segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Armadilha mortal (Deathtrap – 1982)




O escritor Ira Levin foi autor de livros que posteriormente viraram sucessos no Cinema, como O bebê de Rosemary, As esposas de Stepford, Os meninos do Brasil e Invasão de privacidade. Todos os citados viraram filmes de sucesso popular. Mas o maior sucesso de sua carreira foi mesmo a peça Deathtrap, que seguiu anos a fio sendo encenada na Broadway (1793 vezes, um recorde ainda vigente para peças de mistério), e que o tornou rico de vez. Um texto inteligente, dinâmico, tenso e envolvente, que tinha mesmo tudo para dar certo no Cinema. Com uma adaptação de Jay Presson Allen (roteirista de A primavera de uma solteirona, Cabaret e Marnie, confissões de uma ladra), a direção de Sidney Lumet (completaria-se este texto inteiro só com citações de sucessos dele), e com Michael Caine e Christopher Reeve no elenco (este, durante sua enorme fama por incorporar o Super-homem nos cinemas), e tinha-se um crime perfeito, onde o espectador não tinha como escapar.

E não escapa mesmo. A trama básica é a de que o dramaturgo Sidney Bruhl (Michael Caine), que já teve grandes sucessos mas que anda numa fase de amargar, planeja com sua mulher (Dyan Cannon) convidar um jovem escritor (Christopher Reeve) que quer a ajuda de Bruhl com sua primeira peça, que Bruhl considera genial. O objetivo é justamente o casal matar este jovem e se apropriar da peça, como se fosse do próprio Sidney Bruhl. Mas este é só o pontapé inicial. O filme é como que um irmão de Trama diabólica, onde o próprio Michael Caine atuava, naquele caso com Laurence Olivier (caso único onde o elenco inteiro foi indicado ao Oscar de melhor ator, pelo simples fato de que só os dois atuaram no filme). Tudo bem, em Armadilha mortal não se tem Laurence Olivier, perde-se um pouco de classe com isto, inevitavelmente, mas Christopher Reeve dá conta do recado. Não é para qualquer um contracenar com Michael Caine, mas Reeve prova que não era nenhum Clark Kent perto dele. No auge da carreira, curtindo o enorme sucesso da série do Super-homem, e apenas dois anos depois de atuar no clássico romance Em algum lugar do passado (onde fez uma bela parceria com Jane Seymour), Reeve encarou e venceu mais este desafio e acrescentou uma certa dose de vitalidade e perigo à trama, que fazem muito bem ao filme Armadilha mortal. A parceria entre estes dois atores é o prato principal do cardápio, e é de se lamentar apenas que os outros atores coadjuvantes não estivessem à altura. Dyan Cannon, apesar de seus hilários gritos, já esteve melhor, e os outros personagens, Henry Jones à parte, mais atrapalham do que contribuem com a trama. Mas não prejudicam muito. Os holofotes estão mesmo em Michael Caine, Christopher Reeve e no envolvente roteiro, que puxa o tapete, como poucos, dos espectadores. Muitos filmes prometem, a cada semana de lançamento, surpreender os espectadores, mas quase nunca conseguem, com o público prevendo tranquilamente o que vai acontecer em seguida. Armadilha mortal consegue, e quem o vê não se esquece dele.

Sidney Lumet e Jay Presson Allen correram alguns riscos com este filme. Claro, mantiveram quase tudo em apenas em uma locação, e boa parte do enredo. Mas poderiam ter jogado com o time todo na defesa e garantido a vitória, sem mudar nada, só fazendo uma transposição automática para a tela grande. Mas, confiantes da força da peça original, acrescentaram alguns novos temperos à ela, como um leve tom homossexual (que chocou na época, mas hoje parece até ingênuo) e uma alteração no final (um pouco superior ao da peça, apesar de não agradar a todos). Mas o grosso, claro, já estava lá, na peça de Ira Levin, um claro co-autor deste filme, cujo trabalho Sidney Lumet teve a inteligência de não querer subverter por demais para querer aparecer. Já tinha provado antes, e continuaria provando depois, que era um grande diretor, e manteve seu ego controlado, confiando no grande texto e no bom trabalho dos dois atores principais. Aliás, neste filme ele finalmente pôde dirigir Michael Caine, que já deveria ter trabalhado com ele em A colina dos homens perdidos, de  1965, mas que foi obrigado a largar o filme em cima da hora, para estrelar Como conquistar as mulheres (o que foi uma ótima decisão, pois alavancou a sua carreira). Caine, porém, se sentiu em dívida com o diretor, apesar da compreensão de Lumet, e só conseguiu mesmo trabalhar com ele neste filme aqui. 

Armadilha mortal é um pouco um retrato de uma época, em que filmes de mistério, com leves tons de comédia, faziam sucesso. Onde escritores como Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Maurice Leblanc, entre outros, ainda vendiam bastante e tinham um grande público cativo, mesmo anos ou décadas depois de suas mortes. Seja lá porque motivo for, eles parecem ter saído um pouco de moda, mesmo tendo a princípio um alcance tão atemporal. Tais obras, na Literatura e no Cinema, podem ter seus defeitos e vícios, por vezes seguem certas fórmulas mesmo, mas sempre conseguem prender a atenção do leitor ou espectador com muita competência, talvez como nenhum outro gênero ou sub-gênero consiga. Quem começar a ver Armadilha mortal, por exemplo, não o vai largar de jeito nenhum. Vai se sentir com se estivesse naquela afastada casa, tentando entender o que está realmente acontecendo, e rindo de si mesmo quando perceber que estava trilhando a estrada errada. 

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