domingo, 11 de novembro de 2012

Polissia (Polisse - 2011)




A diretora Maïwenn acompanhou por um tempo as atividades de uma unidade da Polícia francesa de proteção ao menor, em Paris, de forma semelhante ao que sua própria personagem, Melissa, faz na trama (inclusive recebendo alguns maus-tratos pela intromissão, como ocorre no decorrer do filme). Escreveu consequentemente o roteiro de Polissia (o título é escrito errado de propósito, como se fosse uma criança escrevendo “Polícia”), juntamente com Emmanuelle Bercot (que também atua no filme), incluindo várias histórias de bastidores do estressante trabalho de pessoas que precisam lidar cotidianamente com pedofilia, estupros, assédios, e explorações ao menor. O resultado disto é um filme forte, impactante, que lida com diversos temas delicados de perto, e que ainda por cima vira as lentes também para a própria vida destes especializados policiais.

O filme tem um nascimento documental, por assim dizer, mas seu desenvolvimento é todo de um filme ficcional. Através da diretora acompanhamos, de forma quase equânime, cada um dos membros daquela unidade de Polícia, sem muita profundidade, deve-se ressaltar, mas o tempo suficiente para ver que os problemas não estão apenas no lado dos suspeitos e vítimas. Claro, alguns suspeitos são muito escabrosos, com uma linha de pensamento por demais bizarra para se acreditar, e que podem revirar o estômago de muitos espectadores com suas afirmações e credo de vida. Porém o julgamento não se detém apenas nestes possíveis criminosos, na medida em que os próprios policiais às vezes se excedem, agridem, mentem, ridicularizam suspeitos (e, numa cena bizarra, até uma das vítimas) e se aproveitam do fato de serem policiais, por vezes abusando da autoridade. E, se não são pedófilos nem nada tão grave assim, também demonstram problemas sérios de relacionamento familiar e afetivo. É como se a diretora Maïwenn quisesse deixar claro que, debaixo de holofotes, sob forte escrutínio, ninguém é normal ou totalmente sadio. Estes policiais podem, eventualmente, só ter a sorte de estarem do lado “certo” da investigação, seja ela qual for. Apesar de que, como é claro no filme, usar a palavra “sorte” para quem trabalha com crimes ao menor é de fato um abuso, pois o preço do estresse de ver crimes tão hediondos contra pessoas indefesas costuma cobrar um preço alto em quem presencia aquilo tudo tão de perto. Uma coisa é ler uma notícia de pé de página de uma menina de sete anos estuprada por seu pai. Outra bem diferente é atender diretamente esta menina, e se segurar em seu profissionalismo para não esganar o pai que provocou aquele absurdo.

Polissia tem um ritmo ágil e envolvente, que prende o espectador do começo ao fim. Seu pecado maior talvez fosse quase impossível de não cometer, já que ele precisaria de mais tempo para desenvolver melhor todos aqueles personagens (policiais, vítimas e suspeitos), e um longa-metragem a ser exibido nos Cinemas não pode ter muitas horas de duração. Talvez o tamanho mais adequado para ele fosse o de um seriado de TV, onde os casos e personagens poderiam ser ilustrados com mais detalhes. Outros pecados, porém, eram mesmo evitáveis, como a inclusão de um romance desnecessário no meio da trama, o pulo por vezes muito drástico de um caso para outro, o final um pouco forçado, e o abandono quase instantâneo de algumas sub-tramas que estão prestes a pegar fogo, mas que somem do mapa rapidamente, de forma muito abrupta. Quanto aos atores, estes estão críveis como policiais e acrescentam ênfase à trama, e deve ter ajudado que quase todos os atores principais da trama tinham trabalhado com a diretora em seu último filme, Le bal des actrices (2009), dando uma maior intimidade e entrosamento ao trabalho. Outro fato que contribui é que são pouco conhecidos do público em geral, com a exceção de Karin Viard, o que traz ainda mais credibilidade à Polissia.

Analisando Polissia, é difícil não pensar em alguns detalhes da biografia da própria diretora. Maïwenn ingressou na carreira de atriz desde muito criança, forçada por sua mãe, o que a traumatizou por não permiti-la ter uma infância “normal”. Na adolescência brigou com os pais, abandonou o sobrenome deles e adotou apenas seu nome principal como o artístico. E, poucos anos depois, ela se casou com Luc Besson com apenas 16 anos de idade, tendo uma filha com ele em seguida. Evidentemente que este histórico inusitado nem se compara em dramaticidade ao de algumas vítimas de crimes barra-pesada de Polissia, mas fica nítida a compaixão da diretora pelas crianças, que por vezes são reféns e vítimas indefesas de alguns adultos (muitas vezes parentes, o que é ainda pior) que podem mudar suas vidas para sempre. Polissia mostra como é difícil e frustrante lutar contra isso, fazer menores falarem de sexo, de abusos que sofreram, com policiais que nunca viram antes, e muitas vezes sabendo que com isso podem estar sentenciando um parente ou professor seu para a cadeia. Não é um trabalho para qualquer um, definitivamente. Pode não ser o suficiente para justificar os deslizes de alguns policiais no filme, mas ao menos explica um pouco estarem sempre com os nervos à flor da pele.

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