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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Hitchcock (2012)




2012 foi um ano badalado para a memória de Alfred Hitchcock. Primeiramente a HBO fez para a TV americana o filme The girl, com Toby Jones como o Mestre do suspense e Sienna Miller como Tippi Hedren. Um filme que incomodou muitos fãs de Hitchcock por mostrá-lo sob uma ótica mais pesada, de homem que perdeu totalmente a linha na tentativa de sedução à Tippi Hedren. Este filme do diretor Sacha Gervasi, porém, joga uma luz bem mais suave em cima do diretor inglês, reconhecendo alguns de seus notórios defeitos, mas em um tom mais reverente para com ele, até por retratar um período muito feliz (mesmo que atribulado) de sua vida, o da produção de Psicose, um dos maiores clássicos do Cinema de todos os tempos, que foi um fenômeno de bilheteria e valorizou muito o gênero Terror, além de mudar inclusive a forma com que as pessoas iam ao Cinema (terminando com o antigo hábito de muitos chegarem no meio de uma sessão), para que o charme e os segredos de Psicose não se perdessem.

Hitchcock vinha num embalo fenomenal desde 1954, enfileirando grandes sucessos icônicos como Janela indiscreta, Disque M para matar, Ladrão de casaca, O homem que sabia demais (a refilmagem de 1956) e Intriga internacional, e mais dois então vistos como “artísticos”, O homem errado e Um corpo que cai, que foram razoavelmente ignorados na época (o filme Hitchcock até brinca com isso), mas que depois cresceram em muito de prestígio (principalmente Um corpo que cai, recentemente eleito o melhor filme da História pela Sight & Sound). E Psicose foi seu ápice, agradando em cheio, de imediato, tanto a crítica quanto o público (e foi seu maior sucesso de bilheteria). Mas a produção dele, como de quase todo filme, foi atribulada, até por Hitchcock ter trabalhado ali muito com sua equipe de seus programas de TV, para baratear custos. O filme de Sacha Gervasi, baseado no livro de Stephen Rebello sobre a produção de Psicose, e com roteiro de John J. McLaughlin (Cisne negro), dramatiza um pouco mais a história, acrescentando tintas extras para encorpar a história (Hitchcock não corria tanto perigo financeiro com o filme, até por ele ter sido barato), algo presente a quase todos os tais filmes “baseados em fatos reais”.

A experiência de assistir o filme é muito agradável, principalmente para os cinéfilos de plantão (o espectador comum perde parte da graça por não conhecer de antemão situações e pessoas apresentadas). Gervasi, porém, preferiu dividir atenções entre a relação de Hitchcock (Anthony Hopkins) com sua esposa Alma Reville (Helen Mirren), junto com a produção de Psicose. E isto pode frustrar parte dos cinéfilos, pois, no fundo, o filme não conta nada de realmente novo para quem conhece razoavelmente bem a produção do clássico de 1960. Curiosamente, nem mostra aspectos engraçados como Hitchcock mandar duas vezes a mesmíssima edição para os censores da famosa cena do chuveiro, onde estes viram coisas diferentes em cada “versão” apresentada, como aconteceu realmente. Também, estranhamente, oculta a presença de Patricia Hitchcock, filha do casal e que tinha feito uma pequena participação em Psicose (a última em um filme de seu pai). Talvez a intenção fosse mesmo focar na relação de Alfred e Alma. Anthony Hopkins tem, aqui, uma atuação muito parecida com a que apresentou em Nixon, de Oliver Stone, pois ele não se parece muito com Hitchcock (nem fisicamente, nem no tom de voz), mas aos poucos vai envolvendo o público e isto deixa de ser um problema. Não tem nenhuma atuação lendária, longe disso, mas é firme o suficiente para carregar o filme. Porém, deve-se ressaltar que Toby Jones, em The girl, estava muito mais convincente como o Mestre do suspense, com uma voz igualzinha, e numa atuação mais rica também. Helen Mirren também não lembra muito fisicamente a Alma Reville (Imelda Staunton, em The girl, estava muito mais parecida com ela). Aliás, nenhum ator está muito parecido com a personagem que retratava, com a exceção de James D’Arcy como Anthony Perkins, que infelizmente atua por pouco tempo (o porquê deste filme ter recebido indicação ao Oscar na categoria de maquiagem é um mistério). Mas Helen Mirren tem uma atuação mais rica (a melhor do filme, na verdade), em uma obra que parece ter a bandeira de mostrar sua importância para a carreira de Hitchcock, que nem ele mesmo negava. Tudo passava por suas mãos, e sua opinião era sempre a mais importante para seu marido. Este filme atesta que ao lado do grande diretor tinha uma mulher pequena em estatura, mas gigante em espírito, que se satisfazia em ficar nos bastidores, enquanto seu marido amava ficar sob o maior número de holofotes possível.

