quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Killer Joe – Matador de aluguel (Killer Joe – 2011)




William Friedkin é um cineasta interessado em gente. Disse inclusive, certa vez, que qualquer paisagem, por mais bonita que fosse, nunca teria a mesma relevância para ele do que o rosto de um Steve McQueen, por exemplo. Sua câmera crua, visceral, valoriza exatamente o trabalho dos atores e o consequente drama humano que eles evocam, muitas vezes retratando pessoas marginalizadas e/ou depravadas. Mesmo que sejam policiais, como o Popeye Doyle de Operação França, ou o Joe Cooper deste filme aqui, eles têm seus métodos sangrentos e costumam ser mais estúpidos e agressivos do que os bandidos.  Killer Joe – Matador de aluguel indica que Friedkin está de novo no auge da forma, mostrando que ainda vive o cineasta que marcou o início dos anos 70 com os enormes sucessos, de público e de crítica, de Operação França (filme que lhe deu o Oscar de diretor) e O exorcista.

O filme, uma adaptação da peça de Tracy Letts (com roteiro do próprio, na segunda parceria de roteirista e diretor, após Possuídos, de 2006), retrata uma família Smith, o sobrenome mais comum nos EUA, mas esta família é totalmente diferenciada das demais em sua amoralidade: Como estão na pior, desejam matar a mãe para receberem o seguro dela. O instrumento para isso é exatamente o Killer Joe do título, retratado brilhantemente por Matthew McConaughey, no que é até o momento o papel de sua vida. O ator, um grande amante da natureza, uma vez disse que queria reencarnar em um jaguar, por admirar seu senso de auto-controle, sua pose, e por considerá-lo o animal mais cool do mundo. De certa forma McConaughey faz isto no filme, com sua presença tranquila e ameaçadora, que sabe se mover sempre com estilo e determinação, cercando a presa com seu olhar de predador, e não deixando dúvida em ninguém de quem está no controle da situação. Por sua causa, o filme tem momentos de uma tensão quase irrespirável. Os outros atores estão um plano abaixo, mas não deixam a peteca cair. Thomas Haden Church (de Sideways) é o patriarca resignado de uma família esfarelada, e mal consegue entender o que ocorre à sua volta. Emile Hirsch é o filho que começa todo o processo, por dever dinheiro e correr grave risco de vida por isso, e Juno Temple, sua irmã no filme, é uma espécie de Cinderela enganosa, pura mas não muito, que atrai Joe Cooper sexualmente com sua pretensa inocência. A madrasta, interpretada por Gina Gershon (muito marcada negativamente, por anos, por ter atuado em Showgirls), é outra de atuação visceral, principalmente numa cena antologicamente chocante com Matthew McConaughey. O filme, aliás, é bom ressaltar, não é para os fracos de estômago, alguns podem até considerá-lo doentio. Têm nudez frontal, muita violência, e várias cenas são como um soco no estômago. É impossível o espectador ficar impassível ao assisti-lo. É um filme “ame ou odeie” por natureza.

William Friedkin, quarenta anos mais velho, talvez não tenha mais a mesma energia insana do começo de sua carreira, onde dirigiu Operação França quase como se fosse um filme de guerrilha, sem se preocupar com autorizações de filmagem ou o que fosse, inclusive filmando a clássica cena de perseguição de carros praticamente no meio de um tráfego real. Mas a sua carga ainda é de alta voltagem (principalmente em contraste com um cenário politicamente correto, como o atual) e pode eletrocutar os mais fracos. Até porque agora ele está mais maduro, e sabe canalizar esta energia e coragem inatas na busca de um cinema explosivo, e Killer Joe- Matador de aluguel é uma prova disso, um policial noir e underground que sacode o espectador como poucos filmes fizeram nos últimos anos. Sabendo segurar a tensão ao máximo, com um timing preciso que estica ao limite do humanamente possível a lentidão de uma cena muito tensa, e soltando-a com movimentos rápidos e alguns toques de comédia, Friedkin está tanto no comando externo do filme como Matthew McConaughey está dentro dele. Juntos e inspirados, fizeram um filme inesquecível, que pode não ser para todos os públicos, mas que é imperdível para amantes de um cinema que senta na cabeceira da mesa e sabe impor sua autoridade. Killer Joe – Matador de aluguel pode ser rotulado como um “filme de macho”, com toda a carga positiva, negativa e, por quê não dizer, antiquada, que esta expressão carrega. Ou talvez possa ser um filme de jaguar, que destroça as presas sem misericórdia e sem perder a pose. Mas com certeza é um filme de William Friedkin, daquele Friedkin dos anos 70 (e não o que perdeu a forma nos anos seguintes), o velho de guerra, um cineasta que parece mostrar que voltou com tudo, arrombando a porta, botando o revólver na mesa e perguntando o que tem pra comer, porque ele parece estar de novo com muita fome.

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