quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os nomes do amor (Le nom des gens – 2010)




Os nomes do amor é um filme que brinca bastante com os estereótipos e preconceitos étnicos e culturais. A ponto de desconstruí-los, pois praticamente nada no filme segue o convencional. Nesta comédia dirigida por Michel Leclerc, o tímido e caretão cientista de meia-idade Arthur Martin (Jacques Gamblin), com um nome batidíssimo na França (e que evoca o de uma linha de eletrodomésticos, o que sempre gera piadinhas), em tese seria o próprio francês padrão. Mas o passado judeu de sua família por vezes tenta aflorar (com sofrimento do Holocausto e tudo o mais), complicando um pouco esta identificação básica. Ele, por ironia do destino, se envolve com uma muçulmana, descendente de argelinos, chamada Baya (que, curiosamente, muitos franceses pensam ser o nome de uma brasileira), interpretada por Sara Forestier, que não tem nada da mulher recatada, caseira e de burca que acostumamos a imaginar. Longe disso. Ela é sexualmente liberadíssima, a ponto de usar o sexo como forma de converter homens de direita para causas de esquerda (mas se surpreende ao ver que Arthur Martin não é o “fascista” que imaginava). Os dois se enxergam como franceses, mas e o resto do país? Os vê como franceses? Entende seus respectivos pais como franceses? O que significa, no Século XXI, ser um francês?

Este mix cultural, que no Brasil é uma coisa natural e mesmo característica do país, na França é mais recente e ainda causa insegurança e ressentimento em muita gente. Os nomes do amor conquista o espectador justamente em tratar das aparências enganosas das pessoas (e de seus nomes) com leveza, bom-humor, sem partir para uma trama panfletária, buscando mais causar surpresa e eventualmente abrir um pouco o espírito do espectador do que tentar fazer um tratado sobre o assunto. O diretor Michel Leclerc assumiu que se inspirou nos filmes de Woody Allen, mais notadamente Annie Hall, e isso é nítido. O filme tem mesmo aquele tom jocoso e inconsequente do clássico de Woody Allen, com momentos dos atores falando para a câmera, e alguns pulos temporais engraçados, criando assim um clima envolvente que atrai o público para aquela trama improvável. O próprio romance entre os personagens principais, que começa algo forçado, aos poucos vai ganhando em profundidade ao envolver os pais deles. Como o pai de Arthur, um francês que foi lutar na independência da Argélia (e fez testes nucleares por lá) pode ter algum contato com o pai de Baya, que justamente lutou pela independência de seu país? Leclerc mostra em seu filme, com roteiro dele e de Baya Kasmi (o filme tem um quê de autobiográfico, já que ambos se conheceram estranhando os nomes de um e de outro como ocorre no filme, e não à toa a personagem principal tem o mesmo nome da roteirista), que se nomes e etnias afastam, pequenos detalhes do cotidiano podem aproximar, já que independentes de serem judeus, muçulmanos, franceses ou argelinos, são todos ali humanos, com muito mais semelhanças do que diferenças, no final das contas.

Um sucesso de público e crítica na França, o filme rendeu um César de melhor roteiro original para Michel Leclerc e Baya Kasmi, e outro de melhor atriz para Sara Forestier (batendo, entre outras, Kristin Scott Thomas por A chave de Sarah e Catherine Deneuve por Potiche – Esposa troféu). Sara Forestier de fato carrega o filme com seu carisma, roubando todas as cenas, principalmente ao contracenar com Jacques Gamblin, que lhe serve de contraste com seu jeito ponderado, que chega a se assustar com ela. Os dois atores tem bastante intimidade com comédias, e o filme se beneficia disso. O filme segue um pouco o enredo de Levada da breca, de Howard Hawks, com uma pretensa “doidinha” bagunçando a vida de um cientista todo certinho, mas ele consegue sair da mesmice ao aliar esta linha básica do roteiro com uma discussão sobre identidade no país (e ainda contando com detalhes interessantes como a participação de Lionel Jospin, o ídolo de Arthur). Os nomes do amor consegue juntar temas geralmente pesados e difíceis como religião, política, imigração, Holocausto, sexualidade, romance, intolerância e preconceito, bate tudo no liquidificador e acrescenta o açúcar da comédia, que torna tudo não só palatável, mas surpreendentemente delicioso. Um prato improvável, mas que tem tudo para agradar gregos e troianos. Ou judeus e muçulmanos. 

2 comentários:

Ailton Monteiro disse...

Muito bom o teu comentário, Marcelo. Realmente este filme deveria ser melhor visto. Muita gente acha que é uma comédia romântica francesa genérica. A moça é uma graça. (Ah, e se der certo o comentário é porque eu consegui distinguir esses caracteres horríveis)

Marcelo Rennó disse...

Belo filme mesmo, e me surpreendeu pois não esperava muito dele. A Sara Forestier realmente mereceu seu César de melhor atriz, ela é o brilho extra do filme.

E o seu comentário saiu certinho, he, he...