Jack Lemmon, Al Pacino, Ed Harris, Alan Arkin,
Kevin Spacey, Alec Baldwin e Jonathan Pryce no elenco. Roteiro de David
Mamet, adaptado de sua própria peça ganhadora do prêmio Pulitzer. O sucesso a
qualquer preço apresenta um Curriculum Vitae daqueles recheados, que
impressionam qualquer um. Mas o impacto não fica só na ficha técnica do filme.
Este é um caso raro em que muitos concordam que o roteiro do filme ficou
superior ao texto teatral, um estudo fascinante sobre a desesperança, a
selvageria e a imoralidade de homens e negócios que se esfarelam em si mesmos.
Talvez isto explique que o filme, mesmo sendo uma produção modesta (com esses
atores famosos todos aceitando trabalhar por salários reduzidos, para os seus
padrões), tenha dado prejuízo quando foi lançado, e mal conseguindo uma
indicaçãozinha vagabunda no Oscar para Al Pacino como melhor ator coadjuvante
(justamente no mesmo ano que ele ganhou como melhor ator por Perfume de mulher).
Um pouco relegado em seu tempo, O sucesso a qualquer preço, porém, logo
alcançou o status de cult movie, e já pode ser considerado um clássico dos anos
90.
O elenco e o roteiro são chaves
para a empreitada. Se tem um filme que mostra o quão estreita é a teoria do
cineasta-autor (presente desde os anos 60, que tentou botar ênfase demais na
importância de um diretor para qualquer filme), é esse aqui. O sucesso a
qualquer preço foi dirigido por James Foley (o que até confunde muita gente, que
acredita que foi o próprio Mamet quem dirigiu). Diretor de filmes como Quem é
essa garota? e Um dia para relembrar, James Foley consegue sucesso ao adaptar
a peça cinematograficamente. Fica óbvio que é uma adaptação de uma peça de
teatro, pelo uso de muitos diálogos e poucos cenários, mas ele impõe um bom
ritmo ao filme, nunca o tornando chato, até por entender que faria besteira se
quisesse aparecer com planos muito elaborados. Seu grande mérito foi entender
que, neste caso, o papel do diretor do filme tinha que ficar em segundo plano
para o enredo e o trabalho dos atores. E, em ambos os casos, o resultado em
tela é fenomenal. O enredo é muito instigante, com diversos diálogos rápidos,
cortantes e por vezes engraçados, bem no estilo de David Mamet (contando com
inúmeros palavrões, inclusive). A história gira em torno de quatro corretores
de imóveis, Ricky Roma (Al Pacino), Shelley Levene (Jack Lemmon), Dave Moss (Ed
Harris) e George Aaronow (Alan Arkin), que se veem em situação difícil ao serem
ameaçados de demissão se não ficarem em primeiro ou segundo lugar entre os
vendedores do mês. Mas eles não são corretores de imóveis comuns. Eles
trabalham para uma firma picareta, que lida com terrenos imprestáveis, e que só
entrega aos vendedores fichas de clientes ultrapassadas, onde conseguir uma
venda é quase um trabalho de Hércules.
O discurso inicial de Blake (Alec
Baldwin) já puxa o pino da granada e mostra que, dessa vez, a guerra será ainda
mais sangrenta do que já é habitualmente entre os vendedores. Uma cena lendária
(que não existe na peça, inclusive o próprio Blake foi criado para o filme),
onde Alec Baldwin utiliza seus únicos minutos em tela para dar uma aula de
postura yuppie, capitalismo selvagem e humilhação conjunta, não deixando nem o
pobre do Levene tomar o seu cafezinho, pois, para Blake, somente pode tomar café
quem fecha negócios. Só quem escapa do esporro coletivo é Ricky Roma,
justamente o líder dos vendedores (está em primeiro lugar no quadro de vendas,
o que é sempre um lembrete visual incômodo de quem está ganhando a corrida),
que naquele momento está usando toda sua lábia de vendedor para empurrar um
desses bizarros terrenos na Flórida para o pobre James Lingk (Jonathan Pryce).
O sucesso a qualquer preço é, entre muitas outras coisas, uma aula cinematográfica
de vendas (não à toa, é mostrado em inúmeras empresas que lidam com vendas,
para se mostrar aos novatos o que fazer, e também o que não fazer de jeito
nenhum). Serve tanto para vendedores como também para clientes que assistem o
filme, para ficarem mais espertos e ligados nas lábias de vendedores e evitarem
comprar lixo por lebre. Os macetes, o raciocínio ultra-rápido, a aguda
observação que os vendedores fazem de seus clientes, são impressionantes e
colorem alguns dos melhores momentos do filme. O que Ricky Roma faz com o seu
(quase) indefeso cliente é coisa de cinema (literalmente), e Levene também faz
das suas, tentando passar a impressão, só com seu tom de voz, de que é um
executivo importante e bem assessorado, e não um corretor de imóveis quebrado e
desesperado, no fim de carreira, de uma firma vagabunda e fraudulenta, de fundo
de quintal, e ainda ligando de um orelhão. Sim, o filme é da época em que
celulares ainda não faziam parte das facilidades da profissão, deixando os
corretores ainda mais dependentes da empresa e das intempéries.
