quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma jornada inesperada (The Hobbit: An unexpected journey - 2012)




Em um mundo perfeito, Peter Jackson, junto com toda a sua talentosa equipe, teria feito primeiro a adaptação do livro O Hobbit, de Tolkien, em um filme apenas, nem que fosse de quatro horas de duração. Receberia elogios mil, e ganharia dinheiro suficiente para, aí sim, vir com tudo para adaptar a trilogia de O senhor dos anéis, em 3 filmes grandes mesmo, como fez entre 2001 e 2003. A história seguiria uma certa cronologia, e a trilogia é mesmo mais complexa que O Hobbit, o que garantiria que superaria as expectativas do público. Mas, claro, o mundo não é perfeito. Peter Jackson fez a trilogia antes de partir para adaptar a história de O Hobbit. Uma escolha muito inteligente do ponto de vista financeiro, evidentemente, pois a trilogia tinha mesmo mais apelo junto ao público, e fica difícil querer fazer graça com investimentos da casa de centenas de milhões de dólares. Mas, do ponto de vista de todo o resto, uma escolha que trouxe seus obstáculos, alguns praticamente intransponíveis.

O maior destes obstáculos complicados era exatamente a altíssima expectativa do público depois do sucesso incrível de crítica e público com a primeira trilogia (bilheterias de bilhões de dólares mundo afora, e dezessete Oscars recebidos, dentre muitos outros prêmios). Peter Jackson sabia disso, e tentou manter-se como apenas um produtor desta nova aventura cinematográfica. Por alguns anos, o diretor seria Guillermo Del Toro (Hellboy, O labirinto do fauno). Mas a produção de O Hobbit: Uma jornada inesperada foi tumultuada, com falência da MGM no meio do caminho (que atrapalhou por anos também 007 – Operação Skyfall), brigas entre a produtora New Line Cinema e Peter Jackson, e até uma úlcera deste último. Guillermo Del Toro partiu para outros projetos, e o anel voltou ao dedo de Peter Jackson. Só que este anel, ao invés de o fazer desaparecer, o faz ficar totalmente na berlinda. Foi como se a Terra-Média o estivesse chamando de novo. De certa forma, Peter Jackson sempre se pareceu mesmo com um Hobbit fisicamente, talvez este seja seu destino, no fim das contas.

Com esta nova missão nas mãos, o que fez Peter Jackson? Auxiliado no roteiro pelas mesmas Fran Walsh e Philippa Boyens da trilogia (e mais a participação de Guillermo Del Toro, significativa mesmo com ele abandonando o leme antes das filmagens), é nítido que a tentativa aqui foi de encorpar a história. Não há como negar que o livro O Hobbit é muito mais infantil e despretensioso do que os três que compõem a trilogia de O senhor dos anéis. Não é muito mais do que uma aventura leve de Bilbo, Gandalf e um grupo de anões em busca de um tesouro guardado por um dragão. Assim sendo, o diretor, junto com sua equipe, fez o possível e o impossível para adicionar grandeza e importância à esta simples história em todas as oportunidades possíveis. Sempre que pode, surge um personagem da trilogia que invariavelmente demonstra as implicações (por vezes muito indiretas) que aquela aventura pode ter no futuro de todos os povos habitantes da Terra-Média. A trilha sonora também se utiliza dos temas da trilogia, o que agrada ao público e o ajuda a comprar a ideia de toda esta nova aventura. Pescando detalhes e informações de O Silmarillion, e de apêndices de O senhor dos anéis, a equipe do filme valoriza mais a história e tenta ressaltar que tudo aquilo é muito mais do que uma simples aventura. Consegue um certo resultado, mas não faz milagres, continua óbvio que O senhor dos anéis é muito mais relevante, e o lado mais infantil do livro O Hobbit acaba transparecendo em O Hobbit: Uma jornada inesperada. É como se o filme fosse uma criança vestida de fraque e cartola. Está muito bem vestida e adquire um ar mais solene e menos brincalhão, mas continua sendo uma criança.

A decisão de se fazer uma nova trilogia em cima de um livro nem tão grande assim é parte dessa estratégia de valorizar o enredo, assim como a de filmar em 3D e com 48 fotogramas por segundo, ao invés dos usuais 24 (claro que muitos cínicos dirão que foram estratégias para ganhar mais dinheiro nas bilheterias, o que não deixa de ser também verdadeiro). Uma trilogia parece naturalmente mais “importante” do que apenas um filme sozinho, e o ineditismo dos 48 fotogramas não deixa de botar o filme na “História do Cinema”. O resultado, claro, mesmo levando-se em conta tudo o que foi encorpado na história, trazido de outros livros e apêndices, é que o filme fica mesmo um pouco esticado (e os 48 fotogramas não trazem tanto assombro assim). Essa esticada, curiosamente, acaba aproximando mais O Hobbit: Uma jornada inesperada do universo de J. R. R. Tolkien do que a própria trilogia de O senhor dos anéis. Como a trilogia abarcava muitos elementos e tramas, a preocupação ali era cortar o que não fosse estritamente necessário, e acelerar o possível quanto à ação. Não havia muito tempo a perder. Desta vez, tempo não é o problema, muito pelo contrário, há tempo de sobra. E desta feita sente-se, enquanto se assiste este primeiro filme da nova trilogia, mais ou menos como se sente um leitor de Tolkien, ao ler sobre todas aquelas caminhadas, as cantorias, a camaradagem entre aqueles personagens. Não é raro encontrar pessoas que abandonam os livros de Tolkien no meio justamente por acharem tais passagens muito longas. Não por acaso, muitos acham este filme aqui arrastado. Para o padrão de um blockbuster, é mais arrastado mesmo. Mas é adequado ao ritmo dos livros, é muito mais verdadeiro neste sentido.

