Cinzas ao vento, o título em
português para Bright leaf (uma folha especial de tabaco), é um título de fato
muito adequado, não só para o enredo, como também para o que ocorreu com o
filme e com a própria indústria de tabaco. Não que ela ainda não renda seus
bilhões mundo afora, e mantenha uma clientela expressiva, mas de fato pela
metade do século passado era um indústria que mantinha um belo de um status em
torno de si. Com propagandas veiculando em todas as mídias, e com um peso forte
no Cinema (era difícil se ver um filme em que a fumaça de um cigarro não
constasse), era considerado chique fumar. Cinzas ao vento trata exatamente do
começo de uma verdadeira indústria de tabaco, no fim do Século XIX, ao mostrar o
personagem fictício Brant Royle (Gary Cooper) pôr em prática a fabricação em
série, automatizada, de cigarros para o uso popular. Antes ou se fumavam
charutos, ou então era necessário se enrolar o cigarro pessoalmente (cena
corriqueira de vários westerns, inclusive). Fumar charuto era curtir o
verdadeiro tabaco, como defende no filme o aristocrático James Singleton
(Donald Crisp), que se recusa a se meter no que considera algo menor e pouco
honroso. Não deixa de ser curioso, aliás, que essa visão se mantenha até os
dias de hoje, claro que já um pouco diluída, mas ainda presente. Fumar charutos
continua sendo visto como algo mais chique e refinado do que fumar um cigarro
vendido em qualquer birosca de meio de estrada.
Cinzas ao vento apresenta mais um
capítulo da eterna batalha entre um novo-rico ousado e agressivo, contra um
milionário aristocrático e por demais focado em um antigo conceito de honra.
Mas o filme tem outras camadas, como mostrar o quanto ser obcecado por um ideal
(ou por outra pessoa) pode ser prejudicial, e isso, curiosamente, se verifica
não só no Royle de Gary Cooper, como em todos os personagens principais, vítimas
de suas paixões e obsessões. Apresentando no elenco ainda Patricia Neal, como a
filha de Singleton, e mais Lauren Bacall, como uma dona de bordel que auxilia
(e ama) o Royle de Gary Cooper, e nota-se que se trata de um filme de certo
porte, para dizer o mínimo. Donald Crisp, pioneiraço do Cinema (era amigo de
Griffith quando ambos trabalhavam no teatro, e foi junto com ele para a
então bucólica Hollywood) está ótimo
como o aristocrata cabeça-dura Singleton, assim como esteve em vários papéis
proletários no passado (o de mais destaque foi Como era verde o meu vale, onde era o patriarca
de uma família de pobres carvoeiros na Irlanda), o que demonstra que tinha uma
amplitude muito grande, e convencia em qualquer papel. O próprio elenco
coadjuvante do filme também ajuda, com Jeff Corey sendo o inspirador da ideia
de se industrializar a venda de cigarros, e Jack Carson, quem diria, sóbrio e
contido como uma espécie de braço direito de Royle. Todos estão muito bem, com
apenas Patricia Neal destoando em um ou outro momento um pouco exagerado
(apesar de que sua personagem exigia isto). Jack Carson, Lauren Bacall e Gary
Cooper, porém, estão em alguns dos melhores momentos de suas carreiras. Gary
Cooper, principalmente a partir da metade do filme, se mostra agressivo,
turrão, estúpido e antipático, algo totalmente fora da persona cinematográfica
dele, mas o faz com muita competência (e cala um pouco a boca dos que o
criticam de “sempre atuar como si mesmo”), o que surpreende e traz ainda mais
força ao filme. O romance polêmico que ele teve com Patricia Neal, vigente
durante as filmagens e que surgira no filme anterior deles, Vontade indômita (The
fountainhead), é quase palpável no filme (apesar da relação de seus personagens
ser bem doentia), e talvez tenha ajudado Gary Cooper a sair de sua zona de
conforto. E no leme deste transatlântico estava um diretor da chapa de Michael
Curtiz, o que significava sempre uma garantia de uma narrativa bem contada e
envolvente, além de um pulso firme para controlar tantos atores de renome.
O filme tinha tudo para fazer
sucesso, mas não fez. O público o esnobou, os críticos não fizeram muito melhor,
todos os prêmios o ignoraram, e o tempo fez com que ficasse mais soterrado
ainda. Difícil por vezes explicar fracassos e sucessos, mas é possível que
Cinzas ao vento fosse um pouco à frente de seu tempo. Ele não parece um filme
de 1950, e sim um da década de 60. Os personagens tem questionamentos, dúvidas,
arrependimentos, e o tom é sombrio e nada esperançoso, coisas com que o
espectador da época não estava muito acostumado. Ainda por cima, o começo dele
parece ser de um western típico (Gary Cooper chegando à cavalo em uma pequena
cidade, no fim do Século XIX, e atraindo a atenção de todos, que se lembravam
dele no passado), mas depois se desdobra como um drama com tons épicos. Pode
ter desnorteado o público de então. Porém, aos olhos do Século XXI, Cinzas ao
vento em tese teria status para ser considerado, se não um classicão daqueles
de capa de livro sobre Cinema (seria realmente forçado), ao menos um mini-clássico
que faria o cinéfilo sorrir por ter descoberto um belo filme dentre as cinzas
do passado. Seguindo a analogia do filme, pode-se dizer que, dentre muitos
cigarros, ele é um charuto. Porém, lidar sobre o tabaco de forma tão direta,
como seu enredo faz, com alguns personagens demonstrando prazer em fumá-lo, o
torna quase indefensável nos dias atuais, tão eivados de um espírito
politicamente correto, que banem o tabaco de qualquer holofote (com boa dose de
razão, diga-se de passagem). Cinzas ao vento deu azar. Por suas
características, não encontrou público em sua época. Por seu enredo básico, é
visto como indesejável no mundo atual. Suas cinzas se espalharam ao vento
mesmo. Quem as recolher, entretanto, pode formar um belo cigarro, politicamente
incorreto, porém muito significativo.
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