O elenco todo brilha como pouco
brilhou em outros filmes. Nenhum ator precisou fazer testes para o filme, mas
Jack Lemmon, um vencedor de dois Oscars, respeitadíssimo no meio, disse que
teria aceitado na hora fazê-los, se fosse necessário, como se fosse um
principiante, tal a força do roteiro de David Mamet. Al Pacino mereceu a
indicação para o Oscar, deslizando malícia como Ricky Roma, mas na verdade dava
para indicar e premiar o elenco inteiro. Jack Lemmon talvez tenha tido a melhor
atuação de sua vida aqui, e isto de uma carreira que começara nos anos 50,
repleta de grandes filmes e interpretações (ao menos ele ganhou o prêmio de
melhor ator no Festival de Veneza por este filme). Seu Levene é tocante, um
homem no fim de suas forças, mas que continua fazendo de tudo para tentar
ajudar sua filha no hospital. Mas está longe de ser um coitadinho, pois também
é inescrupuloso e sabe atacar e ridicularizar muito bem Williamson,
interpretado por um então novato Kevin Spacey (foi um de seus primeiros papéis
de destaque no Cinema), que tenta controlar aqueles quatro egos gigantescos e
feridos, sendo agredido o tempo todo com palavrões e ataques de baixo nível. O
Moss de Ed Harris é o mais rancoroso de um ambiente já repleto de rancor, pois
não aceita de jeito nenhum que Ricky Roma tenha mais sucesso que ele, e pensa
mais em sair da firma (e inclusive em lesá-la) do que em tentar fechar aquelas
quase impossíveis vendas. E o George de Alan Arkin é o loser completo da turma,
alguém que já não passa mais a menor confiança e que só reclama, quase como se
fosse um porco berrando ao saber que será degolado. Papéis ricos e complexos, interpretados
por grandes atores, no auge de suas carreiras. Um luxo. A ponto de os atores
comparecerem no estúdio mesmo em dias que não teriam que interpretar, só para
ver os colegas atuando. Não dava para perder aquilo ao vivo, de jeito nenhum.
O filme só tem uma figurante
feminina, o que realça ainda mais a descarga de testosterona que o enredo
apresenta. James Foley reconheceu que tratou o filme, desde o início, como se
fosse um documentário sobre a vida animal. E isso é chave para se entender O
sucesso a qualquer preço, um filme sem qualquer traço de amizade ou real
companheirismo, e onde qualquer noção de moralismo é logo vista como coisa de
fracos e derrotados. Assistimos ali à Lei da selva urbana, onde os corretores
predadores só pensam em dilacerar suas presas, os pobres clientes. A forma como
se referem a eles, inclusive, mostra que não são corretores comuns. Eles não
querem ver o cliente bem, feliz, satisfeito. Querem vender para eles terrenos
imprestáveis e sumir do mapa o mais rápido possível, antes que eles
inevitavelmente percebam que caíram no conto do corretor-vigário. O texto de
David Mamet tem algumas semelhanças com A morte do caixeiro-viajante, de Arthur
Miller (outra peça lendária no teatro americano). Mas enquanto Willy Loman era
apenas um loser na peça de Miller, alguém que viu o sonho americano desabar,
assim como qualquer esperança, se ele visitasse a firma de O sucesso a qualquer
preço seria defenestrado do começo ao fim, e choraria de amargura sentado
ao meio-fio, pensando em como era feliz antes, e não sabia (se bobear, ele até cairia na lábia dos vendedores e compraria um terreno vagabundo). A realidade é brutal
no filme, mas é quase impossível tirar os olhos dela. Porque os predadores são
ágeis e esguios, e quase não sobrou mais nenhuma presa para eles abaterem. A
fome começa a bater, assim como a necessidade de se afirmar como o macho alfa
da espécie. Ai dos vencidos. E, de certa forma, ai dos vencedores também.
Porque sabem que, se não forem devorados agora, logo o serão, por alguém
igualmente implacável.
3 comentários:
Fala, xará. Adoro esse filme (tenho em VHS), mas vim aqui para anunciar que o conteúdo do meu Multiply terminou de ser migrado para o Blogger e agora está em http://cinearquivo.blogspot.com.br/. Dá para você seguir pela sua conta do Google, RSS, Google Reader ou por e-mail. Abraços!
Bom saber disso, mais um sobrevivente do afundamento do Multiply... Vou lá dar umas visitadas, com certeza. Um grande abraço.
Porque esse filme não tem nenhuma atriz ?!
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