O filme, após um belo prólogo (que enfatiza a importância da história, e ainda remete também ao começo de O senhor dos anéis: A sociedade do anel), e uma cena-fetiche entre Ian Holm e Elijah Wood (Bilbo velho e Frodo, respectivamente), apresenta um começo mais lento mesmo, com a chegada de cada personagem (apesar de ser difícil diferenciar os anões entre si, um problema também do livro), sem se apressar. Gandalf capitaneia o grupo, e somos apresentados aos dois personagens mais importantes desta nova trilogia, o próprio Bilbo mais novo (Martin Freeman) e Thorin, o Rei dos anões (Richard Armitage). Ambos os atores foram escolhas acertadas. Martin Freeman, o Dr. Watson da série Sherlock, da TV inglesa (onde contracena com Benedict Cumberbatch, que curiosamente também participa deste filme, em um pequeno papel como o Necromante) está muito bem com todos os seus temores e dúvidas, que parece um pato fora d’água no meio daqueles perigos todos. Richard Armitage é o personagem mais sofrido deste filme, um emblema de um povo que perdeu tudo (os outros anões parecem muito mais joviais e alegres do que ele, que nunca brinca). Tenta resgatar o que seu povo perdeu, e mal atura o amadorismo de sua equipe. Ian McKellen de novo é Gandalf, e repete a excelência de suas performances anteriores. Desta vez Gandalf pisa mais em ovos, tem que o tempo todo apartar brigas e controlar egos, não só dentro do grupo mas também fora, com elfos e magos (com isso, vemos breves retornos de Hugo Weaving, Cate Blanchett e Christopher Lee). Quando o filme aquece, porém, as cenas de ação são do mesmo nível das vistas na trilogia (talvez até um pouco superiores), mostrando a experiência da equipe após os três filmes realizados. E temos a clássica cena de Bilbo com o Gollum, talvez a melhor do filme (essa sim, egressa do livro mesmo, e que tem tudo a ver com a trilogia de O senhor dos anéis). E, com história esticada e tudo o mais, Peter Jackson consegue deixar o gostinho de “quero mais” em boa parte do público, que esperará por The Hobbit: The desolation of Smaug (previsto para final de 2013, e cujas filmagens já se encerraram), e The Hobbit: There and back again (a ser lançado em 2014).

O resultado é muito satisfatório, uma bela aventura, de sentir inveja de quem é criança ou adolescente nos dias atuais (há 30 anos atrás, tinha-se Krull e Flash Gordon, por exemplo, e a rapaziada lambia os beiços mesmo assim). Por muitos anos, os livros de Tolkien eram considerados “infilmáveis”, tanto pelos efeitos especiais que exigiriam, como pela opulência das histórias. Peter Jackson, muito bem auxiliado por uma enorme equipe de experts, mostrou no começo do Século XXI que tinha chegado a hora de fazer justiça à imaginação de Tolkien nas telas. E, agora, paga pelo seu sucesso anterior. Enquanto com a trilogia de O senhor dos anéis o Peter Jackson tinha um carrão em mãos, largando na Pole Position, e ganhou suas três corridas com autoridade, com direito a champagne no pódio, gritos de fãs e milhares de entrevistas, com O Hobbit: Uma jornada inesperada ele está numa equipe nova, com um carro bem mais modesto em mãos, e tendo que largar no meio de um monte de carros, disputando freadas com uns garotos alucinados. Tem que se superar a cada curva, conduzindo o carro no limite, e termina num bem honroso quinto lugar. Chega ao seu Box suado, exausto, e de longe vê a festa no pódio de outros pilotos. No dia seguinte, lê nos jornais que “Peter Jackson chega apenas em quinto”. Ele sabe que fez um corridão, que tirou do carro tudo o que podia tirar (até mais). Mas quase ninguém vê sua performance assim.  A visão da maioria é de que está decadente, que seus melhores dias estão atrás de si. É muito complicada a vida de quem sai do Condado. Bem o sabem Bilbo, Frodo e Peter.

3 comentários:

Unknown disse...

Ainda não vi o filme, Marcelo, mas o que mais me traz desconforto (talvez com um pouco de irritação) é o fato de O Hobbit ter sido transformado numa nova trilogia. Não fosse a existência da fantástica - e até necessária - trilogia de O Senhor dos Anéis, seria impensável, sob qualquer circunstância, algum cineasta conceber O Hobbit como uma trilogia. Fico com muito receio de me deparar com encheções de linguiça forçadas, apenas para deixar o tempo passar. Um filme de 150 minutos conseguiria dar conta do recado com o pé nas costas.
Só falta depois eles lançarem a versão estendida da nova trilogia!

Marcelo Rennó disse...

Sergio, relaxa. O filme é muito interessante, uma ótima aventura, mesmo com esse lance de tornar um livro só em uma trilogia. Foi uma estratégia tanto para valorizar o novo projeto, quanto para ganhar um troco extra. Mas não torna este primeiro filme, ao menos, inassistível, ou uma enrolação só. Não, longe disso. Quem gostou da trilogia, tem tudo para gostar deste filme aqui. É mais lento, e tudo o mais, mas nisso está até mais perto do que era a experiência de se ler um livro do Tolkien. Acho que você vai curtir, mesmo que com algumas naturais ressalvas.

Quanto à versão estendida, chance grande de rolar futuramente, o Peter Jackson adora essas coisas.

Unknown disse...

Certamente verei. Depois volto aqui para dizer o que achei.
Abraço!