sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Post tenebras lux (2012)




Luz após a escuridão. Seria essa, de certa forma, a tradução para o português do título em latim do filme. Mas não é exatamente essa a impressão que fica ao término do filme, para a quase totalidade dos espectadores. Isso porque o diretor Carlos Reygadas, como vêm deixando claro em sua curta filmografia (Luz silenciosa Batalha no céu, entre outros), não pretende realmente deixar nada tão claro assim. Ele despreza o cinema narrativo, e afirma que o Cinema deve ser livre, mais parecido com a música no sentido de evocar sentimentos, do que como um veículo para se fazer uma espécie de teatro filmado ou literatura em imagens. É uma postura que ele carrega em Post tenebras lux, e que pode incomodar muito a uma parte do público desacostumada a um filme com um fiapo de enredo, e composto de várias cenas que por vezes parecem desconexas. 

Curiosamente, é possível se absorver mais o significado do filme pesquisando sobre o diretor, após o filme, do que simplesmente assistindo Post tenebras lux. Sente-se que se trata de um filme com viés autobiográfico, e saber que o diretor jogou Rugby a ponto de ser membro da seleção mexicana, que morou 12 anos na Europa (Bélgica, Espanha e Inglaterra), que trabalhou como advogado, que descobriu sua nova paixão ao ver filmes de Andrei Tarkovsky e Michelangelo Antonioni, e acha vital trabalhar com não-atores e com locações naturais (quase no estilo Dogma 95 mesmo), ajuda a dar um mínimo de sentido ao que se viu. Mas tais informações tanto podem servir como algo complementar ao filme, para muitos espectadores, como até algo desnecessário, para outros, pois no filme de Reygadas a emoção que cada cena traz a quem a assiste pode importar mais do que a compreensão do todo que ele poderia vir a ter.

É nítido que um filme como Post tenebras lux vai se fazendo naturalmente, através da escolha dos atores (estreantes no Cinema) para viverem seus personagens, pela descoberta de locações, pelos sons desses lugares... Assim como a fotografia utilizada, que por várias vezes foca apenas no centro, desfocando nas beiradas da imagem, passando uma ideia de imagem onírica, talvez egressa de uma memória infantil. A fotografia de Alexis Zabe (que também trabalhou brilhantemente em Luz silenciosa), aliás, é um desbunde, e valoriza muito o filme, principalmente por ele focar tanto na experiência sensorial do público, e não do que ele apreende de um roteiro. Todos estes elementos são fundamentais para o diretor se expressar na tela, e ele o faz através de várias cenas rurais, onde o embate civilização versus natureza é constante, e a sexualidade e a brutalidade são naturais como o nascer e o pôr do Sol. Carlos Reygadas é um diretor autoral como poucos, daqueles muito mais interessados em fazer os seus próprios filmes do que ver os filmes dos outros. A base de seu Cinema não é cinematográfica, como é tão comum em tantos diretores, mas sim pessoal, calcada em sua vida, e não do que viu em filme X ou Y.

Ao final da experiência, porém, devido à filosofia do diretor, é difícil não ficar com a impressão que Post tenebras lux é um filme formado por várias cenas muito belas, mas que formam um todo estranho, desconexo, insatisfatório, incompleto. Algo muito raro de se ver por aí, mas que parece que tende a se tornar comum no cinema extremamente pessoal e íntimo de Carlos Reygadas. Um roteirista tradicional poderia auxiliá-lo a criar um filme mais coeso e compreensível, mas Reygadas fugiria dele como o diabo foge da cruz. A busca de uma maior clareza para “ajudar” o público traria exatamente a morte de seu Cinema tão pessoal e intransferível, que se encontra na natureza, na escuridão, na penumbra, e não na luz e num saber estabelecido. Um Cinema de um homem único, feito para poucos (dentre eles, o Júri de Cannes, que lhe deu o prêmio de melhor diretor por este filme), e ignorado e/ou incompreendido por quase todos. Um Cinema que encanta, decepciona, atordoa e desnorteia. E que não pode ser repetido, com seus méritos e falhas, por mais ninguém. Difícil ser mais autoral que isso. 

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