Em um período delicado da história
americana, no auge da Guerra Fria, um presidente já doente (Franchot Tone)
tenta empurrar goela abaixo do Congresso americano um nome visto como um tanto “perigoso”
para o importante cargo de Secretário de Estado, na figura de Robert
Leffingwell (Henry Fonda). O Senador que é o líder da maioria (Walter Pìdgeon)
tenta, assim, articular que este homem, visto como “liberal demais” tanto pela
maioria como pela oposição, consiga ser aprovado pelo Congresso, mesmo com a
oposição virulenta orquestrada pelo Senador Cooley (Charles Laughton), que não
tolera que tal homem ocupe cargo tão importante. É nos meandros desta política
que respira o roteiro de Wendell Mayes (O destino de Poseidon, Anatomia de um
crime), adaptado do texto de Allen Drury, vencedor do prêmio Pulitzer. Drury
trabalhou como repórter do New York Times no Congresso americano, logo ele conhecia
bem aquele meio, e o filme exala esta intimidade.
O filme tem um elenco de um peso
absurdo. Além dos já citados Henry Fonda, Charles Laughton, Walter Pidgeon e
Franchot Tone, o diretor Otto Preminger ainda contou com Lew Ayres, Peter
Lawford, Gene Tierney, Burgess Meredith, Don Murray, e mais até algumas
presenças de reais senadores da época, que acrescentam veracidade à trama (reza
a lenda que Preminger convidara até Martin Luther King e Richard Nixon para
participarem do filme, mas estes teriam recusado). E o diretor conseguiu
distribuir, ironicamente, estes grandes atores de forma democrática, ninguém “domina”
o filme, todos têm sua oportunidade de brilhar. É quase que uma vitória da
Democracia dentro de um filme. Aliás, o filme tem a peculiaridade de mostrar
que um Presidente não tem essa força toda que muitos imaginam, muitas vezes
dependendo de ajuda de diversos políticos para conseguir (ou não) efetivar Leis,
Decretos e nomeações. É inusitado que tenha sido Otto Preminger, um diretor
muitas vezes visto como brutal e tirânico (e odiado pela quase totalidade de
atores que trabalharam com ele), o homem a focar em algo tão democrático em sua
natureza, como o dia-a-dia de senadores que precisam se relacionar o tempo
todo, e formar alianças cotidianamente. É possível que Preminger, como diretor
já rodado (de clássicos como Laura, O homem do braço de ouro, Exodus, Anatomia
de um crime, Carmen Jones e Anjo ou demônio?), apesar de suas características
inatas, tenha entendido essa estranha correlação entre Presidentes e Diretores
de filmes, vistos como poderosos pelo público em geral, mas muito dependentes
de suas respectivas equipes quando se analisa suas funções com mais proximidade.
Tempestade sobre Washington tem
este charme de mostrar a política por dentro, e se o filme remete bastante ao
clássico de Frank Capra, A mulher faz o homem (de 1939), isto não é uma mera
coincidência, e não só quanto ao tema, porque a Columbia de fato reutilizou
alguns dos cenários daquele filme, mais notadamente o grande Congresso onde
tudo se decide. O filme de Capra é superior, porém. É mais ingênuo, claro,
apesar Tempestade sobre Washington também apresentar uma certa honestidade absoluta
de alguns membros, algo um pouco difícil de engolir no cínico Século XXI (mesmo
em 1962, com todo o respeito...). Porém, A mulher faz o homem tem a mágica que
o filme de Preminger não tem, e algumas cenas muito marcantes que igualmente o
filme de 1962 não apresenta. Aqui o resultado é mais redondo e uniforme, e muito
interessante, deve-se dizer, até por retratar a paranoia americana com os
comunistas, ainda mais no próprio ano em que aconteceu a crise dos mísseis em
Cuba, um evento que tornou tão perigosamente palpável uma 3ª Guerra Mundial.
Preminger mal disfarça uma crítica ao Macarthismo e sua consequente caça às
bruxas, algo que ele tanto brigou para derrubar (inclusive contratando Dalton
Trumbo para Exodus, e ajudando a demolir a funesta “lista negra”). E ainda se
arrisca a lidar com o homossexualismo de um dos senadores. O filme pisa em um
milhão de ovos neste sentido, mas não deixou de ser um tímido primeiro passo
para Hollywood começar a lidar com este tema então considerado um tabu
completo.
O elenco funciona muito bem tanto
individualmente, quanto com um todo. Mesmo atores erráticos, como Franchot Tone,
Don Murray e Peter Lawford, estão perfeitos no filme, e em alguns de seus
melhores momentos. Henry Fonda está num papel menor ao qual estamos acostumados
(ele “some” de vários trechos do filme), mas é o Fonda que conhecemos, honesto,
resoluto, de fala mansa, mas decidida. Gene Tierney, sempre marcada como a
eterna Laura, faz aqui seu último filme com Otto Preminger, em um papel
discreto, mas honroso. Walter Pidgeon mostra mais uma vez que envelheceu muito
bem na profissão, conseguindo mais contundência nos anos 50 e 60 do que em seus
papéis mais famosos (muitos deles com Greer Garson) da década de 40. Ele é o
braço direito perfeito para um Presidente em posição tão frágil. E Charles
Laughton, no último papel de sua carreira, está ótimo como de costume, e só não
rouba a cena porque todos estão afiados. Morreria poucos meses depois de terminadas as filmagens, de
câncer.
O filme tem algumas curiosidades
que chamam a atenção. Burgess Meredith, tão hostil ao Macarthismo, a ponto de
também sofrer certo ostracismo por isso durante anos de sua carreira, no filme
interpreta justamente um dedo-duro, que acusa um colega de ser comunista. O
personagem de Peter Lawford, Lafe Smith, foi baseado em John Kennedy, que era um
Senador durante o tempo em que Allen Drury escrevia seu livro. Quando o filme
foi lançado, ele já era o Presidente, e Peter Lawford era justamente seu
cunhado, pois estava casado com Patricia Kennedy, a irmã dele. E Gene Tierney
fora amante de John Kennedy (enquanto ainda casada), e só não casou com ele
porque Kennedy não queria casar com uma divorciada, e matar seu futuro político
com o público conservador americano. Oleg Cassini, o ex-marido dela, depois
trabalhou junto com Jacqueline Kennedy, desenhando os seus vestidos. Dentro e
fora das telas, Hollywood se misturou com a política, e Tempestade sobre
Washington é uma prova em celuloide disso. Uma das melhores, diga-se de
passagem. Era fundamental saber ser político em Hollywood, e ser um bom ator em
Washington. Aliás, continua sendo, mais do que nunca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário