sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O lado bom da vida (Silver linings playbook -2012)




My chérie amour, pretty little one that I adore, you’re the only girl my heart beats for, how I wish that you were mine...

O personagem Pat, interpretado por Bradley Cooper, enlouquece quando escuta (ou acha que escuta) esta canção de Stevie Wonder, um lembrete de seu casamento e também de quando flagrou sua esposa tendo um caso com um colega seu de trabalho. Bipolar, recentemente saído (com condicional) de uma instituição, planeja se curar abandonando os medicamentos e fazendo uso apenas de pensamentos e atitudes que julga positivos, e, se possível, recuperar sua esposa. Volta a morar com seus pais, e entra em choque constante com seu pai (Robert De Niro), um homem apaixonado pelo Philadelphia Eagles (time de futebol americano) e extremamente supersticioso, a ponto de deixar o espectador na dúvida sobre quem é o mais doido, o pai ou o filho. E logo entra em contato com Tiffany (Jennifer Lawrence), uma garota mais nova, recentemente viúva e com uma visão bem mais negativa da vida, com problemas sérios de auto-estima.

Como esta trama funciona, e por extensão o próprio filme O lado bom da vida, é um razoável mistério. O fato é que este pequeno filme de David O. Russell (de O vencedor, Huckabees – A vida é uma comédia e Três reis) conquistou os EUA, tanto a crítica como o público, e conseguiu indicações de Peso para o Oscar, como Filme, Direção, Roteiro adaptado e também nas quatro categorias de atuação, algo que não acontecia desde Reds, dirigido por Warren Beatty, em 1981. O filme consegue conviver numa tênue fronteira entre o drama, a comédia e o romance, sem forçar nunca para nenhum lado. E é absolutamente charmoso, apesar de que, se for analisado friamente, ao menos o roteiro, e várias das situações apresentadas, não fazem lá muito sentido.

Mas O lado bom da vida não foi feito para ser servido frio. Um espectador mais analítico e reflexivo provavelmente jamais vai entender a mística do filme, e vai julgar que todos enlouqueceram quando valorizaram o filme. E talvez tenha sua razão, pois o filme se ancora mesmo em sua capacidade de tirar o espectador do estado cínico habitual e fazê-lo embarcar nesta curiosa história, que por vezes é banal, e em outras ocasiões totalmente alucinada. O lado bom da vida pulsa forte, e boa parte disso se deve pela bela sintonia de seus quatro atores principais, todos nas pontas dos cascos, e com indicações merecidas ao Oscar. O casal principal tem uma bela química em tela, em um romance em muito baseado na aceitação das limitações e neuroses alheias, em compreensão mútua, enfim. Bradley Cooper vem se firmando com um ator mais “sério”, após ter ficado mundialmente conhecido pela comédia rasgada Se beber, não case. Após estrelar recentemente As palavras e Sem limites (este, inclusive, com Robert De Niro também), ele segue numa boa toada e mostra complexidade em um difícil papel, que poderia ter facilmente caído numa caricatura. É o ator do momento, assim como Jennifer Lawrence, que teve uma ascensão ainda mais meteórica desde o excelente Inverno da alma, de 2010. Em 2012 mesmo estrelou um sucesso absurdo de público com Jogos vorazes, e conseguiu com O lado bom da vida mais uma indicação de melhor Atriz (além de ganhar o Globo de Ouro na categoria de Atriz de musical ou comédia). Ele é parte fundamental da difícil explicação do mistério do sucesso deste filme. Dos quatro, é a que tem a melhor atuação, e é a alma de O lado bom da vida, que poderia ser apenas mais um filme de Sessão da tarde com uma atriz menos afiada. Sua Tiffany tem profundidade e personalidade, é decidida, mas sabe a hora de pisar em ovos e aguentar a constante lembrança de Pat por sua esposa. Ela carrega boa parte da fatia de romance do enredo, sem torná-lo açucarado ou pouco crível (apesar da trama não a ajudar nem um pouco neste sentido). Com 22 anos de idade, ela já é uma inegável estrela, e lida bem com seu papel urbano, após as quase selvagens personagens que interpretou em Inverno da alma e Jogos vorazes (se bem que, de certa forma, sua Tiffany também mantenha as garras bem afiadas).

Os dois atores veteranos também estão ótimos, dando respaldo para o casal principal, e mais molho para a trama. Jacki Weaver (antes indicada ao Oscar por Reino animal, onde teve uma grande atuação, que infelizmente foi pouco vista) tem que conviver com dois homens de gênio forte (bota forte nisso), e mostra força e ternura, além de conseguir deixar sua marca, pois seria bem fácil se tornar uma personagem apagada atuando entre Bradley Cooper e Robert De Niro. Está sempre tendo que evitar que um desastre aconteça, e quando ele acontece, deve logo apagar as chamas. E Robert De Niro parece estar justamente querendo retirar sua carreira das cinzas. Após anos atuando, quase sempre, em papéis de pouco destaque (alguns até ridículos, deve-se ressaltar), ele volta à grande forma em O lado bom da vida. Não se tem aqui o Robert De Niro ameaçador, seguro, dos filmes que fez com Martin Scorsese. Aqui sua neurose está a mil, e ele tenta conviver com a frustração de ver seu filho não emplacar na vida, além de sua própria constante derrocada no meio de apostas e superstições estapafúrdias. Ele é a válvula de escape da comédia da trama, sem deixar de ser o mais triste personagem. O espectador ri, e concomitantemente se compadece dele.

Ao final, é difícil esconder o sorriso nos lábios, mesmo que o público não entenda bem o porquê de estar sorrindo. Em tese, cada espectador já viu centenas de filmes semelhantes. Mas este tem o indefinível algo a mais, que faz toda a diferença. O algo a mais que faz com que um homem se apaixone por uma mulher, e não por outra que até faria mais sentido, que seria muito mais adequada ao seu perfil. O lado bom da vida é apaixonante, como poucos filmes foram no Cinema recente. Tem Robert De Niro voltando a honrar seu glorioso passado. Tem David O. Russell provando que o sucesso de O vencedor não foi um evento isolado. Tem um Bradley Cooper cada vez mais se firmando como um ator respeitável. Tem uma trama deliciosa, mesmo que mais furada que queijo suíço. E tem a bela e inesquecível Jennifer Lawrence. É, talvez o sucesso de O lado bom da vida não seja tão inexplicável assim... Talvez ele seja como a canção “My chérie amour”, parecida com milhares de outras, mas que costuma ficar na cabeça de quem a escuta, mesmo se a pessoa for amante de Heavy Metal e odiar qualquer balada romântica. O desprezo intelectual, baseado em argumentos concretos, pode até despontar publicamente, até por uma questão de se manter uma fachada. Mas no fundo, bem lá no fundo, é possível que muito metaleiro curta a canção quando vê que não tem ninguém por perto para lhe azucrinar por isso. E em paz pode cantar baixinho, mesmo que com uma certa vergonha, os versos dela, com “La, la, la” e tudo:

Oh, chérie amour, pretty little one that I adore, you’re the only girl my heart beats for, how I wish that you were mine…

La, la, la, la, la, la
La, la, la, la, la, la

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