Os EUA são hoje o país mais rico
do mundo, líderes mundiais em termos políticos e militares desde o fim da
Primeira Guerra Mundial, um colosso que apenas recentemente vêm sendo ameaçado
pelo crescimento da China. Mas em 1620, o cenário daquela região era desolador.
Tudo o que a Inglaterra tinha ali eram apenas algumas colônias vagabundas
esparsas na Costa Leste, desprezadas pela metrópole que considerava que tinha
chegado tarde na festa da era dos descobrimentos, já que os espanhóis deitavam
e rolavam com a absurda quantidade de ouro e prata que descobriram em suas
vastas terras nas Américas Central e do Sul, e os portugueses conseguiam lucros
no Brasil também com monoculturas. Já tudo o que aquelas colônias tinham, na
visão da coroa britânica, era o mesmo clima temperado da Inglaterra, nenhum
ouro ou prata, e um monte de índios hostis. Não surpreende, assim, que
existisse o desinteresse de que eles investissem qualquer coisa naquele novo
mundo. Mas se o Governo britânico ignorava aquelas terras, uma parte de sua
população, oprimida por um sistema de classes que nunca permitia sua ascensão
social, e sufocada em seu credo religioso, começou a se interessar pela
perspectiva de começar do zero em um novo lugar, por mais inóspito que fosse. Um
inusitado lugar que não tinha nada que atraísse a atenção dos ricos cidadãos ingleses,
mas tinha o suficiente para atrair os pobres cidadãos ingleses. E, assim, em
1620, 102 corajosos britânicos resolveram abandonar tudo (literalmente) e
tentar a sorte nesta terra inóspita, arriscando morrer na árdua viagem no navio
Mayflower, ou nas agruras de se viver numa terra sem suporte de ninguém. Em
menos de um ano, só sobreviveram 53 destes peregrinos, sendo a maioria mulheres
e crianças. Mas nenhuma dessas 53 pessoas quis retornar para a Inglaterra,
mesmo com tanto sofrimento. Era tudo ou
nada, desde o começo.
O veleiro da aventura conta a
história desta viagem e desses pioneiros. O filme surpreende por não forçar
muito a mão no tom patriótico. Sendo um filme americano (de um povo que toca
hino nacional toda hora, e leva a bandeira a qualquer canto), da Metro-Goldwyn-Mayer
(estúdio que tendia a glamourizar os fatos) e realizado nos anos 50, a chance
de se forçar a barra era grande, mas felizmente o diretor Clarence Brown (da
velhíssima guarda, dirigiu clássicos do cinema mudo como O último dos moicanos, O águia e A carne e o diabo), em seu último filme, e a MGM souberam conduzir
o filme sem histrionismos. O enredo, adaptado do livro homônimo de Ernest
Gebler, romantiza um pouco a história, principalmente quanto a Gene Tierney
estar sempre maquiada e de batom, e ao inventar uma intriga para levar os
peregrinos a um outro lugar (isso aconteceu, o destino era a Virgínia, mas por
razões climáticas não chegaram lá e se estabeleceram em Cape Cod, Massachussets, e não
por causa de uma intriga), e a criar um breve romance entre a personagem de
Gene Tierney e o de Spencer Tracy, que interpreta o capitão do navio. Este
romance, de fato, não “pertence” muito ao enredo, não convence, mas de resto a
história é conduzida com dignidade. Todos os nomes dos personagens são
corretos, com nenhum personagem inventado para dar um molho à trama (coisa
comum no Cinema), e inclusive o filme mostra que nem todos os peregrinos eram
religiosos, e que a imundície à bordo, e o assédio dos marinheiros às mulheres,
foram pragas de uma longa e tediosa viagem, num navio bastante modesto. O filme
também não ignora as mortes na viagem, e se deixa a desejar um pouco, é na
rápida resolução de tudo ao final, pouco mostrando a vida na nova colônia. Mas é
um filme que tem méritos também ao se utilizar um navio de tamanho semelhante
para as filmagens (construído especialmente para o filme), fazendo assim pouco
uso de miniaturas, e nos efeitos especiais das duras tempestades, que até
renderam ao filme um Oscar de efeitos especiais. O filme fica mais realista
assim. Entretanto, é de se pensar como que um tema tão caloroso aos americanos
não tenha gerado uma superprodução desde este hoje tão esquecido filme, com os
efeitos especiais de hoje em dia, e com um tom revisionista da história.
Spencer Tracy ajuda o filme a
ficar com os pés no chão ao atuar como o capitão do navio, Christopher Jones,
por ser ele, junto de seu imediato interpretado por Lloyd Bridges (numa de suas
melhores atuações), sempre a voz dissonante, ao nunca acreditar em toda aquela
loucura, e ficar gozando os pobres passageiros. É raro ver Spencer Tracy num
papel antipático, mas ele o desempenha com correção. Van Johnson era um risco
quanto ao elenco, com sua cara de galã juvenil, que poderia afundar o filme,
mas se comporta bem. E Leo Genn, com sua voz lendária, acrescenta dignidade à
trama, no papel central de William Bradford, que foi um dos líderes da Colônia,
impedindo que ela caísse numa anarquia. Tais líderes redigiram o Pacto do
Mayflower, que entre outras questões exigia os votos da maioria para que algo
fosse aprovado. Uma espécie de Constituição primitiva, a primeira dos Estados
Unidos. O escritor Eduardo Galeano
afirmou, sobre os EUA, que eles tiveram “a importância de não nascer
importante”, e isso realmente ajudou que esses peregrinos corajosos e simplórios
construíssem as bases da futura potência. Já há algum tempo, porém, o governo
americano fecha as portas justamente para os imigrantes que tentam chegar ao
país fugindo de realidades desoladoras, com o intuito de construir uma vida
melhor nos EUA, ou morrer tentando. Não são mais um país aberto aos William
Bradfords do Século XXI, como o foram até o começo do Século XX. Uma triste
ironia da história.
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