Em Atrás da porta, István Szabó
volta a trabalhar com temas caros à sua cinematografia, como a resistência (ou
não) à corrupção de valores pessoais, e a briga pelos artistas frente a um
ambiente bruto e hostil. Desta vez, porém, ele o faz numa escala bem menor do
que fez em seus consagrados Mephisto (vencedor do Oscar de filme estrangeiro de
1981) e Coronel Redl, por exemplo. Com uma vida atribulada, envolto inclusive
em um escândalo recente onde teria sido acusado de delatar colegas na Hungria Comunista nos anos 50 e 60, Szabó teve que andar em
uma constante corda bamba para conseguir continuar filmando, mesmo sob as pressões
constantes de um regime político tão severo em seu país. A ponto de alguns críticos seus verem
em Mephisto (um filme sobre um artista alemão que inicialmente se beneficia de
sua ligação com nazistas, e depois vai sendo pressionado pelos mesmos), como uma obra de teor autobiográfico.
Desta vez, porém, a biografia
retratada é a da escritora e autora do livro que gerou este filme, Magda Szabó
(apesar do sobrenome, não é parente de István), que também sofreu pressões e
censuras do regime comunista, e teve que inclusive dar aulas no interior da
Hungria por um tempo. Magda inclusive é também o nome da personagem de Martina
Gedeck (de A vida dos outros e O grupo Baader Meinhof), que juntamente com seu
marido Tibor (Károly Eperjes), ambos intelectuais, precisa arrumar alguém para
fazer todo o serviço caseiro. Com dificuldade, conseguem finalmente contratar
Emerenc (Helen Mirren), que é competente em seu serviço, mas é uma pessoa bastante
difícil de lidar. Ela trabalha quando acha adequado, é rebelde e orgulhosa, tem
um gênio muito forte, e seu estilo cria constantes fagulhas com o de Magda. O
embate constante entre uma mulher ligada à natureza e aos animais, que trabalha
pesado desde quando era muito criança, com uma escritora intelectual, produz
alguns dos melhores momentos de Atrás da porta. Aliás, talvez os únicos, porque
o filme de fato praticamente só se detém nesta questão. O filme é a relação
entre as duas, não resta muita trama fora isso.
Martina Gedeck faz um trabalho
correto como Magda, conseguindo não ser por demais eclipsada por Helen Mirren.
Mas é claro que Helen Mirren é a razão de ser do filme. Sem ela, Atrás da porta
seria um filme para sair direto na TV, até por ter um escopo bastante modesto. István
Szabó fez questão de esperar um bom tempo por ela, que estava com a agenda
cheia. Fez bem. Atuando sem qualquer maquiagem, e até envelhecida, ela dá
dignidade e credibilidade a Emerenc, em um papel que à primeira vista seria o
total oposto da Elizabeth II que ela interpretou em A rainha, mas que guarda
alguma semelhança no orgulho e na pouca flexibilidade destas duas personagens.
Emerenc tem critérios rígidos de conduta, e não permite muitos desvios nem
seus, nem dos outros. Guarda sua privacidade como ninguém, a ponto de não
deixar nunca alguém entrar em sua casa (daí o título em português do filme).
Ela representa como uma defesa pessoal dos húngaros à natural intromissão
comunista, que prezava praticamente um clima de privacidade zero. Emerenc é
capaz de bastante afeto, mas demonstrado de seu jeito, a conta-gotas. Confia
mais nos animais do que nas pessoas, e é difícil julgá-la por isso, em um
ambiente tão hostil. E desconfia ainda mais de intelectuais, que se debruçam
demais em livros e não fazem trabalhos caseiros simples. Em sua visão de mundo, se identifica mais com Jesus
do que com Deus, pois Jesus ela via como um real trabalhador, filho de
trabalhadores, como ela. Já um pretenso ser divino, cheio de poderes, que não
punha fim aos horrores da guerra e, depois, do comunismo, estava acima de sua
compreensão.
