Doze anos antes de O segredo de
Brokeback Mountain, Ang Lee já tinha feito um filme sobre um casal gay nos
papéis principais. Se O banquete de casamento não conseguiu o mesmo sucesso
popular que o filme de 2005 (que lhe deu o Oscar de melhor diretor, o único de
um asiático), mesmo assim fez barulho suficiente para ganhar o Urso de ouro em
Berlim e ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro (perdeu para o espanhol
Sedução, bem inferior a ele), além de projetar de vez a carreira de Ang Lee. A
trama gira em torno de Wai-Tung (Winston Chao), que vive nos EUA e tem um longo
caso com Simon (Mitchell Lichtenstein), e que fica o tempo todo sendo
pressionado por sua família para arrumar uma esposa. Desnecessário dizer que,
claro, seus pais nem desconfiam de que ele seja homossexual. Wai-Tung faz de
tudo para se livrar do assédio deles, que é maximizado pelo fato de ser filho
único. Mas um leve derrame de seu pai (Sihung Lung, que trabalhou nos três
primeiros filmes de Ang Lee, e em mais O tigre e o dragão) o coloca contra a
parede, ainda mais depois dele dizer que seu único desejo era ver o filho se
casar antes de morrer. Logo Simon inventa o que poderia ser a solução ideal: Seu
companheiro Wai-Tung se casar com Wei-Wei (May Chin), uma chinesa que alugava
um imóvel dele, para agradar os pais de Wai-Tung e para ajudar Wei-Wei a
conseguir seu Green Card. Em tese um plano perfeito, mas que se complica com a
visita dos pais de Wai-Tung aos EUA. A estadia deles vai se esticando... e eles
não aceitam de jeito nenhum um reles casamento de cartório para o querido filho.
Querem o banquete de casamento do título para ele e a futura nora, com tudo o
que tem direito.
O filme é uma ótima comédia de
costumes, que funciona à perfeição juntamente com um certo drama dos
personagens, sem Ang Lee em momento algum buscar uma risada fácil ou o
melodrama. O filme fica no meio do caminho entre um A gaiola das loucas, de Edouard
Molinaro, e o próprio O segredo de Brokeback Mountain, um filme muito mais
dramático e trágico. O banquete de casamento mistura drama e comédia com muita
competência, e consegue sucesso nos dois intentos, algo raro de se ver. Aqui
Ang Lee volta a trabalhar com o choque entre a cultura americana e a chinesa,
uma eminentemente individualista e a outra de muita subserviência, como já
tinha feito em A arte de viver, seu primeiro filme. E, claro, a alienação e a
repressão da sociedade voltam a impor suas marcas, algo tão latente em sua obra
e observável em vários de seus filmes, inclusive os americanos e ingleses, como
Razão e sensibilidade e Tempestade de gelo. Talvez fosse inevitável, sendo ele
filho de chineses (perseguidos pela Revolução Cultural, por serem donos de
terras), nascido em Taiwan, e que depois estudou nos EUA (se formando na
Universidade de Nova York, e inclusive sendo Assistente de direção de Spike Lee
em seu filme de formatura). Ang Lee sempre afirmou se sentir um andarilho, e
que este sentimento de alienação e certa insegurança lhe é inescapável. E talvez isto o ajude a se adaptar a tudo, sem realmente pertencer a nada, e esta curiosa situação o
auxiliasse a ter uma visão mais clara das situações apresentadas.
