O fim dos anos 60 e começo dos
anos 70 tiveram dois casos muito famosos de grupos comandados por rebeldes
enlouquecidos, que conseguiam dominar adolescentes descontentes e/ou
abandonados por seus pais com uma boa dose de coerção psicológica, beirando a
lavagem cerebral: O sequestro de Patty Hearst e a família Manson. Martha Marcy
Mae Marlene de certa forma retrata uma mistura dos dois casos. Martha
(Elizabeth Olsen) não é sequestrada como ocorreu com Patty Hearst (neta do milionário
das comunicações William Randolph Hearst, justamente o homem que mais inspirou Orson
Welles a fazer Cidadão Kane), pois entra de livre arbítrio no grupo alternativo
capitaneado por Patrick (John Hawkes), mas sofre aos poucos a influência
nefasta do grupo, passa a crer e repetir seus mantras e começa a perder até o
sentido de sua própria personalidade, como aconteceu com Patty Hearst (que
chegou a participar de roubos do bando, e foi presa por causa disso).
Igualmente, o grupo aos poucos entra numa espiral de loucura que aponta para
resultados cada vez mais violentos e paranóicos, e a família Manson chocou o
mundo com assassinatos extremamente violentos como o de Sharon Tate, esposa de
Roman Polanski e grávida dele, quando foi brutalmente espancada até a morte
pelos comandados de Charles Manson.
Este filme dirigido por Sean
Durkin, porém (em seu longa de estreia), foca mais na personagem Martha do que
no entorno dela, o que pode frustrar parte do público. Ele apresenta duas características
típicas do cinema atual: Os constantes saltos temporais, e a indefinição
proposital dos acontecimentos. O diretor não ilustra com muitas cores o real
objetivo ou filosofia do grupo, e nem o passado de Martha, que a levou a
abandonar a sociedade para se juntar àquela estranha seita. Temos, em
contrapartida, uma visão sempre distorcida, pois acompanhamos os pretensos
fatos através dos olhos de Martha, que assustada abandona o grupo e tenta mudar de vida, e ela está longe de ser uma testemunha confiável. O
espectador fica preso no meio deste jogo de gato e rato, onde é difícil
distinguir o rato do gato. As perguntas constantes são: O que estamos vendo
realmente aconteceu? Se sim, foi exatamente desta maneira? Esta insegurança acompanha
o espectador do filme do princípio ao fim, o que pode ser enervante ou
fascinante, de acordo com o perfil de quem assiste.
Martha Marcy May Marlene é uma
obra aberta por natureza, e fascinante como estudo psicológico da personagem principal,
com uma sólida interpretação de Elizabeth Olsen, irmã mais nova das gêmeas
açucaradas Ashley e Mary-Kate, que cada vez mais encontra seu lugar ao sol. John
Hawkes ( de Inverno da alma) também auxilia, com sua presença sempre soturna,
tranquila mas amedrontadora, um ator cada vez mais estabelecido no cenário
americano. E Sarah Paulson, interpretando a irmã de Martha, que tenta salvá-la
de si mesma, cumpre sua sofrida jornada com competência. É bom ressaltar,
porém, que como thriller o filme deixa a desejar, não necessariamente por
incompetência do diretor, mas porque essa foi uma estrada que ele pareceu não
querer trilhar com muito afinco, e é aconselhável que o espectador saiba disso
de antemão. Por concentrar-se demais na personagem principal, por vezes o filme
parece incompleto, anseia-se por mais informações, mas elas surgem a conta-gotas,
e sempre fornecidas pelo filtro da visão dúbia de Martha. Muito por conta
disso, ao final de tudo não é de todo improvável que o espectador acabe de ver
o filme tão paranoico quanto Martha.
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