“Isso só acontece no Cinema”.
Esta é uma frase comum de quem se refere a algo tão fantástico, que só o Cinema
poderia tornar possível. E, de certa forma, esta frase é verdadeira também para
tudo o que cerca a história por trás da produção dos dois Argos, o falso, de
1980, e o verdadeiro, de 2012. Porque só mesmo uma possível equipe
ultra-alienada de uma produtora de Cinema poderia pretender filmar um filme de
ficção-científica no Irã durante a época explosiva da chegada de Aiatolá
Khomeini ao poder e da invasão da Embaixada americana no país. Esta foi a ideia
real e estapafúrdia de Tony Mendez (Ben Affleck), especialista da CIA, para
tentar tirar seis integrantes da Embaixada que conseguiram fugir da ocupação
dela, mas que tiveram que se exilar na Embaixada do Canadá ainda dentro do Irã,
escondidos da ira do novo governo. Se Hollywood tinha a fama de projetos
malucos orquestrados por lunáticos, porque não se aproveitar disso?
Para o projeto do falso Argo ter
um mínimo de credibilidade, era necessário se criar um mínimo de estrutura e de
propaganda do tal falso filme, e é nesse esforço que o filme tem seus momentos
de comédia, capitaneados pelos coadjuvantes John Goodman (interpretando oo
maquiador oscarizado de O planeta dos macacos, John Chambers) e Alan Arkin (como
o produtor Lester Siegel, que tem a melhor atuação do filme). Esses momentos,
concentrados na primeira metade, diluem um pouco a tensão do forte começo, que
retrata com competência e veracidade a tomada da Embaixada pelo povo, e a fuga
dos seis integrantes dela, que tanta dor-de-cabeça criaram para a CIA. Este
começo de Argo, aliás, além de tenso é bastante didático, explicando a situação
do Irã e dos EUA na época, e o que cercou a derrubada de Reza Pahlevi (apoiado
pelos americanos) e a tomada do poder por Khomeini, com a consequente
interrupção no processo de ocidentalização do país que Pahlevi vinha
promovendo. Com isso, Ben Affleck, também diretor do filme, não aliena uma
parte do público que poderia não estar tão familiarizado com toda aquela
questão política dos anos 1979-1980.
Aliás, já em seu terceiro filme
como diretor (após Medo da verdade e Atração perigosa), é nítido que Affleck já
domina todas os instrumentos de se fazer um bom e eficiente filme popular, e
Argo é a quintessência disso. Seu filme é acessível, ágil, envolvente,
engraçado, e Affleck sabe trabalhar muito bem o suspense dentro dele, prendendo
o público na cadeira com o uso de alguns clichês bem orquestrados, que sempre
funcionam. É possível afirmar, inclusive, que Affleck até exagera um pouco
neste ímpeto de popularizar o filme e a história real em que ele se baseia,
pois cometeu alguns deslizes (propositais, como ele mesmo reconheceu) na
tentativa de dramatizar ainda mais o que já era dramático, e com isso diminuiu
um pouco a importância da ajuda canadense e britânica à tentativa de resolução
do incidente. De qualquer forma, mesmo com este excesso de dramatização da
história, Argo é um belo filme que tem também o mérito de evitar fazer grandes
críticas ao Irã (da época e o atual), e de reconhecer a presença
desestabilizadora dos EUA no país, por tanto tempo, evitando um tom por demais maniqueísta na obra.
Ben Affleck trabalhou muito bem
com sua equipe toda a reconstituição de época, sempre de olho em dois filmes da
época quanto a isso, no caso Todos os homens do Presidente (do qual este filme
guarda algumas semelhanças quanto ao clima de tensão política) e The killing of
a chinese bookie, de John Cassavetes. A fotografia granulada do mexicano Rodrigo
Prieto (O segredo de Brokeback mountain, Abraços partidos), os figurinos e a
direção de arte como um todo são muito bem-feitos e auxiliam na imersão
temporal de Argo, e a música de Alexandre Desplat, a edição do filme, o roteiro de Chris Terrio e a
própria atuação contida de Ben Affleck também sustentam muito bem o projeto.
Mas o diretor não merece aplausos somente em relação a isso. Affleck mostra com
Argo que está sabendo se reinventar, voltar a ser aquele jovem promissor de
filmes de Kevin Smith (seu grande amigo, que o ajudou a se projetar) e de Gênio
indomável (onde ganhou um Oscar de roteiro original, junto com Matt Damon, seu
amigo de infância). Sua ambição de se tornar diretor está gerando dividendos
financeiros e, principalmente, de status para ele, que deixa cada vez mais no
passado toda aquela hiper-exposição na mídia da época em que namorava com
Jennifer Lopez (e, também, claro, seu trabalho em alguns filmes deploráveis,
onde ganhou duas Framboesas de ouro como o pior ator do ano). Em Argo, ele
inclusive segura a mão em explosões e coisas do gênero, fazendo um filme de
suspense à moda antiga, sem abusar de efeitos especiais ou de estripulias
técnicas. Confia no seu taco de que pode perfeitamente atrair a atenção de seu
público, e mantê-la, apenas com uma boa história e um competente
desenvolvimento dela. Pode não encaçapar todas as bolas assim, já que com
certeza desagradou parte do público canadense e britânico com as distorções da
história (algo comum no Cinema, mas de fato desnecessárias em Argo), mas faz o
suficiente para ganhar o jogo e receber os aplausos do público. E, o que é
surpreendente, os aplausos da crítica também. Ou talvez não seja tão
surpreendente assim. Hollywood é capaz de tudo, como todos os aspectos que
cercam Argo (o que nunca existiu e este aqui) provam muito bem. Isso só
acontece no Cinema.
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