Ruby Sparks: A namorada perfeita
é um filme que sofre o impacto de expectativas destorcidas e exageradas. Isto
se refere ao fato de sofrer a “maldição do segundo filme” (já que é o segundo
longa do casal Valerie Faris e Jonathan Dayton), com a consequente espera de
todos de que seja um filme tão engraçado e interessante como Pequena Miss
Sunshine o foi (e que faça o mesmo sucesso). Mas isto igualmente vale em
relação à sua própria trama. Nela o jovem escritor genial Calvin (Paul Dano) começa
a escrever sobre uma garota por quem sonhou (Zoe Kazan) e logo descobre,
estupefato, que ela não só passa a existir (inclusive para os outros, não é só
uma miragem sua), como também a fazer e pensar tudo o que ele escrever sobre
ela. Uma marionete humana capaz de, em tese, finalmente fazê-lo feliz, ele que
por tanto tempo foi tão sozinho (a ponto de sequer ter amigos). O que poderia
dar errado numa relação em que ele poderia controlar sua parceira em todos os
seus pensamentos e atitudes?
Entretanto, Calvin logo descobre
que, passado o entusiasmo inicial, aquela situação toda poderia não ser tão
perfeita e promissora assim. Será que realmente tudo o que ele quer é uma
mulher que o obedece em tudo? E se parar de escrever sobre ela, deixá-la seguir
sua vida normal, será que ela continuaria interessada nele? O que realmente
deseja Calvin, uma mulher feita sob medida para ele, ou uma que o desafie e o
force a amadurecer, mesmo que com isso corra o risco de perdê-la? Ruby Sparks
pode ser perfeita para ele, mas seria Calvin perfeito para ela? Seria ela capaz
de escrevê-lo também? Ruby Sparks: A namorada perfeita lida com estas questões
de forma surpreendente, pois a sua premissa básica em geral aponta para um
filme repleto de piadas e situações inusitadas, a uma comédia mais convencional.
O filme bebe de um certo tom de ironia e magia, certamente, mas prefere mais se
aprofundar no romance do que no tom de comédia, o que pode decepcionar o
público (e o trailer do filme não ajuda em nada isso, dando a impressão do
filme ser uma comédia à la Pequena Miss Sunshine). Talvez o que ajude o filme a
se concentrar mais no romance é ter dois casais no seu leme, no caso Jonathan
Dayton e Valerie Faris, assim como Paul Dano e Zoe Kazan. A neta de Elia Kazan
inclusive já escreveu o roteiro pensando em seu namorado Paul Dano, e isso
contribuiu a se ter mais veracidade no filme (e, claro, contribuiu também a que
ela mesma interpretasse o papel principal do filme, com uma carreira ainda
iniciante). Há um quê de pessoal ali entre os atores, indefinível mas
existente. E não deixa de ser irônico que, na vida real, foi ela quem escreveu
um personagem para o namorado, para que ele vivesse de acordo com a sua
imaginação...
O resto do elenco sustenta bem o
casal principal, desde o irmão de Calvin (Chris Messina), sua mãe e padrasto
(Annette Bening e Antonio Banderas), até o seu psicólogo (Elliott Gould). O
personagem de Chris Messina e o de Annette Bening parecem pertencer mais ao
universo de Pequena Miss Sunshine, mas mesmo eles no desenrolar da trama se
aquietam um pouco. Esta mudança de rumo, de uma comédia anunciada nos primeiros
minutos (uma espécie de Mulher nota mil refilmada), a um drama romântico no
decorrer da trama, realmente puxa o tapete do público, e sente-se que o filme
tateia um pouco no escuro tentando se encontrar em seu miolo. Há uma ou outra
topada no meio do caminho, um escorregão aqui e ali, mas por fim o filme acha a
sua voz. Com um final aberto a algumas interpretações, Ruby Sparks: A namorada
perfeita pode não ser um filme perfeito, até porque os diretores e a
atriz-roteirista não podem escrever a audiência perfeita, que aplaudiria o
filme deles de qualquer forma, de acordo com a vontade deles (seria sensacional
ter esse poder... Ou será que não teria a menor graça?). O filme é imperfeito,
não é tão cômico como muitos gostariam que ele fosse, nem tão profundo a ponto
de ser existencialista ou filosófico, os atores não são as beldades que boa
parte do público está acostumada a ver, e as respostas, mesmo que abertas, que
o enredo apresenta podem decepcionar a alguns espectadores. Mas os que
permitirem que o filme reescreva suas expectativas sobre os diretores, o
próprio filme, os personagens dele e, talvez o mais difícil, suas próprias
fantasias e desejos pessoais, podem ter um novo olhar sobre o que há de
perfeito na imperfeição.
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