O título do longa de estréia da
diretora Juliana Reis (que dirigiu alguns curtas na França, onde fez Mestrado
em Cinema) aborda não só os disparos de uma arma, como também os de
uma câmera de um fotógrafo. A analogia entre a profissão de um fotógrafo e a de
um policial é constante, e o próprio filme é dividido em capítulos, com títulos
que remetem a todo o processo de fotografia (abertura, exposição, etc.). Nada
mais natural que o personagem principal de Disparos fosse um fotógrafo, Henrique
(Gustavo Machado), que passa por uma bizarra situação de se transformar, em
segundos, de vítima de um assalto a testemunha de um atropelamento, e tem a
dura tarefa de tentar convencer a polícia de seu não envolvimento em todo aquele
incidente. Não ajuda, claro, que seja recebido com generosas doses de escárnio
e ironia por policiais como o Inspetor Freire e o Inspetor Gomes,
brilhantemente interpretados por Caco Ciocler e Thelmo Fernandes,
respectivamente. Caco Ciocler, vencedor do prêmio de ator coadjuvante do
Festival do Rio 2012 (o filme também levou os prêmios de fotografia e edição),
é um enigma no filme, e Juliana Reis explora muito bem a tensão entre seu
personagem e o de Gustavo Machado. Nota-se o escárnio dele pela profissão de um
repórter, e o fotógrafo, também arrogante e difícil de lidar, tateia para
tentar descobrir as reais intenções do Inspetor.
Disparos é intrigante quando lida
com estes personagens, e com o périplo deles em descobrir os meandros daquele
estranho atropelamento, desembarcando também em um hospital, onde também brilha
Julio Adrão, como o Doutor Guido. É como se médicos, policiais e fotógrafos
formassem parte de um estranho clube, no caso o de acostumados a trabalhar de
forma fria e metódica em volta dos desastres noturnos de uma cidade grande. Disparos
mostra como estes profissionais formam uma espécie de escudo em volta de si, e
mesmo com tantas diferenças em suas profissões (e ataques constantes de uns
contra outros), é como se reconhecessem entre si o fato de serem sobreviventes
da noite carioca. Lamentavelmente, porém, o filme não se concentra apenas nesta
trama, se dividindo também em sub-tramas menos interessantes, também
relacionadas ao acidente, é verdade, mas que não são tão bem desenvolvidas. Se
o filme cresce em escopo ao analisar a realidade dos assaltantes e de quem de
fato os atropelou, entre outros personagens, mostrando um cenário um pouco mais
completo de uma noite do Rio de Janeiro (dissonante de qualquer viés turístico),
em compensação o filme perde um pouco o foco ao tentar equilibrar tantos pratos
ao mesmo tempo.
A diretora trabalhou bem com
Gustavo Hadba, diretor de fotografia, a elaboração de uma noite de poucas
esperanças, juntamente com a edição de Pedro Bonz e Marília Moraes e a trilha
sonora de Mariana Camargo (que trabalhou com a diretora em seu primeiro curta,
Les enfants de charbon, de 1993). E soube adoçar a amarga pílula um pouco com
alguns momentos de humor, que espocam como flashes de uma câmera. Criou, enfim,
um filme policial sem abusar da violência e de momentos apelativos, se baseando
mais nos atores e numa atmosfera reflexiva. Os únicos disparos contra o filme
são mesmo sua estrutura multi-facetada, recheada ainda de alguns pulos
temporais, um vício do Cinema atual. Mas, felizmente, não são disparos de morte,
o filme sobrevive para encarar um novo dia, com a mesma resignação de seus
personagens, todos culpados e vítimas, ao mesmo tempo, de uma dura realidade de
uma cidade do porte do Rio de Janeiro.
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