Os nomes do amor é um filme que
brinca bastante com os estereótipos e preconceitos étnicos e culturais. A ponto
de desconstruí-los, pois praticamente nada no filme segue o convencional. Nesta
comédia dirigida por Michel Leclerc, o tímido e caretão cientista de meia-idade
Arthur Martin (Jacques Gamblin), com um nome batidíssimo na França (e que evoca
o de uma linha de eletrodomésticos, o que sempre gera piadinhas), em tese seria
o próprio francês padrão. Mas o passado judeu de sua família por vezes tenta
aflorar (com sofrimento do Holocausto e tudo o mais), complicando um pouco esta
identificação básica. Ele, por ironia do destino, se envolve com uma muçulmana,
descendente de argelinos, chamada Baya (que, curiosamente, muitos franceses
pensam ser o nome de uma brasileira), interpretada por Sara Forestier, que não
tem nada da mulher recatada, caseira e de burca que acostumamos a imaginar.
Longe disso. Ela é sexualmente liberadíssima, a ponto de usar o sexo como forma
de converter homens de direita para causas de esquerda (mas se surpreende ao
ver que Arthur Martin não é o “fascista” que imaginava). Os dois se enxergam
como franceses, mas e o resto do país? Os vê como franceses? Entende seus respectivos
pais como franceses? O que significa, no Século XXI, ser um francês?
Este mix cultural, que no Brasil
é uma coisa natural e mesmo característica do país, na França é mais recente e
ainda causa insegurança e ressentimento em muita gente. Os nomes do amor
conquista o espectador justamente em tratar das aparências enganosas das
pessoas (e de seus nomes) com leveza, bom-humor, sem partir para uma trama
panfletária, buscando mais causar surpresa e eventualmente abrir um pouco o
espírito do espectador do que tentar fazer um tratado sobre o assunto. O
diretor Michel Leclerc assumiu que se inspirou nos filmes de Woody Allen, mais
notadamente Annie Hall, e isso é nítido. O filme tem mesmo aquele tom jocoso e
inconsequente do clássico de Woody Allen, com momentos dos atores falando para
a câmera, e alguns pulos temporais engraçados, criando assim um clima envolvente que
atrai o público para aquela trama improvável. O próprio romance entre os
personagens principais, que começa algo forçado, aos poucos vai ganhando em
profundidade ao envolver os pais deles. Como o pai de Arthur, um francês que
foi lutar na independência da Argélia (e fez testes nucleares por lá) pode ter
algum contato com o pai de Baya, que justamente lutou pela independência de seu
país? Leclerc mostra em seu filme, com roteiro dele e de Baya Kasmi (o filme
tem um quê de autobiográfico, já que ambos se conheceram estranhando os nomes
de um e de outro como ocorre no filme, e não à toa a personagem principal tem o
mesmo nome da roteirista), que se nomes e etnias afastam, pequenos detalhes do
cotidiano podem aproximar, já que independentes de serem judeus, muçulmanos,
franceses ou argelinos, são todos ali humanos, com muito mais semelhanças do que
diferenças, no final das contas.
Um sucesso de público e crítica
na França, o filme rendeu um César de melhor roteiro original para Michel
Leclerc e Baya Kasmi, e outro de melhor atriz para Sara Forestier (batendo,
entre outras, Kristin Scott Thomas por A chave de Sarah e Catherine Deneuve por
Potiche – Esposa troféu). Sara Forestier de fato carrega o filme com seu
carisma, roubando todas as cenas, principalmente ao contracenar com Jacques
Gamblin, que lhe serve de contraste com seu jeito ponderado, que chega a se
assustar com ela. Os dois atores tem bastante intimidade com comédias, e o
filme se beneficia disso. O filme segue um pouco o enredo de Levada da breca, de
Howard Hawks, com uma pretensa “doidinha” bagunçando a vida de um cientista
todo certinho, mas ele consegue sair da mesmice ao aliar esta linha básica do
roteiro com uma discussão sobre identidade no país (e ainda contando com
detalhes interessantes como a participação de Lionel Jospin, o ídolo de Arthur).
Os nomes do amor consegue juntar temas geralmente pesados e difíceis como
religião, política, imigração, Holocausto, sexualidade, romance, intolerância e
preconceito, bate tudo no liquidificador e acrescenta o açúcar da comédia, que
torna tudo não só palatável, mas surpreendentemente delicioso. Um prato
improvável, mas que tem tudo para agradar gregos e troianos. Ou judeus e
muçulmanos.
2 comentários:
Muito bom o teu comentário, Marcelo. Realmente este filme deveria ser melhor visto. Muita gente acha que é uma comédia romântica francesa genérica. A moça é uma graça. (Ah, e se der certo o comentário é porque eu consegui distinguir esses caracteres horríveis)
Belo filme mesmo, e me surpreendeu pois não esperava muito dele. A Sara Forestier realmente mereceu seu César de melhor atriz, ela é o brilho extra do filme.
E o seu comentário saiu certinho, he, he...
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