Com um ritmo leve e aprazível, e contando com o que de fato são breves participações especiais de Scarlett Johansson (como Janet Leigh), Jessica Biel (Vera Miles), Toni Collette, Richard Portnow, Danny Huston, Ralph Macchio e Kurtwood Smith, Hitchcock agrada aos olhos e ao espírito, remetendo ao auge de um cineasta que sempre visou a satisfação de seu público, mesmo que o fizesse aterrorizando-o. E conseguiu isso com Psicose, um filme perfeito que ainda tem enorme impacto, ajudado por uma equipe genial (Bernard Herrmann, Saul Bass, todo o elenco, etc.). E, claro, contando com a ajuda da eterna Alma Reville, que foi quem impulsionou sua carreira desde o início, quando ele era um reles ilustrador de intertítulos de uma sucursal da Paramount na Inglaterra no princípio da década de 20. Mas por volta de 1960, ele já era um figurão, e convenceu a própria Paramount a ajudá-lo na produção deste clássico. Sacha Gervasi consegue mostrar um pouco desse homem, da mulher que sempre o defendeu de tudo (principalmente de seus próprios temores e neuroses), e também alguns aspectos da produção de um de seus maiores filmes. Mas não consegue nem de perto a contundência que conseguira com o documentário Anvil: The story of Anvil (um fascinante acompanhamento de uma banda de metaleiros que prossegue por décadas no anonimato). Ele deixa um gostinho de “quero mais” no espectador, e uma sensação de que quis mais imprimir a lenda do que contar a história real do diretor. Junto com The girl, este Hitchcock acaba funcionando de forma complementar para o público, pois as lacunas deste filme são os méritos do outro, e vice-versa. Não foi feito o filme definitivo sobre o célebre diretor inglês ainda, mas ambos tem o seu lugar e cumprem o papel de peças que ajudam a tentar completar o quebra-cabeças que foi o enigmático e taciturno Alfred Hitchcock. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

The girl (2012)




Há uma parte substancial em Um corpo que cai onde Scottie (James Stewart) faz de tudo para que Judy (Kim Novak) vire a sua musa inspiradora, a ponto de exigir que ela se vista, se maquie e se comporte exatamente como ele quer. Este comportamento obsessivo foi um traço de Hitchcock que vazou para as telas, em possivelmente seu melhor filme. O famoso diretor fez isto constantemente com suas atrizes, porém sempre lidando com profissionais já de certa fama e experiência, como Ingrid Bergman e Grace Kelly, por exemplo. Com Tippi Hedren, ele pegou uma modelo sem nenhuma experiência como atriz, e fez o possível para transformá-la em uma estrela de cinema e em seu ideal eterno de uma loura fria na aparência, mas fogosa por dentro. O fracasso foi tão grande, porém, que ele jamais tentou fazer isso novamente. A situação saiu totalmente de controle, a ponto de Tippi Hedren o acusar desde então de a ter assediado o tempo todo e, consequentemente, destruir seu futuro como atriz. O filme The girl, feito para a TV pela prestigiada HBO, com Julian Jarrold na direção, tenta analisar exatamente esta explosiva situação, que tanto machucou o diretor e a novata atriz, como respingou até em Marnie, confissões de uma ladra, filme que foi terminado com desgosto por um Hitchcock que mal teve ânimo para dirigi-lo até seu final.

A ressalva que se deve fazer, desde o princípio, é que o filme é adaptado do livro Fascinado pela beleza – Alfred Hitchcock e suas atrizes, de Donald Spoto, com roteiro de Gwyneth Hughes, e que praticamente assume que apresenta a versão de Tippi Hedren para tudo o que aconteceu. The girl sofre um pouco por justamente apresentar por demais apenas uma versão dos fatos. Alguns dos eventos ocorridos foram públicos, mas vários dos retratados aconteceram entre quatro paredes, com apenas Hitchcock e Tippi Hedren presentes. A versão de Tippi Hedren está no filme e no bom livro de Donald Spoto (um conhecido pesquisador de Cinema, que já escreveu três livros sobre Hitchcock, inclusive, então não se trata de algum simples enxerido). Quanto à versão de Hitchcock, provavelmente nunca saberemos.

