segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os miseráveis (Les misérables – 2012)




A cada ano, o Cinema apresenta casos que são logo marcados pela crítica como “filmes feitos para ganhar Oscars”. Talvez este seja também o caso de Os miseráveis, por ser uma adaptação de um musical de enorme sucesso na Broadway, por tantos anos. Porém, talvez o filme integre também uma categoria mais seleta e muito inusitada de “filmes que foram influenciados pelo próprio Oscar”. Em Fevereiro de 2009, Hugh Jackman impressionou os que o conheciam apenas por suas atuações em filmes de ação, mais notadamente os da série X-Men como Wolverine, pois foi o apresentador do Oscar, onde cantou e dançou com Beyoncé e, entre outros, Amanda Seyfried, e também chamou Anne Hathaway para o palco, onde ambos fizeram um dueto muito elogiado (são muito amigos, inclusive). Já em Fevereiro de 2011 foi a vez de Anne Hathaway apresentar o Oscar (junto com James Franco), e ela cantou uma versão irônica de “On my own” (justamente do repertório de Os miseráveis) que brincava com Hugh Jackman, enquanto na plateia também estava Tom Hooper (vencedor do Oscar daquele ano por O discurso do Rei), que já tinha iniciado o processo de escolha de atores para Os miseráveis. Anne Hathaway jura que foi uma coincidência. Tom Hooper sempre desconfiou que não, mas não se incomodou nem um pouco com isso pois  assim foi possível ver, em primeira mão, como eles poderiam funcionar muito bem em seu próximo filme.

Coincidência ou não, os dois atores foram escalados para Os miseráveis, e valorizam demais o filme. Ambos receberam duas muito justas indicações aos prêmios de Ator e Atriz coadjuvante. Hugh Jackman chegou a passar fome e sede para poder convencer como o Jean Valjean enquanto prisioneiro, e canta com competência, em um difícil papel. Com experiência em musicais desde o começo da carreira (atuou nos palcos em Oklahoma, e na versão musical de Sunset Boulevard, no papel clássico de Joe Gillis), se sai muito bem cantando, e também ao passar para a tela o quase infindável périplo de Valjean, sempre fugindo da lei, principalmente da figura de Javert (Russell Crowe, que está deslocado no filme, até por não cantar muito bem). Anne Hathaway, também com boa experiência em musicais (é uma soprano, inclusive, e competente), rouba o filme na sua curta aparição, aproveitando cada segundo em que aparece, mostrando a decadência moral e física de Fantine, uma personagem que come e vomita o pão que o diabo amassou. Sua interpretação de “I dreamed a dream” (canção que recebeu grande destaque recente por ter sido a que Susan Boyle cantou no programa de TV Britain’s got talent, que foi dos vídeos mais vistos na história da Internet) é fascinante pelo desespero da sua personagem, que sabe que não tem mais qualquer esperança. É uma cena que já nasceu clássica, e que não tem um corte sequer, Anne Hathaway a cantou do início ao fim, emocionando até a equipe de filmagem. E cantou mesmo, porque o filme tem a raríssima distinção de não ter sido filmado com as músicas já gravadas, onde os atores apenas se preocupando em movimentar corretamente suas bocas, como acontece em 99% dos musicais. Nada disso, Tom Hooper queria o máximo de realismo e de interpretação de todos os seus atores, e todos eles tiveram que cantar de verdade, durante a gravação, algo extenuante para os atores e para a equipe, que não pôde fazer qualquer barulho. O resultado final reflete a importância desta medida, de fato trazendo interpretações mais ricas dos personagens e das canções.

Os outros atores também se saem bem em seus papéis e em suas respectivas cantorias, como Amanda Seyfried (Cosette), Eddie Redmayne (Marius) e Samantha Barks (Éponine). Há até uma simpática homenagem a Colm Wilkinson, o Jean Valjean original dos palcos americanos e ingleses, que no filme interpreta o bispo que muda o destino de Jean Valjean. As exceções ficam por conta do já citado Russel Crowe (que, no fundo, não pertence muito ao ambiente de um musical), e também de Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, como o casal Thénardier, que preferem partir para algo mais caricato e voltado para a comédia, tirando um pouco a ameaça que o casal representa à dupla Valjean e Cosette. O próprio Tom Hooper erra e acerta no filme. Acertou, sem dúvidas, na exigência de se gravar as vozes durantes as filmagens mesmo, e em registrar parte da crueza e desesperança da trama. Em compensação, ele abusa um pouco dos closes nos atores (talvez até para realçar a cantoria “ao vivo” deles), tirando com isso parte do caráter épico da história. É claro que este Os miseráveis deve boa parte de seu DNA ao musical da Broadway, mais até do que ao ultra-clássico livro de Victor Hugo, e com certeza deverá ser mais comparado com o musical do que com o livro propriamente dito. Mas mesmo assim a história parece por demais acelerada no começo, com algumas partes da trama, importantes no enredo (como o drama de Valjean de se entregar ou não para a justiça, e livrar um pobre condenado que fora confundido com ele) se desenrolando rápido demais, e toda a parte final ficando curiosamente um pouco esticada. Os mais focados no livro de Victor Hugo e em uma adaptação de sua obra mais fidedigna devem continuar com a mira apontada para a adaptação francesa de 1934, dirigida por Raymond Bernard, com Harry Baur como Jean Valjean e Charles Vanel como Javert, até por esta versão contar com 281 minutos de duração (talvez a obra de Victor Hugo exija mesmo uma duração deste quilate, para ser mais corretamente adaptada).

