os públicos, mas que é imperdível para amantes de um cinema que senta na cabeceira da mesa e sabe impor sua autoridade. Killer Joe – Matador de aluguel pode ser rotulado como um “filme de macho”, com toda a carga positiva, negativa e, por quê não dizer, antiquada, que esta expressão carrega. Ou talvez possa ser um filme de jaguar, que destroça as presas sem misericórdia e sem perder a pose. Mas com certeza é um filme de William Friedkin, daquele Friedkin dos anos 70 (e não o que perdeu a forma nos anos seguintes), o velho de guerra, um cineasta que parece mostrar que voltou com tudo, arrombando a porta, botando o revólver na mesa e perguntando o que tem pra comer, porque ele parece estar de novo com muita fome.