Luz após a escuridão. Seria essa,
de certa forma, a tradução para o português do título em latim do filme. Mas
não é exatamente essa a impressão que fica ao término do filme, para a quase
totalidade dos espectadores. Isso porque o diretor Carlos Reygadas, como vêm
deixando claro em sua curta filmografia (Luz silenciosa e Batalha no céu, entre outros), não
pretende realmente deixar nada tão claro assim. Ele despreza o cinema
narrativo, e afirma que o Cinema deve ser livre, mais parecido com a música no
sentido de evocar sentimentos, do que como um veículo para se fazer uma espécie
de teatro filmado ou literatura em imagens. É uma postura que ele carrega em
Post tenebras lux, e que pode incomodar muito a uma parte do público
desacostumada a um filme com um fiapo de enredo, e composto de várias cenas que
por vezes parecem desconexas.
Curiosamente, é possível se
absorver mais o significado do filme pesquisando sobre o diretor, após o filme,
do que simplesmente assistindo Post tenebras lux. Sente-se que se trata de um
filme com viés autobiográfico, e saber que o diretor jogou Rugby a ponto de ser
membro da seleção mexicana, que morou 12 anos na Europa (Bélgica, Espanha e
Inglaterra), que trabalhou como advogado, que descobriu sua nova paixão ao ver
filmes de Andrei Tarkovsky e Michelangelo Antonioni, e acha vital trabalhar com
não-atores e com locações naturais (quase no estilo Dogma 95 mesmo), ajuda a
dar um mínimo de sentido ao que se viu. Mas tais informações tanto podem servir
como algo complementar ao filme, para muitos espectadores, como até algo
desnecessário, para outros, pois no filme de Reygadas a emoção que cada cena
traz a quem a assiste pode importar mais do que a compreensão do todo que ele
poderia vir a ter.
É nítido que um filme como Post
tenebras lux vai se fazendo naturalmente, através da escolha dos atores (estreantes
no Cinema) para viverem seus personagens, pela descoberta de locações, pelos
sons desses lugares... Assim como a fotografia utilizada, que por várias vezes
foca apenas no centro, desfocando nas beiradas da imagem, passando uma ideia de
imagem onírica, talvez egressa de uma memória infantil. A fotografia de Alexis
Zabe (que também trabalhou brilhantemente em Luz silenciosa), aliás, é um
desbunde, e valoriza muito o filme, principalmente por ele focar tanto na
experiência sensorial do público, e não do que ele apreende de um roteiro.
Todos estes elementos são fundamentais para o diretor se expressar na tela, e
ele o faz através de várias cenas rurais, onde o embate civilização versus natureza
é constante, e a sexualidade e a brutalidade são naturais como o nascer e o pôr
do Sol. Carlos Reygadas é um diretor autoral como poucos, daqueles muito mais
interessados em fazer os seus próprios filmes do que ver os filmes dos outros. A
base de seu Cinema não é cinematográfica, como é tão comum em tantos diretores,
mas sim pessoal, calcada em sua vida, e não do que viu em filme X ou Y.
Ao final da experiência, porém, devido
à filosofia do diretor, é difícil não ficar com a impressão que Post tenebras
lux é um filme formado por várias cenas muito belas, mas que formam um todo
estranho, desconexo, insatisfatório, incompleto. Algo muito raro de se ver por
aí, mas que parece que tende a se tornar comum no cinema extremamente pessoal e
íntimo de Carlos Reygadas. Um roteirista tradicional poderia auxiliá-lo a criar
um filme mais coeso e compreensível, mas Reygadas fugiria dele como o diabo
foge da cruz. A busca de uma maior clareza para “ajudar” o público traria
exatamente a morte de seu Cinema tão pessoal e intransferível, que se encontra
na natureza, na escuridão, na penumbra, e não na luz e num saber estabelecido. Um
Cinema de um homem único, feito para poucos (dentre eles, o Júri de Cannes, que
lhe deu o prêmio de melhor diretor por este filme), e ignorado e/ou
incompreendido por quase todos. Um Cinema que encanta, decepciona, atordoa e
desnorteia. E que não pode ser repetido, com seus méritos e falhas, por mais
ninguém. Difícil ser mais autoral que isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário