segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Cinzas ao vento (Bright leaf – 1950)




Cinzas ao vento, o título em português para Bright leaf (uma folha especial de tabaco), é um título de fato muito adequado, não só para o enredo, como também para o que ocorreu com o filme e com a própria indústria de tabaco. Não que ela ainda não renda seus bilhões mundo afora, e mantenha uma clientela expressiva, mas de fato pela metade do século passado era um indústria que mantinha um belo de um status em torno de si. Com propagandas veiculando em todas as mídias, e com um peso forte no Cinema (era difícil se ver um filme em que a fumaça de um cigarro não constasse), era considerado chique fumar. Cinzas ao vento trata exatamente do começo de uma verdadeira indústria de tabaco, no fim do Século XIX, ao mostrar o personagem fictício Brant Royle (Gary Cooper) pôr em prática a fabricação em série, automatizada, de cigarros para o uso popular. Antes ou se fumavam charutos, ou então era necessário se enrolar o cigarro pessoalmente (cena corriqueira de vários westerns, inclusive). Fumar charuto era curtir o verdadeiro tabaco, como defende no filme o aristocrático James Singleton (Donald Crisp), que se recusa a se meter no que considera algo menor e pouco honroso. Não deixa de ser curioso, aliás, que essa visão se mantenha até os dias de hoje, claro que já um pouco diluída, mas ainda presente. Fumar charutos continua sendo visto como algo mais chique e refinado do que fumar um cigarro vendido em qualquer birosca de meio de estrada.

Cinzas ao vento apresenta mais um capítulo da eterna batalha entre um novo-rico ousado e agressivo, contra um milionário aristocrático e por demais focado em um antigo conceito de honra. Mas o filme tem outras camadas, como mostrar o quanto ser obcecado por um ideal (ou por outra pessoa) pode ser prejudicial, e isso, curiosamente, se verifica não só no Royle de Gary Cooper, como em todos os personagens principais, vítimas de suas paixões e obsessões. Apresentando no elenco ainda Patricia Neal, como a filha de Singleton, e mais Lauren Bacall, como uma dona de bordel que auxilia (e ama) o Royle de Gary Cooper, e nota-se que se trata de um filme de certo porte, para dizer o mínimo. Donald Crisp, pioneiraço do Cinema (era amigo de Griffith quando ambos trabalhavam no teatro, e foi junto com ele para a então  bucólica Hollywood) está ótimo como o aristocrata cabeça-dura Singleton, assim como esteve em vários papéis proletários no passado (o de mais destaque foi Como era verde o meu vale, onde era o patriarca de uma família de pobres carvoeiros na Irlanda), o que demonstra que tinha uma amplitude muito grande, e convencia em qualquer papel. O próprio elenco coadjuvante do filme também ajuda, com Jeff Corey sendo o inspirador da ideia de se industrializar a venda de cigarros, e Jack Carson, quem diria, sóbrio e contido como uma espécie de braço direito de Royle. Todos estão muito bem, com apenas Patricia Neal destoando em um ou outro momento um pouco exagerado (apesar de que sua personagem exigia isto). Jack Carson, Lauren Bacall e Gary Cooper, porém, estão em alguns dos melhores momentos de suas carreiras. Gary Cooper, principalmente a partir da metade do filme, se mostra agressivo, turrão, estúpido e antipático, algo totalmente fora da persona cinematográfica dele, mas o faz com muita competência (e cala um pouco a boca dos que o criticam de “sempre atuar como si mesmo”), o que surpreende e traz ainda mais força ao filme. O romance polêmico que ele teve com Patricia Neal, vigente durante as filmagens e que surgira no filme anterior deles, Vontade indômita (The fountainhead), é quase palpável no filme (apesar da relação de seus personagens ser bem doentia), e talvez tenha ajudado Gary Cooper a sair de sua zona de conforto. E no leme deste transatlântico estava um diretor da chapa de Michael Curtiz, o que significava sempre uma garantia de uma narrativa bem contada e envolvente, além de um pulso firme para controlar tantos atores de renome.

O filme tinha tudo para fazer sucesso, mas não fez. O público o esnobou, os críticos não fizeram muito melhor, todos os prêmios o ignoraram, e o tempo fez com que ficasse mais soterrado ainda. Difícil por vezes explicar fracassos e sucessos, mas é possível que Cinzas ao vento fosse um pouco à frente de seu tempo. Ele não parece um filme de 1950, e sim um da década de 60. Os personagens tem questionamentos, dúvidas, arrependimentos, e o tom é sombrio e nada esperançoso, coisas com que o espectador da época não estava muito acostumado. Ainda por cima, o começo dele parece ser de um western típico (Gary Cooper chegando à cavalo em uma pequena cidade, no fim do Século XIX, e atraindo a atenção de todos, que se lembravam dele no passado), mas depois se desdobra como um drama com tons épicos. Pode ter desnorteado o público de então. Porém, aos olhos do Século XXI, Cinzas ao vento em tese teria status para ser considerado, se não um classicão daqueles de capa de livro sobre Cinema (seria realmente forçado), ao menos um mini-clássico que faria o cinéfilo sorrir por ter descoberto um belo filme dentre as cinzas do passado. Seguindo a analogia do filme, pode-se dizer que, dentre muitos cigarros, ele é um charuto. Porém, lidar sobre o tabaco de forma tão direta, como seu enredo faz, com alguns personagens demonstrando prazer em fumá-lo, o torna quase indefensável nos dias atuais, tão eivados de um espírito politicamente correto, que banem o tabaco de qualquer holofote (com boa dose de razão, diga-se de passagem). Cinzas ao vento deu azar. Por suas características, não encontrou público em sua época. Por seu enredo básico, é visto como indesejável no mundo atual. Suas cinzas se espalharam ao vento mesmo. Quem as recolher, entretanto, pode formar um belo cigarro, politicamente incorreto, porém muito significativo.

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