2012 foi um ano badalado para a
memória de Alfred Hitchcock. Primeiramente a HBO fez para a TV americana o
filme The girl, com Toby Jones como o Mestre do suspense e Sienna Miller como
Tippi Hedren. Um filme que incomodou muitos fãs de Hitchcock por mostrá-lo sob
uma ótica mais pesada, de homem que perdeu totalmente a linha na tentativa de
sedução à Tippi Hedren. Este filme do diretor Sacha Gervasi, porém, joga uma luz
bem mais suave em cima do diretor inglês, reconhecendo alguns de seus notórios
defeitos, mas em um tom mais reverente para com ele, até por retratar um
período muito feliz (mesmo que atribulado) de sua vida, o da produção de
Psicose, um dos maiores clássicos do Cinema de todos os tempos, que foi um
fenômeno de bilheteria e valorizou muito o gênero Terror, além de mudar
inclusive a forma com que as pessoas iam ao Cinema (terminando com o antigo
hábito de muitos chegarem no meio de uma sessão), para que o charme e os segredos
de Psicose não se perdessem.
Hitchcock vinha num embalo
fenomenal desde 1954, enfileirando grandes sucessos icônicos como Janela
indiscreta, Disque M para matar, Ladrão de casaca, O homem que sabia demais (a refilmagem de 1956) e
Intriga internacional, e mais dois então vistos como “artísticos”, O homem errado e
Um corpo que cai, que foram razoavelmente ignorados na época (o filme Hitchcock
até brinca com isso), mas que depois cresceram em muito de prestígio
(principalmente Um corpo que cai, recentemente eleito o melhor filme da
História pela Sight & Sound). E Psicose foi seu ápice, agradando em cheio,
de imediato, tanto a crítica quanto o público (e foi seu maior sucesso de
bilheteria). Mas a produção dele, como de quase todo filme, foi atribulada, até
por Hitchcock ter trabalhado ali muito com sua equipe de seus programas de TV,
para baratear custos. O filme de Sacha Gervasi, baseado no livro de Stephen
Rebello sobre a produção de Psicose, e com roteiro de John J. McLaughlin (Cisne
negro), dramatiza um pouco mais a história, acrescentando tintas extras para
encorpar a história (Hitchcock não corria tanto perigo financeiro com o filme,
até por ele ter sido barato), algo presente a quase todos os tais filmes “baseados
em fatos reais”.
A experiência de assistir o filme
é muito agradável, principalmente para os cinéfilos de plantão (o espectador
comum perde parte da graça por não conhecer de antemão situações e pessoas
apresentadas). Gervasi, porém, preferiu dividir atenções entre a relação de
Hitchcock (Anthony Hopkins) com sua esposa Alma Reville (Helen Mirren), junto
com a produção de Psicose. E isto pode frustrar parte dos cinéfilos, pois, no
fundo, o filme não conta nada de realmente novo para quem conhece razoavelmente
bem a produção do clássico de 1960. Curiosamente, nem mostra aspectos
engraçados como Hitchcock mandar duas vezes a mesmíssima edição para os
censores da famosa cena do chuveiro, onde estes viram coisas diferentes em cada
“versão” apresentada, como aconteceu realmente. Também, estranhamente, oculta a
presença de Patricia Hitchcock, filha do casal e que tinha feito uma pequena
participação em Psicose (a última em um filme de seu pai). Talvez a intenção fosse mesmo focar na relação de
Alfred e Alma. Anthony Hopkins tem, aqui, uma atuação muito parecida com a que
apresentou em Nixon, de Oliver Stone, pois ele não se parece muito com
Hitchcock (nem fisicamente, nem no tom de voz), mas aos poucos vai envolvendo o
público e isto deixa de ser um problema. Não tem nenhuma atuação lendária,
longe disso, mas é firme o suficiente para carregar o filme. Porém, deve-se
ressaltar que Toby Jones, em The girl, estava muito mais convincente como o Mestre
do suspense, com uma voz igualzinha, e numa atuação mais rica também. Helen
Mirren também não lembra muito fisicamente a Alma Reville (Imelda Staunton, em
The girl, estava muito mais parecida com ela). Aliás, nenhum ator está muito
parecido com a personagem que retratava, com a exceção de James D’Arcy como
Anthony Perkins, que infelizmente atua por pouco tempo (o porquê deste filme
ter recebido indicação ao Oscar na categoria de maquiagem é um mistério). Mas
Helen Mirren tem uma atuação mais rica (a melhor do filme, na verdade), em uma obra
que parece ter a bandeira de mostrar sua importância para a carreira de
Hitchcock, que nem ele mesmo negava. Tudo passava por suas mãos, e sua opinião
era sempre a mais importante para seu marido. Este filme atesta que ao lado do
grande diretor tinha uma mulher pequena em estatura, mas gigante em espírito,
que se satisfazia em ficar nos bastidores, enquanto seu marido amava ficar sob
o maior número de holofotes possível.
