terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

As sessões (The sessions – 2012)




O diretor Ben Lewin teve poliomielite aos 6 anos de idade, o que acabou lhe forçando a usar uma bengala pelo resto da vida. Poderia ter sido muito pior, e não surpreende que tenha se emocionado ao ler o relato de Mark O’Brien em “On seeing a sex surrogate”, texto de um homem que também teve a mesma doença (e com a mesma idade) de Lewin, mas que ficou confinado a passar boa parte de sua vida em um pulmão de aço para conseguir respirar, e com quase todo o corpo paralisado e deformado por uma doença nada misericordiosa. O relato de Mark O’Brien e sua busca por, aos 38 anos, finalmente tentar começar uma vida sexual, em meio a temores mil, é de fato fascinante e encontrou o receptor perfeito em um diretor naturalmente empático ao seu suplício.

Mark O’Brien, um poeta muito mais do que um deficiente físico, já tivera antes sua vida registrada no Cinema em Breathing lessons: The life and work of Mark O’Brien, que ganhou o Oscar de curta de documentário de 1996, que fora dirigido por Jessica Yu. As sessões é um filme de ficção, mas ancorado na vida real (mais do que a maioria dos filmes que assumem esta chancela), até por também se basear em relatos de Cheryl Cohen Greene, a terapeuta sexual (que sempre tem que explicar que não é uma prostituta) que tenta atender a um cliente tão inocente, reprimido e de certa forma apavorado como Mark. Helen Hunt se interessou muito pelo filme justamente após entrar em contato com Cheryl, onde viu o quanto esta tinha orgulho de seu trabalho, que em sua opinião ajudava muitas pessoas como Mark a enxergarem o sexo como algo natural. De fato As sessões é dos filmes americanos que mais encara o ato sexual de frente, sem filtros excessivamente eróticos ou quase místicos. Helen Hunt por diversas vezes está totalmente nua em tela, de acordo com o estado de espírito e o profissionalismo de sua personagem. Cheryl tenta ser a voz da aceitação e da tranquilidade a um personagem tão compreensivelmente complexo como o de Mark, mas ela também tem seus problemas, com a carência que sente por sentir seu marido e filho tão pouco afetuosos com ela (Helen Hunt fez por merecer sua indicação de atriz coadjuvante no Oscar, a única do filme). As sessões tem o mérito de evitar se debruçar apenas no personagem principal, acrescentando complexidade ao filme ao dar um certo espaço para quem está em torno de Mark, como o padre que o aconselha (William H. Macy) e suas ajudantes (Moon Bloodgood e Annika Marks).

Mesmo assim, é claro que o foco principal é em Mark, e John Hawkes tem um brilhante trabalho em retratá-lo. Um ator que vem obtendo grande destaque nos últimos anos (principalmente com Inverno da alma e Martha Marcy May Marlene, e com atuação também em Lincoln, de Steven Spielberg), mas que demorou muito a se firmar, atuando no Cinema desde 1985. Aparentando bem menos que a sua idade real (52 anos durante as filmagens), ele convence neste difícil papel, onde se preparou longamente, aprendendo a escrever e teclar num computador com a boca e, principalmente, fazendo uso do que chamou de “bola de tortura”, uma espuma grande que colocava em suas costas para simular a curvatura na espinha que o verdadeiro Mark O’Brien tinha. Seu esmero foi tão grande que alguns de seus órgãos saíram de suas posições naturais, e ele acabou tendo um real desvio de coluna que lhe causou (e ainda causa) algumas dores. Se tal sacrifício valeu a pena só o ator pode dizer, mas ao menos seu trabalho na tela parece impecável (foi realmente esnobado por não ter sido indicado ao Oscar de melhor ator). Ele demonstra grande humanidade e fragilidade, e vai conquistando os outros personagens (e o público) com sua franqueza e suas palavras. É curioso ver como os namorados e maridos de suas ajudantes sentem ciúmes dele, mesmo sendo um homem com limitações físicas tão grandes. O que lhe falta em locomoção, sobra em atenção e carinho para com as mulheres de sua vida. Após a inevitável resistência inicial que todas têm com ele, seu lado poeta acaba se sobrepujando sobre sua aparência e limitação física.

John Hawkes e Ben Lewin desde o começo quiseram retratar a trama de forma a evitar qualquer autopiedade do personagem. Isto evita que o filme seja daqueles de causar prantos coletivos no Cinema. Curiosamente, As sessões é até um filme razoavelmente leve e bem-humorado, que surpreende os que eventualmente o assistem com temor de encarar uma trama barra-pesada. Talvez apenas a nudez frontal de Helen Hunt possa afastar parte do público, pois se  este aspecto não existisse poderia ser até um filme exibível de tarde na TV aberta, dentro de poucos anos. Se tal tratamento atrai mais público, e alivia o espírito de quem assiste o filme, em contrapartida também tira um pouco o potencial de As sessões. É como se o diretor e roteirista Ben Lewin tivesse exagerado ao tirar o tempero da história, fugido com tanta vontade do pranto e da maioria das agruras da vida de Mark O’Brien, que fizesse um filme um pouco leve demais. A mesma câmera que desnuda a Cheryl de Helen Hunt teme chocar o público ao mostrar o corpo retorcido de Mark O’Brien, por exemplo. Ao mesmo tempo, os temores dele no texto “On seeing a sex surrogate”, inclusive seu fatalismo e pessimismo depois das sessões retratadas no filme, são praticamente ignorados na trama, e lamenta-se isso pois poderia criar um enredo ainda mais fascinante, ainda que menos triunfalista. As sessões é um filme independente americano, exibido com sucesso no Festival de Sundance e tudo o mais, mas em alguns aspectos se assemelha a uma produção B de grande estúdio (pelo orçamento modesto, não pela qualidade), pois parece pensar demais na aceitação do público durante sua produção, se esforça em criar uma obra mais palatável a todos.

Aos interessados em ver uma bela história, muito bem atuada (principalmente por John Hawkes, Helen Hunt e William H. Macy), com um tratamento tranquilo e frontal sobre sexo, e uma dose razoável de romantismo inocente à moda antiga, As sessões tem tudo para satisfazer. É daqueles pequenos filmes que deixam um gosto doce e suave na boca. Consegue a inusitada distinção de ser um filme sobre uma vítima de poliomielite com um tom otimista e agradável. Aos mais interessados em uma análise mais incisiva de pessoas em situações semelhantes à de Mark O’Brien, porém, sente-se a falta de mais tempero. Principalmente para quem experimentou o próprio belo texto de Mark O’Brien, que gerou o filme, ou devorou obras como o livro da brasileira (também vítima de pólio) Eliana Zagui, “Pulmão de aço”. São obras mais abertas ao conflito interno dos personagens, e a passagens otimistas e pessimistas, sem pesar demais para um lado ou outro. Sobrou boa vontade e faltou um pouco de acidez para As sessões. Esta acidez pode até afastar parte do público, mas poderia aproximar mais o filme de Ben Lewin do status de um novo clássico, que ele poderia perfeitamente ostentar com um pouco mais de coragem.

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