“My chérie amour, pretty little one that I
adore, you’re the only girl my heart beats for, how I wish that you were
mine...”
O personagem Pat, interpretado
por Bradley Cooper, enlouquece quando escuta (ou acha que escuta) esta canção
de Stevie Wonder, um lembrete de seu casamento e também de quando flagrou sua
esposa tendo um caso com um colega seu de trabalho. Bipolar, recentemente saído
(com condicional) de uma instituição, planeja se curar abandonando os
medicamentos e fazendo uso apenas de pensamentos e atitudes que julga
positivos, e, se possível, recuperar sua esposa. Volta a morar com seus pais, e
entra em choque constante com seu pai (Robert De Niro), um homem apaixonado
pelo Philadelphia Eagles (time de futebol americano) e extremamente
supersticioso, a ponto de deixar o espectador na dúvida sobre quem é o mais
doido, o pai ou o filho. E logo entra em contato com Tiffany (Jennifer
Lawrence), uma garota mais nova, recentemente viúva e com uma visão bem mais
negativa da vida, com problemas sérios de auto-estima.
Como esta trama funciona, e por
extensão o próprio filme O lado bom da vida, é um razoável mistério. O fato é
que este pequeno filme de David O. Russell (de O vencedor, Huckabees – A vida é
uma comédia e Três reis) conquistou os EUA, tanto a crítica como o público, e
conseguiu indicações de Peso para o Oscar, como Filme, Direção, Roteiro
adaptado e também nas quatro categorias de atuação, algo que não acontecia
desde Reds, dirigido por Warren Beatty, em 1981. O filme consegue conviver numa tênue
fronteira entre o drama, a comédia e o romance, sem forçar nunca para nenhum
lado. E é absolutamente charmoso, apesar de que, se for analisado friamente, ao
menos o roteiro, e várias das situações apresentadas, não fazem lá muito
sentido.
Mas O lado bom da vida não foi
feito para ser servido frio. Um espectador mais analítico e reflexivo
provavelmente jamais vai entender a mística do filme, e vai julgar que todos
enlouqueceram quando valorizaram o filme. E talvez tenha sua razão, pois o
filme se ancora mesmo em sua capacidade de tirar o espectador do estado cínico
habitual e fazê-lo embarcar nesta curiosa história, que por vezes é banal, e em
outras ocasiões totalmente alucinada. O lado bom da vida pulsa forte, e boa
parte disso se deve pela bela sintonia de seus quatro atores principais, todos
nas pontas dos cascos, e com indicações merecidas ao Oscar. O casal principal
tem uma bela química em tela, em um romance em muito baseado na aceitação das limitações
e neuroses alheias, em compreensão mútua, enfim. Bradley Cooper vem se firmando
com um ator mais “sério”, após ter ficado mundialmente conhecido pela comédia rasgada Se beber,
não case. Após estrelar recentemente As palavras e Sem limites (este,
inclusive, com Robert De Niro também), ele segue numa boa toada e mostra
complexidade em um difícil papel, que poderia ter facilmente caído numa
caricatura. É o ator do momento, assim como Jennifer Lawrence, que teve uma
ascensão ainda mais meteórica desde o excelente Inverno da alma, de 2010. Em
2012 mesmo estrelou um sucesso absurdo de público com Jogos vorazes, e
conseguiu com O lado bom da vida mais uma indicação de melhor Atriz (além de
ganhar o Globo de Ouro na categoria de Atriz de musical ou comédia). Ele é
parte fundamental da difícil explicação do mistério do sucesso deste filme. Dos
quatro, é a que tem a melhor atuação, e é a alma de O lado bom da vida, que
poderia ser apenas mais um filme de Sessão da tarde com uma atriz menos afiada.
Sua Tiffany tem profundidade e personalidade, é decidida, mas sabe a hora de pisar em ovos
e aguentar a constante lembrança de Pat por sua esposa. Ela carrega boa parte
da fatia de romance do enredo, sem torná-lo açucarado ou pouco crível (apesar
da trama não a ajudar nem um pouco neste sentido). Com 22 anos de idade, ela já
é uma inegável estrela, e lida bem com seu papel urbano, após as quase
selvagens personagens que interpretou em Inverno da alma e Jogos vorazes (se
bem que, de certa forma, sua Tiffany também mantenha as garras bem afiadas).
Os dois atores veteranos também
estão ótimos, dando respaldo para o casal principal, e mais molho para a trama.
Jacki Weaver (antes indicada ao Oscar por Reino animal, onde teve uma grande
atuação, que infelizmente foi pouco vista) tem que conviver com dois homens de
gênio forte (bota forte nisso), e mostra força e ternura, além de conseguir
deixar sua marca, pois seria bem fácil se tornar uma personagem apagada atuando
entre Bradley Cooper e Robert De Niro. Está sempre tendo que evitar que um
desastre aconteça, e quando ele acontece, deve logo apagar as chamas. E
Robert De Niro parece estar justamente querendo retirar sua carreira das
cinzas. Após anos atuando, quase sempre, em papéis de pouco destaque (alguns
até ridículos, deve-se ressaltar), ele volta à grande forma em O lado bom da
vida. Não se tem aqui o Robert De Niro ameaçador, seguro, dos filmes que fez
com Martin Scorsese. Aqui sua neurose
está a mil, e ele tenta conviver com a frustração de ver seu filho não emplacar
na vida, além de sua própria constante derrocada no meio de apostas e
superstições estapafúrdias. Ele é a válvula de escape da comédia da trama, sem
deixar de ser o mais triste personagem. O espectador ri, e concomitantemente se
compadece dele.
Ao final, é difícil esconder o
sorriso nos lábios, mesmo que o público não entenda bem o porquê de estar
sorrindo. Em tese, cada espectador já viu centenas de filmes semelhantes. Mas
este tem o indefinível algo a mais, que faz toda a diferença. O algo a mais que
faz com que um homem se apaixone por uma mulher, e não por outra que até faria
mais sentido, que seria muito mais adequada ao seu perfil. O lado bom da vida é
apaixonante, como poucos filmes foram no Cinema recente. Tem Robert De Niro voltando
a honrar seu glorioso passado. Tem David O. Russell provando que o sucesso de O
vencedor não foi um evento isolado. Tem um Bradley Cooper cada vez mais se
firmando como um ator respeitável. Tem uma trama deliciosa, mesmo que mais
furada que queijo suíço. E tem a bela e inesquecível Jennifer Lawrence. É,
talvez o sucesso de O lado bom da vida não seja tão inexplicável assim... Talvez
ele seja como a canção “My chérie amour”, parecida com milhares de outras, mas
que costuma ficar na cabeça de quem a escuta, mesmo se a pessoa for amante de
Heavy Metal e odiar qualquer balada romântica. O desprezo intelectual, baseado
em argumentos concretos, pode até despontar publicamente, até por uma questão
de se manter uma fachada. Mas no fundo, bem lá no fundo, é possível que muito
metaleiro curta a canção quando vê que não tem ninguém por perto para lhe
azucrinar por isso. E em paz pode cantar baixinho, mesmo que com uma certa vergonha, os
versos dela, com “La, la, la” e tudo:
“Oh, chérie amour, pretty little one that I
adore, you’re the only girl my heart beats for, how I wish that you were mine…
La, la, la, la, la, la
La, la, la, la, la, la“
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