Em O banquete de casamento, o
diretor teve bastante peito ao fazer um filme com um casal gay (e ainda por
cima feliz), entre um chinês e um americano, e mesmo assim conseguiu sucesso de
público até em Taiwan, algo que ninguém poderia prever (o filme foi o mais
lucrativo do ano de 1993, custando um milhão de dólares e rendendo mais de 23
milhões mundo afora). Difícil, claro, foi conseguir um ator chinês, que falasse
bem inglês e mandarim (o filme usa as duas línguas), e que topasse atuar como
gay. Acabou usando Winston Chao, que era assistente de bordo no setor de
aviação, além de modelo, mas que não tinha experiência no Cinema. Ang Lee teve
que treiná-lo por dias a fio, para interpretar o papel. Sem brilhar nem nada,
ele ao menos consegue conduzir bem o filme, já que seu papel é tão central. O
mesmo ocorre com Mitchell Lichtenstein, que tem a dificuldade de se sentir
deslocado por ser o único americano no meio dos chineses, e que tem uma atuação
sem brilhos ou deslizes (filho de Roy Lichtenstein, famoso pintor pop, sempre
foi homossexual assumido e ao menos facilitou a vida de Ang Lee neste sentido). As
grandes atuações ficam por conta de May Chin, como a pobre Wei-Wei que, ao mesmo
tempo que se beneficia pelo casamento de conveniência, sofre um pouco por
gostar realmente de Wai-Tung, além dos atores que interpretam os pais de
Wai-Tung. Ya-Lei Kuei, como a mãe dele, e Sihung Lung apresentam belas
atuações, intercalando intromissão por uma visita quase infindável, vergonha
por ver o filme pretendendo fazer um casamento tão simples, e uma estoica
determinação chinesa, de quem quer devagarzinho ir impondo suas vontades. São o
ponto emocional do filme, e é difícil não se identificar com eles, apesar de o
filme todo não ter heróis e nem vilões, só vítimas de costumes, temores e
circunstâncias.
O filme ainda tem o mérito de
mostrar, na cerimônia do título, o quanto aquilo é um tormento para o casal em
si. Todos parecem se divertir, menos o noivo e a noiva, que passam por provas e
mais provas por parte dos convidados, inclusive no quarto de núpcias. O clima
do casamento, bem mais brincalhão do que muitos poderiam prever, segundo o
comentário de uma das convidadas é o resultado de milhares de anos de repressão
sexual chinesa. Ang Lee era, de fato, o diretor ideal para mostrar tudo isso em
1993, por tudo o que passara em sua atribulada vida de andarilho, e o sucesso
mundial do filme turbinou sua carreira, onde com o tempo ganhou não só o Oscar
de diretor, como o Bafta (diretor e filme), além do Urso de Ouro em Berlim,
Globo de Ouro de melhor diretor e Leão de ouro em Veneza (fora o Oscar, em
todos os casos citados ganhou duas vezes cada um!). E isso tendo dirigido só
doze longas até 2012. Só não ganhou a Palma de Ouro em Cannes (ainda), dentre
os prêmios de maior expressão do Cinema. Não é mole, não. Uma carreira sólida
como poucas, de um chinês obstinado, muito corajoso e versátil, que apresentou
casais gays em dois filmes muito populares, filmou como estrangeiro uma
adaptação de Jane Austen na Inglaterra em Razão e sensibilidade (talvez seja
necessário mais coragem para isso do que para fazer filmes de temática gay,
convenhamos), sintetizou como poucos os EUA dos anos 70 (Tempestade de gelo),
além de ilustrar fenômenos díspares como os do Festival de Woodstock (Aconteceu
em Woodstock) e o da Guerra Civil americana (Cavalgada com o diabo), inovou nas
filmagens de artes marciais (O tigre e o dragão), e ainda assumiu o leme de uma
adaptação de um herói de quadrinhos (Hulk), entre outras obras também
expressivas. Talvez Ang Lee tenha sido o primeiro sinal, no Cinema, de que a
China, passado o desastre da Revolução Cultural, viria para ficar, por ter capacidade
de se adaptar ao novo mundo sem desprezar de todo as suas tradições. Ou, mais
ainda, é possível que ele possa simbolizar o futuro, como um diretor que não se
enxerga como pertencente a um país unicamente. Um diretor multinacional, que por
isso mesmo entende os choques culturais (dessa época e do passado) como poucos,
e sabe ilustrar os danos individuais disso no seu Cinema como ninguém.
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