É estranho se analisar um western de 1916, talvez até por estar tão próximo da própria época que retratava, que hoje nos parece tão distante. Era tudo ainda bem recente e não tão “histórico” assim. Para se ter uma idéia, este aqui fez parte de uma verdadeira leva de westerns produzidos no esteio do cinqüentenário da Guerra Civil americana, e seu astro, William S. Hart, inclusive nascera nesta época (em 1864) e era amigo íntimo de Wyatt Earp! A coisa toda é tão antiga que John Gilbert, depois famoso por suas parcerias com Greta Garbo, neste filme é só um extra (reconhecível, por sinal)...
O que surpreende é que o filme não é muito convencional, ele sai um pouco daquele esquemão industrial de westerns de um e dois rolos da época (até pela metragem, pois trata-se de um “longa” de 64 minutos). A parte besta, digamos assim, fica por conta de parte da trama, que trata de um padre e sua irmã tendo que cuidar de uma paróquia em uma cidade corrompida do velho oeste, com tudo bem esquemático, claramente dividido entre os “bons” e os “maus”. William S. Hart a princípio é o maior dos vilões, mas muda de casaca instantaneamente ao ver a tal irmã do padre (Clara Williams, que fez muitas parcerias com Hart), e enxergar toda a bondade do mundo nela... ou seja, é complicado engolir mudança tão súbita no personagem dele. Mas relevando-se isso, o filme tem muitos méritos. A começar pelo próprio William S. Hart. Ator egresso dos palcos (atuava até em peças de Shakespeare) e dos primórdios do cinema (foi o Messala do “Ben-Hur” de... 1907!), e com todo este “background” do velho oeste nas veias, ele tinha um grande carisma e naturalmente entendeu que o ideal seria não aderir às caras e bocas tão comuns das atuações da época. Geralmente ele está com a cara dura, bem séria, convincente como um homem de ação, a ponto de, mesmo em um filme em que só “apresenta serviço” no final, sempre nos convencer de que é capaz de botar pra quebrar. É uma espécie de John Wayne do cinema mudo: Gostamos dele, mesmo quando não faz nada demais. Ele convence só pelo seu semblante. E o fato dele ter 52 anos na época das filmagens é impressionante, o homem deve ter descoberto a fonte da juventude e não contou para ninguém, porque ele aparenta muito menos, estava em ótima forma.
Mas o que chama mesmo a atenção no filme, e o faz valer a pena ser assistido, é seu tom pessimista e, principalmente, ousado. O padre, por exemplo, é um fraco, um péssimo pastor de almas que, em pouco tempo, cede às tentações, vira um bêbado e começa a ter relações com as prostitutas da cidade (e isso é mostrado explicitamente, com ele na cama com uma delas)! E, ao final, William S. Hart salva a mocinha sim, mas praticamente só isso, não há uma redenção ou sequer um “final feliz”. Inclusive, o final do filme é muito forte, tendo até uma longa cena de uma construção em chamas que muito remete a “O sacrifício”, de Tarkovsky, e com eventos que lembram os finais de filmes como “O estranho sem nome” e “Os imperdoáveis”. Em termos de ousadia, trata-se de um filme mais avançado do que praticamente toda a produção americana no gênero até os anos 50! Só mesmo nos anos 60, com Sam Peckinpah (e com os italianos, liderados por Sergio Leone) que o western voltaria a ter este enfoque mais selvagem que se observa em “Hell’s hinges”.
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