quarta-feira, 21 de novembro de 2012

56 up (2012)




56 up é o último de uma série lendária de documentários feitos para a TV inglesa (quase todos do canal ITV). Após um começo modesto, com o curta Seven up! (dirigido por Paul Almond), o então pesquisador do curta, Michael Apted, deu prosseguimento à ela, filmando de 7 em 7 anos a vida de um pouco mais de uma dezena de pessoas desconhecidas, desde os sete anos de idade de cada uma, até a presente idade de 56 anos (daí o título). Impressiona que este projeto nunca tenha sido abandonado, pois a probabilidade disso era bem grande, tanto por desinteresse dos entrevistados, como pelo próprio sucesso da carreira de Michael Apted como diretor, em filmes tão díspares como O destino mudou sua vida (onde Sissy Spacek ganhou um Oscar de melhor atriz), Mistério no parque Gorky, Nas montanhas dos gorilas (com Sigourney Weaver), Nell (com Jodie Foster) e blockbusters como 007 – O mundo não é o bastante (um dos melhores da série de James Bond) e As crônicas de Nárnia: A viagem do peregrino da alvorada. Mas Apted sempre se forçou a continuar a pouco lucrativa série de filmes, se preparando para, a cada 7 anos, fazer mais uma rodada de entrevistas com todos essas mesmas pessoas. O resultado é fascinante e inesquecível, e a série encorpa a cada novo episódio.

O objetivo inicial dela era mostrar a força da divisão das classes inglesas, e de como elas praticamente determinavam o futuro das pessoas. Apted escolheu algumas crianças pobres, e algumas ricas (com poucas mulheres e também ignorando a classe média, coisa da qual se arrependeu futuramente, mas isto não machuca a série, até porque vários integrantes dela entraram para a classe média mesmo, com o tempo). O mote original, que inspirou o primeiro filme, de base jesuíta, numa tradução bastante livre significava “Dê-me uma criança de 7 anos, que lhe apontarei o adulto que sairá dela”. O desenrolar dos documentários, evidentemente, refuta totalmente esta ideia e mostra o quão difícil é fazer previsões em cima de crianças. O menino mais charmoso e carismático do primeiro filme praticamente enlouquece perto dos 30 anos, a ponto de quase virar um mendigo (e, depois, consegue sair da pior, refutando outra previsão de que “este aí já está perdido”). Duas crianças da classe alta parecem ser irrevogavelmente esnobes, mas se tornam adultos bastante razoáveis e simpáticos. Um dos entrevistados, que Michael Apted jurava que viraria um bandido e seria preso, acaba por ter um futuro próspero. As surpresas surgem, e, principalmente, as pessoas mudam. Quem assiste à série up vê o quão efêmeras são certas filosofias de vida que, à primeira vista, parecem imutáveis e definitivas. O destino de ninguém parece realmente traçado desde o início. E, em alguns casos, nem mesmo o caráter e o comportamento básico se mantém com o tempo.  

Ao assistir essas pessoas falando de suas vidas, com as mais diferentes idades, por vezes pode ser difícil não rir delas ou evitar julgá-las severamente. Algumas crianças e adolescentes parecem “esquisitos”, dão respostas atravessadas, mal olham (se olham) para a câmera ou para o entrevistador. Mostrar momentos assim, sem filtros nem nada, é um dos maiores dentre os inúmeros méritos desta série de filmes. Não temos aqui pessoas e situações glamourizadas, ou preparadas para ver a câmera, e saber lidar com ela sem desembaraço. É gente comum, que é filmada apenas de 7 em 7 anos, e que muitas vezes reconhece que fica nervosa ao ver a data do novo filme se aproximando. Milhares de filmes de ficção com adolescentes carismáticos, interpretados por atores tarimbados, desacostumam o público a ver gente comum falando de assuntos comuns. Os adolescentes de 7 plus seven, por exemplo, se comportam como boa parte dos adolescentes de 14 anos que se vê no dia-a-dia, arredios, envergonhados, sem saber o que fazer ou o que responder na presença de um adulto que lhes faz perguntas difíceis e intrometidas. Para quem ri deles, ou os menospreza, fica sempre a pergunta no ar: Como nos comportaríamos se fossemos nós os entrevistados? O que responderíamos sobre nossas vidas aos 7, 14, 21, 28, 35, 42, 49 e 56 anos de idade? Seríamos sempre “brilhantes” e carismáticos, em cada uma dessas ocasiões? Seríamos sempre coerentes com o nosso passado, que inclusive está registrado em filme, um passado que não se pode negar? E se as filmagens surgissem, por azar, justamente num momento de crise (familiar, pessoal, financeira, o que for)? Como proceder?