Que Alfred Hitchcock, como pessoa, não era fácil de se lidar, isso Hollywood toda sabia. Neurótico, irônico, sarcástico, por vezes estúpido, Hitchcock nunca teve muito traquejo social, e feriu muitas pessoas durante sua carreira (não só atores e atrizes, mas também roteiristas, compositores, fotógrafos, etc.), morrendo em 1980 praticamente sem amigos no ramo. Alguns dos fatos apresentados em The girl são indiscutíveis e foram muito testemunhados, como o tormento desnecessário que ele fez Tippi Hedren passar, em uma semana de filmagens com pássaros reais sendo jogados em seu rosto constantemente (a atriz não ficou cega por sorte). Digamos que não bastaria vestir uma roupa vermelha em Hitchcock e colocar uma barba branca nele para que o diretor virasse o Papai Noel. Do bom velhinho, ele só tinha a barriga. Segundo Tippi Hedren, Donald Spoto, e o filme The girl, porém, seu comportamento se tornou especialmente abusivo com Tippi nos dois filmes que fez com ela (Os pássaros e Marnie, confissões de uma ladra). Talvez o fato dela ser uma novata, e ter que depender mais dele do que dependeram as outras atrizes, tenha piorado o quadro. Talvez o envelhecimento de Hitchcock tenha influído, com o fim de sua vida se aproximando, e toda a sua neurose, suas fobias, a notória baixa auto-estima por sua aparência (ele se considerava grotesco) e sua repressão sexual tenham atingido o ponto de ebulição. Talvez a própria paixonite que sentiu por Tippi Hedren (uma espécie de Judy da vida real, que topou inicialmente ser moldada conforme ele queria), tenha sido maior do que sentira por outras atrizes. O mais provável é que tenha sido, inclusive, uma soma de todos estes fatores. E Tippi Hedren acabou personificando a última gota que fez transbordar a taça. Hitchcock chamava todas as atrizes de seus filmes como “The girl”. “Todos os atores devem ser tratados como gado”, costumava dizer. Mas o filme atesta que essa girl teimou em mostrar que era uma woman também.

O filme inevitavelmente cativa um pouco por mostrar os meandros da Hollywood clássica, e algo da intimidade de um de seus maiores diretores. É quase impossível que um cinéfilo não se sinta atraído pelo tema do filme, que, diga-se de passagem, não torna por demais apelativas as cenas, nem exagera o sensacionalismo do que ocorreu (dentro do que era possível de se fazer). Apesar de ser uma produção abaixo do (alto) nível que a HBO se acostumou a fazer, The girl é satisfatório, visualmente agradável, tem um bom ritmo e alguns bons momentos. Passa de ano. Mas passa raspando, com direito a choro na diretoria para ganhar mais uns décimos na nota. Imelda Staunton, como Alma, a esposa de Hitchcock (tão importante em sua vida e carreira), é praticamente desperdiçada no filme, que não lhe dá a nuance e complexidade necessária para ilustrar melhor toda aquela história. O roteiro é incompleto e vago, e não espelha bem todo o histórico de Hitchcock até aquele episódio, assim como o de Tippi Hedren. Em alguns momentos, Hitchcock parece ser todo vil, o que não parece muito crível. O filme não consegue evitar um certo maniqueísmo, como na cena de teste da atriz antes de Os pássaros, rodada juntamente com Martin Balsam, que pode ser conferida em sites de vídeos, onde nota-se que ela está muito mais espontânea, sexy e segura do que é mostrado no filme, onde Hitchcock parecia um titereiro conduzindo uma pobre marionete indefesa.

Muita da preocupação de cinéfilos para com o filme era com o ator que interpretaria Hitchcock, por acharem que não ficaria nada parecido com o “Mestre do suspense”. Este, porém, foi um dos acertos do filme. Toby Jones, se não fica de fato muito parecido com Hitchcock visualmente, mesmo assim logo nos faz esquecer isto, pois sua voz está absurdamente semelhante com a de Hitchcock, e ele também assume seus maneirismos e forma de se portar com maestria. Toby Jones, aliás, está em uma fase de muito destaque em sua carreira, atuando em um filme atrás de outro, e vários de grande sucesso (como Jogos vorazes, Poder paranormal, Sete dias com Marilyn, O espião que sabia demais, etc.). Mesmo assim, pode-se dizer que é um tremendo de um azarado. Teve uma ótima atuação como Truman Capote em Confidencial, só para vê-la ser eclipsada pela de Philip Seymour Hoffman em Capote, um filme com muito mais prestígio e que deu a ele o Oscar de melhor ator. E em 2012 vê sua atuação competente como Alfred Hitchcock provavelmente passar pela mesma estrada, com o filme Hitchcock, onde Anthony Hopkins assume o papel do diretor, tendo tudo para ser o mais lembrado.

Sienna Miller, porém, como Tippi Hedren, não alcança o mesmo sucesso de Toby Jones no filme. E a culpa não é só dela, deve ser repartida com o diretor e a roteirista, que não lhe deram muitas ferramentas para compor melhor sua personagem. Entramos e saímos do filme sem conhecer muito Tippi Hedren. A atriz também não se parece muito com Hedren, e não consegue o que Toby Jones conseguiu, isto é, de fato entrar no papel, convencer o público apesar deste problema inicial. Quem era Tippi Hedren? Ingênua e inocente? Sedutora e ardilosa? Fracassou no seguir da carreira porque Hitchcock a perseguiu, por uma possível falta de talento, ou a soma das duas coisas? O filme não responde isso, e nem a atriz consegue atrair muito interesse em sua personagem. The girl, com todas as suas virtudes e defeitos, acaba por ser mais ou menos o que normalmente Hitchcock queria de suas atrizes principais: É atrativo por fora, pois agrada em uma análise mais superficial, mas acaba sendo frio por dentro, não tendo tanto impacto e complexidade como poderia ter.