quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Atrás da porta (The door – 2011)




Em Atrás da porta, István Szabó volta a trabalhar com temas caros à sua cinematografia, como a resistência (ou não) à corrupção de valores pessoais, e a briga pelos artistas frente a um ambiente bruto e hostil. Desta vez, porém, ele o faz numa escala bem menor do que fez em seus consagrados Mephisto (vencedor do Oscar de filme estrangeiro de 1981) e Coronel Redl, por exemplo. Com uma vida atribulada, envolto inclusive em um escândalo recente onde teria sido acusado de delatar colegas na Hungria Comunista nos anos 50 e 60, Szabó teve que andar em uma constante corda bamba para conseguir continuar filmando, mesmo sob as pressões constantes de um regime político tão severo em seu país. A ponto de alguns críticos seus verem em Mephisto (um filme sobre um artista alemão que inicialmente se beneficia de sua ligação com nazistas, e depois vai sendo pressionado pelos mesmos), como uma obra de teor autobiográfico.

Desta vez, porém, a biografia retratada é a da escritora e autora do livro que gerou este filme, Magda Szabó (apesar do sobrenome, não é parente de István), que também sofreu pressões e censuras do regime comunista, e teve que inclusive dar aulas no interior da Hungria por um tempo. Magda inclusive é também o nome da personagem de Martina Gedeck (de A vida dos outros e O grupo Baader Meinhof), que juntamente com seu marido Tibor (Károly Eperjes), ambos intelectuais, precisa arrumar alguém para fazer todo o serviço caseiro. Com dificuldade, conseguem finalmente contratar Emerenc (Helen Mirren), que é competente em seu serviço, mas é uma pessoa bastante difícil de lidar. Ela trabalha quando acha adequado, é rebelde e orgulhosa, tem um gênio muito forte, e seu estilo cria constantes fagulhas com o de Magda. O embate constante entre uma mulher ligada à natureza e aos animais, que trabalha pesado desde quando era muito criança, com uma escritora intelectual, produz alguns dos melhores momentos de Atrás da porta. Aliás, talvez os únicos, porque o filme de fato praticamente só se detém nesta questão. O filme é a relação entre as duas, não resta muita trama fora isso.

Martina Gedeck faz um trabalho correto como Magda, conseguindo não ser por demais eclipsada por Helen Mirren. Mas é claro que Helen Mirren é a razão de ser do filme. Sem ela, Atrás da porta seria um filme para sair direto na TV, até por ter um escopo bastante modesto. István Szabó fez questão de esperar um bom tempo por ela, que estava com a agenda cheia. Fez bem. Atuando sem qualquer maquiagem, e até envelhecida, ela dá dignidade e credibilidade a Emerenc, em um papel que à primeira vista seria o total oposto da Elizabeth II que ela interpretou em A rainha, mas que guarda alguma semelhança no orgulho e na pouca flexibilidade destas duas personagens. Emerenc tem critérios rígidos de conduta, e não permite muitos desvios nem seus, nem dos outros. Guarda sua privacidade como ninguém, a ponto de não deixar nunca alguém entrar em sua casa (daí o título em português do filme). Ela representa como uma defesa pessoal dos húngaros à natural intromissão comunista, que prezava praticamente um clima de privacidade zero. Emerenc é capaz de bastante afeto, mas demonstrado de seu jeito, a conta-gotas. Confia mais nos animais do que nas pessoas, e é difícil julgá-la por isso, em um ambiente tão hostil. E desconfia ainda mais de intelectuais, que se debruçam demais em livros e não fazem trabalhos caseiros simples. Em sua visão de mundo, se identifica mais com Jesus do que com Deus, pois Jesus ela via como um real trabalhador, filho de trabalhadores, como ela. Já um pretenso ser divino, cheio de poderes, que não punha fim aos horrores da guerra e, depois, do comunismo, estava acima de sua compreensão.

As duas atrizes fazem o seu trabalho, apoiado por um elenco coadjuvante apenas discreto, até por muitos serem claramente dublados em inglês e não estarem muito à vontade. Ser falado em inglês já demonstra o quanto Atrás da porta foi feito visando o mercado internacional, tendo em vista ser uma co-produção húngaro-germânica. István Szabó declarou ter tido dificuldades com isso, por não dominar propriamente a língua inglesa, mas isto não foi um empecilho para o belo Adorável Julia, que dirigira em 2004, com Annette Bening e Jeremy Irons, ou para o seu épíco Sunshine – O despertar de um Século, de 1999, com Ralph Fiennes  e Rachel Weisz. Apesar de que o ideal é que o filme fosse falado em húngaro, este não é o maior problema de Atrás da porta. Se István Szabó teve méritos na condução das duas atrizes, o mesmo não se pode dizer do andamento da trama. O filme parece por demais episódico, pulando abruptamente de partes interessantes para outras menos relevantes, o que prejudica a inserção do público na história. A edição do filme parece mutilada, quase como se fosse um filme húngaro de 50 anos atrás, todo censurado, com cortes muito estranhos, sem o menor sentido. Réka Lémhenyi, o editor, com certeza teve sua culpa, mas como diretor Szabó tinha a obrigação de saber conduzir melhor uma trama, ainda mais uma tão simples como esta. Ele parece aqui pouco imaginativo e por vezes burocrático mesmo, quase como se só estivesse preocupado em apenas registrar aquelas atrizes. A trilha sonora, escorada em Robert Schumann, e a bela fotografia de Elemér Ragályi fazem o possível para enobrecer o filme, mas István Szabó parece, desta vez, só ter tido olhos para conduzir as duas atrizes principais mesmo.

Desta feita, Atrás da porta acaba sendo muito mais um filme de Helen Mirren do que de István Szabó. Seus fãs não sairão desapontados, aqui ela tem mais uma grande atuação, de uma atriz veterana que domina a câmera como ninguém. Sua Emerenc domina o filme e faz o espectador pensar na força, quieta rebeldia e determinação daquela mulher, que faz o possível para manter sua modesta vida inexpugnável. Se é bruta e inculta, em compensação tem uma solidez de uma rocha, e impressiona Magda, que aos poucos começa a entender aquela estranha empregada sua. A convivência próxima entre uma camponesa simplória e uma intelectual respeitada garante o interesse do filme, e que ele angarie o interesse de ao menos uma parcela do público. Atrás da porta é um filme pequeno, modesto, e com uma porção de defeitinhos. Mas tem uma Helen Mirren perfeita. O que já é o bastante para muita gente. 

3 comentários:

Unknown disse...

Achei que Helen Mirren poderia ter sido um pouco mais sutil na sua rudeza. Aninda assim faria o contrapinto a personagem de Magda que me encanta com sua presença cênica mesmo quando não há fala. Penso que o personagem de Magda sim, é que faz a demarcação entre si e a frieza do personagem de Helen. Esta também tem um "defeitinho" na construção de Emerenc.

Unknown disse...

Achei que Helen Mirren poderia ter sido um pouco mais sutil na sua rudeza. Aninda assim faria o contrapinto a personagem de Magda que me encanta com sua presença cênica mesmo quando não há fala. Penso que o personagem de Magda sim, é que faz a demarcação entre si e a frieza do personagem de Helen. Esta também tem um "defeitinho" na construção de Emerenc.

Camila Navarro disse...

Esse filme que eu amei, a direção e o roteiro eram perfeitos, eu definitivamente veria isso de novo! Adoro o estilo dela, além de inteligente para escolher os projetos no que trabalha, faz pouco tempo que a vi em Beleza Oculta e acho que é extraordinária. Sei que a vão passar na TV, é algo muito diferente aos que estávamos acostumados a ver.