Era inevitável que um ou outro entrevistado fugisse da série de filmes. Algumas desistências aconteceram aqui e ali, por medo de invasão de privacidade, até porque todos ficaram um pouco famosos na Inglaterra por causa dos filmes (e é um pouco desagradável que seus vizinhos ou colegas de trabalho, por exemplo, saibam tanto de suas vidas). Mas praticamente todos voltaram depois a participar de futuros filmes da série, inclusive em 56 up um deles volta à cena depois de ficar de fora de vários filmes, desde a juventude. Neste último filme, aliás, nota-se como todos já estão mais maduros. 56 up de fato não tem mais o fulgor dos filmes sobre a juventude deles, onde viviam épocas mais decisivas de suas vidas. O filme tem, inevitavelmente, um tom mais tranquilo e ameno. Porém, todos já se acostumaram mais com a câmera, e sabem olhar com serenidade e perspectiva para suas próprias vidas, entendem e aceitam melhor seus lugares no mundo que as rodeia. Muitos já tem filhos e netos, e suas famílias acrescentam toda uma nova complexidade ao filme. O próprio Michael Apted foi ficando mais maduro e compreensivo. Tendo passado por dois divórcios, ele mesmo reconheceu que passou a compreender e respeitar muito mais as atribulações das vidas daquelas pessoas. E abre espaço para que eles reclamem da série, do diretor e do efeito que ela teve em suas vidas. Isto já vinha acontecendo nos últimos filmes, mas em 56 up as reclamações são mais acentuadas, e ocorre até mesmo uma defesa e explicação de alguns entrevistados do porquê de terem se comportado de certa maneira em filmes passados.

56 up não exige que o espectador tenha visto os outros filmes da série. Dá para se entender a vida de cada um ali, até porque a série se utiliza, em cada filme, de cenas dos filmes anteriores, o que dá um bom suporte e evita que o público fique desnorteado. Mas é óbvio que ver todos os filmes enriquece absurdamente a experiência. Um filme energiza o outro, e todos juntos fazem uma rede quase indissociável. Se apenas o primeiro filme fosse feito, seria até um curta um pouco chatinho, com algumas crianças, em sua maioria, pouco interessantes. Os outros filmes, já mais encorpados (inclusive em tamanho, 56 up tem duas horas e meia), se seguram sozinhos, mas é o conhecimento do todo da vida daquelas pessoas que acrescenta demais o valor do que se vê, que dá todo um contexto e significado para quem assiste a série toda. Acompanhando todos os filmes, é possível até enxergar quando uma pessoa usa mecanismos de defesa para fugir de certas perguntas, ou seja, passamos a “conhecer” melhor aquelas pessoas, a ter uma certa “intimidade” com elas, do que teríamos em um documentário normal com entrevistados a esmo falando. A série up é fascinante pois é sobre a vida, não a vida glamourizada de tantos filmes, não sobre grandes momentos ou frases brilhantes, mas sobre sonhos (realizados e desfeitos), frustrações, timidez, preguiça, loucura, chateações, arrogância, humildade, etc. O espectro humano é representado em todas as suas cores, naqueles (em tese) banais ingleses respondendo a perguntas de Michael Apted. Os entrevistados, apesar de tão incomodados com todo o processo, não conseguiram largar a série. Michael Apted também não, mesmo que tenha que largar tudo para continuar filmando, a cada 7 anos que se passam. E nem o espectador tampouco. Ela vicia (e inspirou outros diversos projetos semelhantes, nos EUA, Japão, África do Sul, Suécia e Rússia). Mas, felizmente, é um ótimo vício, sem nenhum efeito colateral que não seja uma possível maior compreensão do mundo e das pessoas normais que o habitam, essas mesmas que pegam ônibus, pagam contas, têm filhos e netos, traem a esposa, trocam de emprego, se arrependem, mudam de país... Aliás, ela tem outro efeito colateral sim: Deixar que cada espectador-viciado, desde já, esfregue as mãos para poder ver o próximo filme. Se nada sair dos trilhos, em 2019 será filmado o 63 up. E nele muita gente estará interessada em ver o que teria acontecido nos últimos sete anos das vidas de Bruce, Andrew, Neil, John, Suzy, Nick, Paul, Jackie, Tony e Cia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Marcelo, existe legenda em português nos filmes da série? Onde se pode adquiri-los? Obrigado!
Henrique

Marcelo Rennó disse...

Henrique, desculpe pela demora na resposta. Quando a vi inteira, não encontrei legendas para essa magnífica série, o que foi uma pena, pois mesmo quem entende inglês tem um ou outro problema para entender certos diálogos com mais sotaque. Mas isso já tem alguns anos. Este último episódio, o "56 up", já foi exibido no canal Max, então acredito que para ele se encontre legendas. Com sorte, para os outros episódios alguém já pode ter feito legendas para eles também, não custa procurar. Abraços.