Não é fácil começar sua carreira
fracassando. Se hoje Fome de viver é visto como um Cult movie, na época de seu
lançamento foi considerado um fracasso retumbante, desagradando crítica e
público. Com uma extensa carreira na publicidade, trabalhando ao lado de seu
famoso irmão, Tony Scott estreou em longas com este estranho e refinado filme,
que em nada lembraria o que faria no resto da carreira. Marcado por sucessos em
filmes de ação, e por ser um dos expoentes dentre os diretores de blockbusters,
a começar pelo grande sucesso Top Gun – Ases indomáveis, seu filme seguinte
(que tornou Tom Cruise um astro), Tony Scott parece ter dado um giro de 180° em
sua carreira, após o traumatizante fracasso de sua estreia (nem quis mais ler
críticas em jornais, de tanto que o avacalharam). Conforme ele mesmo brincou, a
decepção da Warner Brothers com o filme tinha sido tamanha que ele até perdeu
sua vaguinha no estacionamento do estúdio.
Sem ser uma obra-prima
irretocável, mesmo assim fica-se com a sensação de que talvez Fome de viver
fosse um filme à frente de seu tempo. Se não tem nem de perto a força da
refilmagem de Nosferatu (1979) de Werner Herzog, feito poucos anos antes, mesmo
assim é um filme interessante, principalmente visualmente, com um estilo e uma
lentidão atmosférica que não mais seria vista no Cinema depois tão acelerado de
Tony Scott. O fato de ter sido pintor no começo da carreira pode tê-lo
auxiliado a dar uma distinção tão clara em Fome de viver, com vários belíssimos
planos em um filme feito com muito capricho. A equipe técnica o auxilia muito
neste propósito, como a fotografia de Stephen Goldblatt (de Cotton Club e O príncipe
das marés), a maquiagem comandada por Anthony Clavet (fundamental para a
credibilidade da trama), os figurinos de Milena Canonero (Laranja mecânica,
Barry Lyndon, Carruagens de fogo) e, claro, a trilha sonora, desde o uso de
Bela Lugosi’s dead, de Bauhaus na abertura (um título adequado, remetendo ao
Drácula famoso de Bela Lugosi) até a música clássica no transcorrer do filme,
mais notadamente Lakmé, de Léo Delibes, na famosíssima cena erótica entre
Catherine Deneuve e Susan Sarandon. Cena, aliás, bem menos chocante aos olhos
de hoje, mas que continua marcante, de qualquer forma, e foi das poucas coisas
que escaparam da saraivada de críticas que o filme recebeu quando de seu
lançamento.
A trama vampiresca evita boa
parte dos exageros do gênero, sem se esquecer do providencial tom de erotismo.
Falta, porém, mais substância ao enredo. Os diálogos são minimalistas, e o
filme demora a embalar justamente por não dar muito chão ao espectador, que
demora a entender onde está pisando, qual é o mote central do filme. Os atores,
até tendo em vista o tom do filme, estão lacônicos, mantendo a atmosfera cool
que embala a obra, mas criando dificuldades para o espectador se identificar
com qualquer um deles. Fome de viver é um filme que parece desejar que seja
visto com certa distância, sem tanto envolvimento, exatamente o oposto do que
Tony Scott faria no resto de seus filmes, que tentavam a todo custo agarrar o
público pela goela e botá-lo no centro da ação. Em Fome de viver os personagens
de fato passam por perigos e até um certo drama existencialista, mas tudo é
visto como se o público estivesse em um camarote, bebendo um drink e escutando sossegadamente
a bela e climática trilha do filme. A escolha da dupla principal de atores,
então, reforça ainda mais tudo isso. É de se lamentar que Alfred Hitchcock
nunca tenha trabalhado com Catherine Deneuve. Em tese, ela seria mais uma das
louras que ele tanto gostava, gélida de aparência, mas com uma sexualidade
latente para quem conseguisse chegar perto dela. Deneuve prossegue com essa sua
persona cinematográfica no filme de Tony Scott, com uma presença calma e
dominante sobre os demais. David Bowie é o enigma de sempre, com aquela sua
aparência quase indefinível, entre o andrógino e o alienígena, que deixa o
espectador ainda mais sem ter noção do que virá pela frente. Apenas Susan
Sarandon parece um pouco mais “humana” e caliente, coisa não muito difícil
perto desses dois, ainda mais quando eles interpretam vampiros modernos. Mesmo
assim, está longe de ser uma das atuações mais marcantes de Susan Sarandon. O
filme tem também duas pontinhas mínimas e bem curiosas, de Williem Dafoe no
começo da carreira, e de Bessie Love em sua última atuação, 54 anos depois de
Melodia da Broadway, seu filme mais conhecido.
Susan Sarandon, muitos anos
depois, comentando sobre o filme, disse que o que mais a fascinava era o
questionamento de se valeria a pena viver para sempre, mas como se fosse um
viciado, sem ser uma vida real e plena. A inesgotável vida alienante de um
vampiro já rendeu diversos filmes e renderá muitos outros mais (como Entrevista
com o vampiro e a saga Crepúsculo), mas dificilmente se encontrará um de tanto
apuro visual como Fome de viver. De trama mais elaborada, não será difícil de
se encontrar, e nem um com melhores atuações. Mas a atmosfera de Fome de viver,
se não é para todos os públicos (até porque o ritmo é bastante lento, quase
hipnótico mesmo), ao menos o torna único no gênero. É de se pensar o que teria
acontecido se o filme fosse melhor aceito na época. Será que a carreira de Tony
Scott teria um viés diferente, mais artístico, ou realmente os filmes de ação
estavam no seu sangue? Impossível saber, claro. O que se sabe é que o irmão
mais novo (e menos famoso) de Ridley Scott prosseguiu sua carreira com sucesso e
deixou sua marca em diversos blockbusters, e misteriosamente cometeu suicídio
em Agosto de 2012, pulando de uma ponte em Los Angeles. Nunca saberemos quem
foi o vampiro de Tony Scott, se os críticos, os produtores, o Cinema ou ele
mesmo.
2 comentários:
Eu n sei como pôde se tornar um fracasso na época este filme...eu me lembro bem ateh hj...e nunca mais um filme d vampiros q me parecesse inesquecível...David e Catherine foram a combinação perfeita neste caso :))
Verdade sempre soube que o filme não causou furor nem nas bilheirias , e nem em locadoras , porem para quem assistiu , na epoca no Cinema não percebia a lentidão do Filme , sua abertura é marcante e rouba quase o Filme inteiro nos 4,31 minutos, Catherine , e David estão perfeitos e muito bem dirigido , um Filme meio bucólico talvez , mais marcante para epoca , a critica não dei atenção , tinha adorado ver Filme no Cine Metro em São Paulo foi um relMPAGO NOS CINEMAS.]
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