domingo, 28 de outubro de 2012

Os donos do poder (Power – 1986)




Os donos do poder, de Sidney Lumet, é uma espécie de irmão caçula de Rede de intrigas, talvez sua maior obra. Pode-se até dizer que ele encontra-se numa situação parecida com a de Fedora em relação a Crepúsculo dos deuses, ambos de Billy Wilder. Estes dois filmes guardam grandes semelhanças em relação aos clássicos absolutos destes diretores, sendo claramente inferiores mesmo tendo seus méritos, e ficam bastante à sombra deles, mal sendo lembrados hoje em dia. Enquanto Crepúsculo dos deuses e Rede de intrigas recebem todas as honras de chefes de estado, Os donos do poder e Fedora só entram na cerimônia por parentesco, são enfaticamente revistados, ninguém nota suas presenças, e mal conseguem comer um canapé.

Este esquecidíssimo filme de Sidney Lumet surpreende até no peso do elenco, numa trama que analisa os meandros de uma eleição pelos olhos de um marqueteiro que trabalha extensivamente a imagem dos políticos que o contratam, pouco se importando com suas ideologias, se satisfazendo apenas e tão somente em receber dinheiro por elegê-los. Richard Gere interpreta este personagem central (Pete St. John) com estilo e desenvoltura. Gere pode não ser dos atores mais versáteis e ter seus maneirismos, mas sabe interpretar muito bem homens cínicos e sedutores, como demonstrou também em Chicago. Os outros atores, porém, estão longe de estar nos seus melhores dias, com a exceção de Denzel Washington, no começo da carreira, que tem um papel coadjuvante que lembra também o de Richard Gere, sem muitos escrúpulos. Julie Christie está apenas correta como a jornalista que é ex-esposa de Pete St. John, Gene Hackman não convence muito como um mentor de Pete que está decadente, J. T. Walsh é subaproveitado pelo roteiro, assim como E. G. Marshall, Kate Capshaw mal tem o que fazer, e Beatrice Straight (que ganhou um Oscar de coadjuvante justamente por Rede de intrigas) chegou a receber uma indicação do Framboesa de Ouro (Razzie Awards nos EUA) como uma das piores atrizes coadjuvantes do ano (um pouco exagerado, mas ela realmente está mal).

Curiosamente, o roteiro, de David Himmelstein, é responsável tanto pelos pontos mais altos como pelos mais baixos do filme. O roteirista teve a ideia básica de seu enredo ao ver vários monitores com as propagandas políticas de vários candidatos diferentes, e os achou todos iguais, padronizados e pasteurizados. O grande mérito de Os donos do poder é ilustrar muito bem o quanto as personalidades dos políticos são tosadas, vermifugadas e perfumadas por assessores como o Pete St. John do filme. É inevitável que fiquem parecidos entre si, sempre fugindo de questões polêmicas, e mostrando personalidades falsas no sentido de diminuir a rejeição do povo por eles a um mínimo. O problema, como fica implícito no filme, é que muitas vezes o efeito de tais mudanças de atitudes não se restringe apenas ao período das eleições, com o político tendendo a manter o que deu certo durante seu efetivo mandato. Algumas cenas do filme são muito marcantes, sendo características do Cinema de Sidney Lumet, muito escorado em bons roteiros e em muitas cenas de diálogos (como 12 homens e uma sentença, Um dia de cão e O veredito). Mas o roteiro falha ao querer apresentar várias sub-tramas, por acompanhar políticos demais e abandonar alguns deles no meio do caminho. O político interpretado por J. T. Walsh, por exemplo, tem uma grande apresentação, e depois é um pouco relegado a um inexplicável segundo plano. Alguns personagens são pouco desenvolvidos por causa desta dispersão, e sente-se ao final a inexistência de uma maior unidade ao filme, faltou um norte que a bússola desordenada do roteiro (e da direção de Lumet) não soube apontar.

O resultado, enfim, resulta irregular. Mas é uma irregularidade de um diretor do porte de Sidney Lumet, com um tema interessante e nada datado (infelizmente, longe disso, o filme continua atual), e com vários atores interessantes, mesmo que pouco inspirados ou prejudicados pelo roteiro. O filme não deveria ter sido tão esquecido assim, e seria justo ter recebido também mais reconhecimento em seu tempo (foi ignorado por crítica e público em 1986). Alguém deveria puxar papo com o irmão caçula de Rede de intrigas, enquanto este recebe suas medalhas das autoridades. Os donos do poder tem algo a dizer, mesmo que o faça de forma desordenada, pulando de um assunto para o outro. E seria bom também aproveitar e pegar um drink para ele, pois o garçom nem passa onde ele está sentado...

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