quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Na terra de amor e ódio (In the land of blood and honey – 2011)




A vida pode ser muito irônica. Foi durante as filmagens de um blockbuster baseado em um videogame, Lara Croft: Tomb Raider, que Angelina Jolie sofreu uma experiência que mudou a sua vida, ao ver a dureza da vida de milhares de pessoas no Cambodja, onde o filme tinha parte de suas locações. A partir daí foi cada vez mais se engajando em causas humanitárias, principalmente de refugiados, a ponto de se tornar Embaixadora da ONU, e doar aproximadamente um terço do que recebe para semelhantes causas. Na terra de amor e ódio é um filho direto desta Angelina Jolie politizada e consciente, muito mais do que a da atriz sexy de tantos sucessos no Cinema. Em seu primeiro longa de ficção (antes dirigira, em 2007, o documentário A place in time), que ela ainda produziu e escreveu o roteiro, Jolie demonstra não querer deixar, de jeito nenhum, que se caia no esquecimento toda a triste guerra, com tintas de limpeza étnica, que ocorreu com o esfarelamento da antiga Iugoslávia no começo dos anos 90.

A diretora se debruça sobre o ataque dos sérvios sobre a Bósnia, principalmente no tocante à perseguição dos muçulmanos desta região. Seu filme, duro e desconcertante, demonstra o quão próximo foi todo aquele evento do holocausto de poucas décadas antes, na Alemanha nazista. Em seu filme se observam eventos muito semelhantes, como a expulsão das pessoas de suas casas, a separação de maridos, esposas e filhos, chacinas generalizadas, e o aprisionamento e estupro sistemático de milhares de mulheres. É como se, em seu filme, Jolie advertisse a todos que a barbárie do passado pode perfeitamente voltar à tona, e com isso transformar o que hoje são comportados vizinhos em futuros inimigos mortais.

Se o filme funciona muito bem quanto à conscientização popular (o que por si só já justifica sua existência), com algumas belas cenas de grande escopo, ele tropeça justamente no que em tese seria mais fácil de retratar, no caso o drama íntimo dos personagens principais. Estes são Ajla (Zana Marjanovic) e Danijel (Goran Kostic), que se conhecem num bar e começam a dançar antes da guerra começar, e vêem o breve romance ser interrompido pelo deflagrar dos combates. Quando se reencontram, tudo está diferente, a relação de poder entre ambos passa a ser muito desequilibrada, pois ele é um militar sérvio e chefe de um campo de prisioneiros, e ela justamente uma de suas prisioneiras. E o pai dele, interpretado por Rade Serbedzija (o único rosto mais conhecido do elenco, uma daqueles coadjuvantes de diversos filmes, mais conhecido por Antes da chuva, de Milcho Manchevski), um militar de alta patente, não quer nem saber de qualquer confraternização de seu filho com um representante de um povo considerado por ele como “inferior”. A bizarra relação entre o casal não convence muito, e ambos os personagens poderiam ter sido um pouco mais elaborados. É uma relação muito doentia, e Jolie parece um pouco perdida entre a erotização dela e todo o sofrimento envolvido entre os dois. O desfecho do filme também pode soar pouco satisfatório. Fica claro que toda a atenção de Jolie estava muito mais focada em expor uma guerra que ela achava que não tinha recebido a devida atenção do resto do mundo (e com razão), do que em desenvolver um roteiro mais eficiente para o romance central da trama.

Não surpreende, assim, que o filme tenha recebido muitas críticas e elogios, quase que de forma equânime. Os espectadores mais focados no evento em si, na triste guerra em que a ONU teve que intervir (o filme inclusive aborda um pouco isso), tendem a apreciar Na terra de amor e ódio, por ele de fato pôr não só o dedo, mas a mão toda na ferida, e expor as agruras de uma guerra sem filtros. Coragem é o que não falta ao filme, e muito por isso Angelina Jolie é uma espécie de persona non grata na Sérvia atualmente. Aos mais interessados em um filme mais “normal”, de assistir ao desenrolar de um enredo mais envolvente, com personagens multifacetados, porém, a tendência é de uma relativa decepção.  Entre estes dois fronts de batalha, Na terra de amor e ódio sobrevive, com alguns ferimentos, decerto, mas com saúde suficiente para mostrar que a diretora tem futuro em duas de suas atuais profissões, tanto como diretora, quanto como Embaixadora da ONU (que, como ela mesma reconhece, é o que mais a motiva atualmente). Angelina Jolie poderia ficar o dia inteiro em uma piscina numa mansão de Beverly Hills, se quisesse. Mas prefere tentar ajudar o mundo à sua maneira, adotando algumas crianças, doando parte considerável de seus polpudos ganhos, auxiliando refugiados e, ao que parece, também passando a dirigir filmes para divulgar suas causas e temores. E ainda tem muita gente que acha que ela é uma “bad girl”... A vida pode ser muito irônica.

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