A diretora Maïwenn acompanhou por
um tempo as atividades de uma unidade da Polícia francesa de proteção ao menor,
em Paris, de forma semelhante ao que sua própria personagem, Melissa, faz na
trama (inclusive recebendo alguns maus-tratos pela intromissão, como ocorre no
decorrer do filme). Escreveu consequentemente o roteiro de Polissia (o título é
escrito errado de propósito, como se fosse uma criança escrevendo “Polícia”),
juntamente com Emmanuelle Bercot (que também atua no filme), incluindo várias
histórias de bastidores do estressante trabalho de pessoas que precisam lidar
cotidianamente com pedofilia, estupros, assédios, e explorações ao menor. O
resultado disto é um filme forte, impactante, que lida com diversos temas
delicados de perto, e que ainda por cima vira as lentes também para a própria
vida destes especializados policiais.
O filme tem um nascimento
documental, por assim dizer, mas seu desenvolvimento é todo de um filme
ficcional. Através da diretora acompanhamos, de forma quase equânime, cada um
dos membros daquela unidade de Polícia, sem muita profundidade, deve-se
ressaltar, mas o tempo suficiente para ver que os problemas não estão apenas no
lado dos suspeitos e vítimas. Claro, alguns suspeitos são muito escabrosos, com
uma linha de pensamento por demais bizarra para se acreditar, e que podem
revirar o estômago de muitos espectadores com suas afirmações e credo de vida.
Porém o julgamento não se detém apenas nestes possíveis criminosos, na medida
em que os próprios policiais às vezes se excedem, agridem, mentem,
ridicularizam suspeitos (e, numa cena bizarra, até uma das vítimas) e se
aproveitam do fato de serem policiais, por vezes abusando da autoridade. E, se
não são pedófilos nem nada tão grave assim, também demonstram problemas sérios
de relacionamento familiar e afetivo. É como se a diretora Maïwenn quisesse
deixar claro que, debaixo de holofotes, sob forte escrutínio, ninguém é normal
ou totalmente sadio. Estes policiais podem, eventualmente, só ter a sorte de
estarem do lado “certo” da investigação, seja ela qual for. Apesar de que, como
é claro no filme, usar a palavra “sorte” para quem trabalha com crimes ao menor
é de fato um abuso, pois o preço do estresse de ver crimes tão hediondos contra
pessoas indefesas costuma cobrar um preço alto em quem presencia aquilo tudo
tão de perto. Uma coisa é ler uma notícia de pé de página de uma menina de sete
anos estuprada por seu pai. Outra bem diferente é atender diretamente esta
menina, e se segurar em seu profissionalismo para não esganar o pai que
provocou aquele absurdo.
Polissia tem um ritmo ágil e
envolvente, que prende o espectador do começo ao fim. Seu pecado maior talvez
fosse quase impossível de não cometer, já que ele precisaria de mais tempo para
desenvolver melhor todos aqueles personagens (policiais, vítimas e suspeitos),
e um longa-metragem a ser exibido nos Cinemas não pode ter muitas horas de
duração. Talvez o tamanho mais adequado para ele fosse o de um seriado de TV,
onde os casos e personagens poderiam ser ilustrados com mais detalhes. Outros
pecados, porém, eram mesmo evitáveis, como a inclusão de um romance
desnecessário no meio da trama, o pulo por vezes muito drástico de um caso para
outro, o final um pouco forçado, e o abandono quase instantâneo de algumas
sub-tramas que estão prestes a pegar fogo, mas que somem do mapa rapidamente,
de forma muito abrupta. Quanto aos atores, estes estão críveis como policiais e
acrescentam ênfase à trama, e deve ter ajudado que quase todos os atores
principais da trama tinham trabalhado com a diretora em seu último filme, Le
bal des actrices (2009), dando uma maior intimidade e entrosamento ao trabalho.
Outro fato que contribui é que são pouco conhecidos do público em geral, com a
exceção de Karin Viard, o que traz ainda mais credibilidade à Polissia.
Analisando Polissia, é difícil não
pensar em alguns detalhes da biografia da própria diretora. Maïwenn ingressou
na carreira de atriz desde muito criança, forçada por sua mãe, o que a
traumatizou por não permiti-la ter uma infância “normal”. Na adolescência brigou
com os pais, abandonou o sobrenome deles e adotou apenas seu nome principal
como o artístico. E, poucos anos depois, ela se casou com Luc Besson com apenas
16 anos de idade, tendo uma filha com ele em seguida. Evidentemente que este
histórico inusitado nem se compara em dramaticidade ao de algumas vítimas de
crimes barra-pesada de Polissia, mas fica nítida a compaixão da diretora pelas
crianças, que por vezes são reféns e vítimas indefesas de alguns adultos
(muitas vezes parentes, o que é ainda pior) que podem mudar suas vidas para
sempre. Polissia mostra como é difícil e frustrante lutar contra isso, fazer
menores falarem de sexo, de abusos que sofreram, com policiais que nunca viram
antes, e muitas vezes sabendo que com isso podem estar sentenciando um parente
ou professor seu para a cadeia. Não é um trabalho para qualquer um,
definitivamente. Pode não ser o suficiente para justificar os deslizes de
alguns policiais no filme, mas ao menos explica um pouco estarem sempre com os
nervos à flor da pele.
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