Com um ritmo leve e aprazível, e
contando com o que de fato são breves participações especiais de Scarlett
Johansson (como Janet Leigh), Jessica Biel (Vera Miles), Toni Collette, Richard
Portnow, Danny Huston, Ralph Macchio e Kurtwood Smith, Hitchcock agrada aos
olhos e ao espírito, remetendo ao auge de um cineasta que sempre visou a
satisfação de seu público, mesmo que o fizesse aterrorizando-o. E conseguiu
isso com Psicose, um filme perfeito que ainda tem enorme impacto, ajudado por
uma equipe genial (Bernard Herrmann, Saul Bass, todo o elenco, etc.). E, claro,
contando com a ajuda da eterna Alma Reville, que foi quem impulsionou sua
carreira desde o início, quando ele era um reles ilustrador de intertítulos de
uma sucursal da Paramount na Inglaterra no princípio da década de 20. Mas por
volta de 1960, ele já era um figurão, e convenceu a própria Paramount a
ajudá-lo na produção deste clássico. Sacha Gervasi consegue mostrar um pouco
desse homem, da mulher que sempre o defendeu de tudo (principalmente de seus
próprios temores e neuroses), e também alguns aspectos da produção de um de
seus maiores filmes. Mas não consegue nem de perto a contundência que
conseguira com o documentário Anvil: The story of Anvil (um fascinante
acompanhamento de uma banda de metaleiros que prossegue por décadas no
anonimato). Ele deixa um gostinho de “quero mais” no espectador, e uma sensação
de que quis mais imprimir a lenda do que contar a história real do diretor. Junto
com The girl, este Hitchcock acaba funcionando de forma complementar para o público,
pois as lacunas deste filme são os méritos do outro, e vice-versa. Não foi
feito o filme definitivo sobre o célebre diretor inglês ainda, mas ambos tem o seu lugar e
cumprem o papel de peças que ajudam a tentar completar o quebra-cabeças que foi
o enigmático e taciturno Alfred Hitchcock.
3 comentários:
Achei um tanto quanto decepcionante. O foco está voltado muito mais para a crise conjugal do casal Hitchcock, envolvendo um possível adultério da Alma, do que para a produção de Psicose e, principalmente, para o talento do diretor, que aparece mais como uma mente perturbada e frágil, que se apoia integralmente na esposa para dar cada passo. Sei que ela foi fundamental em sua carreira, mas fiquei com a impressão de que houve um certo exagero aqui, quase deixando, nas entrelinhas, a ideia de que ela era a verdadeira alma (com o perdão do trocadilho) de todo o sucesso que o Alfred alcançou.
Eu já fui ver este filme com expectativas mais reduzidas, já sabedor de uma certa rejeição que ele sofreu nos EUA. Acho que isso ajudou a que o achasse agradável, mas de fato é um filme que não elucida nada de novo na vida dele.
A Alma Reville foi muito importante para ele sim, era o Norte na bússola do Hitchcock, quem lhe dava sustentação. Claro que o Hitchcock era o mais importante ali, mas sem ela ele ficaria meio perdido, ele buscava o tempo todo sua opinião, e o Hitchcock era uma pessoa emocionalmente muito instável. Não sou desses que necessariamente acha que "por trás de um grande homem sempre está uma grande mulher", porque em alguns casos as esposas podem até atrapalhar os maridos (e, claro, o contrário também existe, maridos que atrapalham grandes mulheres). Mas no caso de Hitchcock e Alma Reville, acho que este ditado se aplica mesmo.
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