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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O voo (Flight – 2012)




Robert Zemeckis cresceu no Cinema com um franco suporte de Steven Spielberg, que produziu seus primeiros filmes e acreditou nele, mesmo com alguns fracassos iniciais de bilheteria. Após este começo um pouco claudicante, porém, ele justificou tanta confiança com sucessos como Tudo por uma esmeralda, Contato, Náufrago e Revelação, além de dois clássicos do Cinema, De volta para o futuro (que gerou uma popular trilogia) e Forrest Gump, o contador de histórias (com o qual ganhou seu Oscar como diretor). Teve, inevitavelmente, por um tempo que aturar certas piadinhas como sendo um sub-Spielberg, até por serem diretores de estilo parecido, mais clássico e narrativo, e que buscam sempre o uso de inovações tecnológicas para contarem melhor suas histórias. Não à toa, são diretores tão populares entre o público, que costuma apreciar muito seus filmes, já que ambos visam exatamente isto, ou seja, o deleite do espectador.

O voo não se encaixa realmente num perfil de um sucesso de arrasar quarteirão, até por ser um filme de produção mais modesta (para padrões do Zemeckis, ou seja, não é algo tão modesto assim, e tem uma cena impressionante de acidente aéreo, das melhores da História do Cinema, sem exagero). Mas é o típico filme que agrada a um público vasto, e consegue seu lugar ao Sol, porque Zemeckis sabe conduzir o público para onde quer. Técnicas narrativas ele tem de sobra, a ponto de parecer um mágico que conduz o olhar do público para uma mão, enquanto puxa o lenço vermelho com a outra. Sua mágica em O voo é fazer o público torcer e simpatizar com um piloto de avião amargo, que comanda uma aeronave bêbado e drogado, e que demonstra uma tendência alucinante de autodestruição, como é o caso de Whip Whitaker, interpretado brilhantemente por Denzel Washington. Claro que a própria escalação de tão renomado ator já garante metade da mágica. Dotado de incrível carisma, e sendo uma estrela por mais de 25 anos (desde que despontou por sua atuação central em Um grito de liberdade, de 1987), Denzel Washington consegue cativar o público com desenvoltura, fazendo algo difícil parecer muito fácil. Ele acrescenta dimensões ao seu personagem que enriquecem o filme de Zemeckis, e facilitam o seu trabalho. Conseguiu uma indicação ao Oscar pelo filme, mais uma em sua brilhante carreira, repleta de personagens marcantes (e pensar que seu primeiro papel no Cinema foi como um reles bandido em Desejo de matar!).

O brilho do filme não se detém apenas em Denzel Washington, porém, apesar dele ser seu ponto alto. Os outros atores lhe dão um bom respaldo, como Don Cheadle (Hotel Ruanda), como seu advogado, que tenta fazer milagres jurídicos para evitar sua derrocada; Bruce Greenwood (o Presidente Kennedy de Treze dias que abalaram o mundo) que é tão experiente como ele, além de ser seu maior amigo; e John Goodman (que também brilhou em Argo), de novo roubando cenas como o homem que lhe fornece suas drogas. Melissa Leo (O vencedor), cuja personagem é tantas vezes anunciada pelo filme, acaba tendo uma participação mais discreta, mesmo que decisiva para a trama. Mas, além dos atores, o roteiro também é instigante, escrito por John Gatins (também indicado ao Oscar). Ele lida com uma situação inusitada, onde o herói e o vilão são a mesma pessoa, onde a experiência e a negligência pertencem ao mesmo corpo. O voo divide espectadores dentre os que acusam Whip Whitaker de ser um bêbado irresponsável, que nunca poderia dirigir uma aeronave, e outros que preferem focar nos seus atos heroicos do que em sua condição de alcoólatra. O filme chega a deixar implícito, em alguns momentos, que a bebida e a cocaína poderiam ter inclusive ajudado Whip, deixado-o mais calmo e controlado em uma situação tensa, o que soa como sacrilégio absoluto em uma época tão eivada de correção política como esta atual. No meio desta turbulência, Zemeckis (ele também um piloto, adora voar) conduz seu avião cinematográfico com serenidade por quase todo o filme, demonstrando sua experiência de tantos anos como diretor.