Os miseráveis, com toda a sua inegável competência musical e artística (a fotografia, direção de arte e figurinos são todos de primeiríssimo nível), demonstra o peso de seus 158 minutos (mais do que o clássico do cinema francês de 1934 demonstrava em seus 281 minutos, o que prova que tudo é relativo), tendendo a cansar um pouco o espectador, principalmente o que não curte muito os musicais. É difícil, aliás, que as pessoas que desprezem musicais mudem de ideia por causa de Os miseráveis. Quando isso acontece e o preconceito é vencido, geralmente ocorre por causa de um musical que apresente danças mirabolantes, e/ou canções “justificadas” (isto é, que os personagens cantam por algum propósito real, como ter que se apresentar num show, por exemplo). Cantando na chuva, dentre muitos outros exemplos, vence o espectador resistente muito por causa de sua fenomenal dança, e um filme como All that Jazz o faz por (ótimas) canções quase sempre justificadas e reforçadas por um excelente roteiro. Os miseráveis, porém, só tem cantoria (quase que o tempo todo, pouquíssimos são os diálogos “normais”) e todos cantam sem esta tal “justificativa” que facilitaria a vida dos que não curtem muito os musicais, apesar do roteiro do filme ser muito bom, até por derivar do clássico de Victor Hugo.

O saldo final é satisfatório, principalmente para os fãs do gênero e/ou para os que tem doces recordações do musical da Broadway. O repertório, o mais importante de qualquer musical, é de notória qualidade e muito bem executado. Porém, fica um pouco no ar o senso de que falta alguma coisa. Não faltou crueldade e desesperança, isso Tom Hooper e os atores retrataram muito bem. Nem nada referente às canções ou a boa parte dos atores. Nem coragem, pois gravar as vozes no set de filmagens cheira a loucura completa para muitos produtores, e Tom Hooper bancou isto, junto com seus atores. Talvez tenha faltado um pouco de magia, de impacto, que sobrou, por exemplo, na cena em que Anne Hathaway barbariza cantando “I dreamed a dream” entre lágrimas. Uma grande cena em um filme correto, competente, que porém carece de outros grandes momentos como este. Os miseráveis agrada, mas não brilha, e era de se esperar que brilhasse um pouco mais, por ser a extensão cinematográfica de um livro e uma peça tão famosos e elogiados. 

6 comentários:

Unknown disse...

Fazia muito tempo que eu não via um filme ser aplaudido ao término da projeção. Pude ver de novo isso ontem, numa projeção magnífica de Os Miseráveis numa sala IMAX. Concordo com praticamente todos os seus comentários, Marcelo. A dupla Sacha & Helena realmente destoa. Sacha parece se esforçar ao máximo para roubar as cenas e confere um tom cômico desmedido para o drama retratado. Creio que seja o principal defeito do filme. No mais, acho que o filme brilha sim, apesar dos tantos closes e aceleradas na parte inicial. A cena de "I Dreamed a Dream" com a Anne Hathaway é fora de série; me fez grudar na cadeira, sem conseguir piscar, engolir ou respirar. Fantástica a forma como o diretor fecha a imagem nela e lhe deixa sozinha, para brilhar e arrebatar a plateia. Só essa cena já lhe valeria um Oscar. Hugh Jackman também impressiona (e me lembro de ter lido alguns comentários jocosos quando ele foi premiado com o Globo de Ouro). E o Russel Crowe? Bem, ele não chega a comprometer, mas leva um banho principalmente quando contracena com o Hugh Jackamn. Não conheço essa versão francesa de 281 minutos.

Marcelo Rennó disse...

Legal saber que um musical foi aplaudido em pleno 2013, Sergio! É um gênero que eu gosto bastante, como você sabe, e que costuma ser desprezado por muita gente, visto como algo "antiquado". Há mesmo um certo preconceito com o Hugh Jackman, mas acho que filmes como esse podem fazê-lo ser mais respeitado por público e crítica (o seu Globo de ouro como ator de musical e comédia foi merecidíssimo, no meu entender). A Anne Hathaway realmente arrebenta no pouco tempo em que aparece, e o problema do Russel Crowe é mais como cantor do que como ator em si, por isso ele destoa um pouco. A versão francesa é disparado mais fiel (e é difícil de encontrar, acho que só baixando mesmo...), mas claro que o propósito deste filme de 2012 era outro, o "pai" dele era o musical da Broadway, e não o livro do Victor Hugo, claro. Obrigado pela visita, e um grande abraço!

Unknown disse...

Sem dúvida, e o musical da Broadway é excelente. Vi a montagem nacional, que foi belíssima, sendo depois seguida por outras cópias fiéis da Broadway, como A Bela e a Fera, Chicago, O Fantasma da Ópera. A trilha é belíssima, adoro.
Vou ver se acho essa versão francesa (duro vai ser arrumar tempo para ver tudo; acho que só em pedaços, hehe!).
Quanto ao seu blog, estou sempre de olho, mas acabo não escrevendo muito, pois não vi a maioria dos filmes que você comenta aqui. Mas você continua afiadíssimo e preciso nos seus comentários.
Abraço!

Marcelo Rennó disse...

Obrigado, Sergio! Como você meio que "assina" este Blog, imagino que receba cada nova crítica até por e-mail, não é isso? Um grande abraço!

Unknown disse...

Curiosamente, não tenho recebido. Vou dar uma checada nas configurações, porque eu esperava que novos posts fossem enviados para meu gmail. Acabo sabendo mais das novidades pelas suas postagens no FB.

Unknown disse...

Realmente, eu só vejo os posts novos se entro no Blogger, onde constam os blogs que eu sigo.