As duas atrizes fazem o seu
trabalho, apoiado por um elenco coadjuvante apenas discreto, até por muitos
serem claramente dublados em inglês e não estarem muito à vontade. Ser falado
em inglês já demonstra o quanto Atrás da porta foi feito visando o mercado
internacional, tendo em vista ser uma co-produção húngaro-germânica. István
Szabó declarou ter tido dificuldades com isso, por não dominar propriamente a
língua inglesa, mas isto não foi um empecilho para o belo Adorável Julia, que
dirigira em 2004, com Annette Bening e Jeremy Irons, ou para o seu épíco
Sunshine – O despertar de um Século, de 1999, com Ralph Fiennes e Rachel Weisz. Apesar de que o ideal é que o
filme fosse falado em húngaro, este não é o maior problema de Atrás da porta. Se
István Szabó teve méritos na condução das duas atrizes, o mesmo não se pode
dizer do andamento da trama. O filme parece por demais episódico, pulando
abruptamente de partes interessantes para outras menos relevantes, o que prejudica
a inserção do público na história. A edição do filme parece mutilada, quase
como se fosse um filme húngaro de 50 anos atrás, todo censurado, com cortes
muito estranhos, sem o menor sentido. Réka Lémhenyi, o editor, com certeza teve
sua culpa, mas como diretor Szabó tinha a obrigação de saber conduzir melhor
uma trama, ainda mais uma tão simples como esta. Ele parece aqui pouco
imaginativo e por vezes burocrático mesmo, quase como se só estivesse
preocupado em apenas registrar aquelas atrizes. A trilha sonora, escorada em Robert
Schumann, e a bela fotografia de Elemér Ragályi fazem o possível para enobrecer
o filme, mas István Szabó parece, desta vez, só ter tido olhos para conduzir as
duas atrizes principais mesmo.
Desta feita, Atrás da porta acaba
sendo muito mais um filme de Helen Mirren do que de István Szabó. Seus fãs não
sairão desapontados, aqui ela tem mais uma grande atuação, de uma atriz
veterana que domina a câmera como ninguém. Sua Emerenc domina o filme e faz o
espectador pensar na força, quieta rebeldia e determinação daquela mulher, que
faz o possível para manter sua modesta vida inexpugnável. Se é bruta e inculta,
em compensação tem uma solidez de uma rocha, e impressiona Magda, que aos
poucos começa a entender aquela estranha empregada sua. A convivência próxima
entre uma camponesa simplória e uma intelectual respeitada garante o interesse
do filme, e que ele angarie o interesse de ao menos uma parcela do público.
Atrás da porta é um filme pequeno, modesto, e com uma porção de defeitinhos.
Mas tem uma Helen Mirren perfeita. O que já é o bastante para muita gente.
3 comentários:
Achei que Helen Mirren poderia ter sido um pouco mais sutil na sua rudeza. Aninda assim faria o contrapinto a personagem de Magda que me encanta com sua presença cênica mesmo quando não há fala. Penso que o personagem de Magda sim, é que faz a demarcação entre si e a frieza do personagem de Helen. Esta também tem um "defeitinho" na construção de Emerenc.
Achei que Helen Mirren poderia ter sido um pouco mais sutil na sua rudeza. Aninda assim faria o contrapinto a personagem de Magda que me encanta com sua presença cênica mesmo quando não há fala. Penso que o personagem de Magda sim, é que faz a demarcação entre si e a frieza do personagem de Helen. Esta também tem um "defeitinho" na construção de Emerenc.
Esse filme que eu amei, a direção e o roteiro eram perfeitos, eu definitivamente veria isso de novo! Adoro o estilo dela, além de inteligente para escolher os projetos no que trabalha, faz pouco tempo que a vi em Beleza Oculta e acho que é extraordinária. Sei que a vão passar na TV, é algo muito diferente aos que estávamos acostumados a ver.
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