O problema é que todo avião tem que pousar, e que todo filme tem que ter o seu final. A competência e a coragem que O voo demonstra em quase toda a sua duração cai por terra em um final pouco crível e que soa artificial. Denzel Washington faz o possível, talvez até mais que o possível, para evitar o desastre, com uma rica atuação, mesmo com o roteiro soltando fumaça por tudo quanto é lado na parte final do filme. Do começo dos anos 30 até os anos 60, muitos filmes americanos tiveram que incluir finais moralistas para atender ao Código Hayes (uma espécie de autocensura imposta pelos estúdios, com o intuito de não perder uma parcela conservadora importante do público), o que de certa forma os descaracterizou (talvez o gênero noir tenha sido o que mais sofreu com isso, por em geral conter tramas e personagens imorais). Neste sentido O voo parece um filme desta época, com um final que tenta seguir, se não o finado Código Hayes, um outro possivelmente ainda mais pernicioso: O Código do Politicamente Correto. É um final que parece panfletário, a ser citado entre lágrimas em uma reunião dos Alcoólicos Anônimos. Em comparação com Náufrago (o último filme que Zemeckis dirigira que não fora uma animação), outro filme em que um acidente aéreo muda toda a trama e a história do personagem central, O voo apresenta um desenlace bem menos lógico e natural. Este fim do filme agrada certa parcela do público, é justo lembrar isso, nem todos que o assistem sentem-se insatisfeitos com ele, mas deixa um gosto amargo na boca de outros espectadores que não compram a ideia de tamanha reviravolta na trama e na conduta do personagem central.

Robert Zemeckis dirigiu um belo filme, que mesmo com este final controverso continua tendo méritos e gerando discussões interessantes e relevantes sobre a prevalência, ou não, da competência sobre a responsabilidade. Mas aterrisou feio no final, logo ele, que soube criar alguns belos finais em seus filmes, que eram sim em geral moralistas, mas não pareciam forçados, tudo fluía naturalmente. E, pior, ao que parece Zemeckis e o roteirista John Gatins fizeram isso sóbrios. Ambos passariam em qualquer blitz da Lei Seca, mas fizeram uma barbeiragem mesmo assim. Zero pontos na carteira e nenhuma multa para os dois, algo muito meritório, mas tiveram um carro batido no final das contas. Mais ou menos o oposto do que fez Whip Whitaker no filme... 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Argo (2012)




“Isso só acontece no Cinema”. Esta é uma frase comum de quem se refere a algo tão fantástico, que só o Cinema poderia tornar possível. E, de certa forma, esta frase é verdadeira também para tudo o que cerca a história por trás da produção dos dois Argos, o falso, de 1980, e o verdadeiro, de 2012. Porque só mesmo uma possível equipe ultra-alienada de uma produtora de Cinema poderia pretender filmar um filme de ficção-científica no Irã durante a época explosiva da chegada de Aiatolá Khomeini ao poder e da invasão da Embaixada americana no país. Esta foi a ideia real e estapafúrdia de Tony Mendez (Ben Affleck), especialista da CIA, para tentar tirar seis integrantes da Embaixada que conseguiram fugir da ocupação dela, mas que tiveram que se exilar na Embaixada do Canadá ainda dentro do Irã, escondidos da ira do novo governo. Se Hollywood tinha a fama de projetos malucos orquestrados por lunáticos, porque não se aproveitar disso?

Para o projeto do falso Argo ter um mínimo de credibilidade, era necessário se criar um mínimo de estrutura e de propaganda do tal falso filme, e é nesse esforço que o filme tem seus momentos de comédia, capitaneados pelos coadjuvantes John Goodman (interpretando oo maquiador oscarizado de O planeta dos macacos, John Chambers) e Alan Arkin (como o produtor Lester Siegel, que tem a melhor atuação do filme). Esses momentos, concentrados na primeira metade, diluem um pouco a tensão do forte começo, que retrata com competência e veracidade a tomada da Embaixada pelo povo, e a fuga dos seis integrantes dela, que tanta dor-de-cabeça criaram para a CIA. Este começo de Argo, aliás, além de tenso é bastante didático, explicando a situação do Irã e dos EUA na época, e o que cercou a derrubada de Reza Pahlevi (apoiado pelos americanos) e a tomada do poder por Khomeini, com a consequente interrupção no processo de ocidentalização do país que Pahlevi vinha promovendo. Com isso, Ben Affleck, também diretor do filme, não aliena uma parte do público que poderia não estar tão familiarizado com toda aquela questão política dos anos 1979-1980.

Aliás, já em seu terceiro filme como diretor (após Medo da verdade e Atração perigosa), é nítido que Affleck já domina todas os instrumentos de se fazer um bom e eficiente filme popular, e Argo é a quintessência disso. Seu filme é acessível, ágil, envolvente, engraçado, e Affleck sabe trabalhar muito bem o suspense dentro dele, prendendo o público na cadeira com o uso de alguns clichês bem orquestrados, que sempre funcionam. É possível afirmar, inclusive, que Affleck até exagera um pouco neste ímpeto de popularizar o filme e a história real em que ele se baseia, pois cometeu alguns deslizes (propositais, como ele mesmo reconheceu) na tentativa de dramatizar ainda mais o que já era dramático, e com isso diminuiu um pouco a importância da ajuda canadense e britânica à tentativa de resolução do incidente. De qualquer forma, mesmo com este excesso de dramatização da história, Argo é um belo filme que tem também o mérito de evitar fazer grandes críticas ao Irã (da época e o atual), e de reconhecer a presença desestabilizadora dos EUA no país, por tanto tempo, evitando um tom por demais maniqueísta na obra.

Ben Affleck trabalhou muito bem com sua equipe toda a reconstituição de época, sempre de olho em dois filmes da época quanto a isso, no caso Todos os homens do Presidente (do qual este filme guarda algumas semelhanças quanto ao clima de tensão política) e The killing of a chinese bookie, de John Cassavetes. A fotografia granulada do mexicano Rodrigo Prieto (O segredo de Brokeback mountain, Abraços partidos), os figurinos e a direção de arte como um todo são muito bem-feitos e auxiliam na imersão temporal de Argo, e a música de Alexandre Desplat, a edição do filme, o roteiro de Chris Terrio e a própria atuação contida de Ben Affleck também sustentam muito bem o projeto. Mas o diretor não merece aplausos somente em relação a isso. Affleck mostra com Argo que está sabendo se reinventar, voltar a ser aquele jovem promissor de filmes de Kevin Smith (seu grande amigo, que o ajudou a se projetar) e de Gênio indomável (onde ganhou um Oscar de roteiro original, junto com Matt Damon, seu amigo de infância). Sua ambição de se tornar diretor está gerando dividendos financeiros e, principalmente, de status para ele, que deixa cada vez mais no passado toda aquela hiper-exposição na mídia da época em que namorava com Jennifer Lopez (e, também, claro, seu trabalho em alguns filmes deploráveis, onde ganhou duas Framboesas de ouro como o pior ator do ano). Em Argo, ele inclusive segura a mão em explosões e coisas do gênero, fazendo um filme de suspense à moda antiga, sem abusar de efeitos especiais ou de estripulias técnicas. Confia no seu taco de que pode perfeitamente atrair a atenção de seu público, e mantê-la, apenas com uma boa história e um competente desenvolvimento dela. Pode não encaçapar todas as bolas assim, já que com certeza desagradou parte do público canadense e britânico com as distorções da história (algo comum no Cinema, mas de fato desnecessárias em Argo), mas faz o suficiente para ganhar o jogo e receber os aplausos do público. E, o que é surpreendente, os aplausos da crítica também. Ou talvez não seja tão surpreendente assim. Hollywood é capaz de tudo, como todos os aspectos que cercam Argo (o que nunca existiu e este aqui) provam muito bem. Isso só acontece no Cinema.