sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Disparos (2012)




O título do longa de estréia da diretora Juliana Reis (que dirigiu alguns curtas na França, onde fez Mestrado em Cinema) aborda não só os disparos de uma arma, como também os de uma câmera de um fotógrafo. A analogia entre a profissão de um fotógrafo e a de um policial é constante, e o próprio filme é dividido em capítulos, com títulos que remetem a todo o processo de fotografia (abertura, exposição, etc.). Nada mais natural que o personagem principal de Disparos fosse um fotógrafo, Henrique (Gustavo Machado), que passa por uma bizarra situação de se transformar, em segundos, de vítima de um assalto a testemunha de um atropelamento, e tem a dura tarefa de tentar convencer a polícia de seu não envolvimento em todo aquele incidente. Não ajuda, claro, que seja recebido com generosas doses de escárnio e ironia por policiais como o Inspetor Freire e o Inspetor Gomes, brilhantemente interpretados por Caco Ciocler e Thelmo Fernandes, respectivamente. Caco Ciocler, vencedor do prêmio de ator coadjuvante do Festival do Rio 2012 (o filme também levou os prêmios de fotografia e edição), é um enigma no filme, e Juliana Reis explora muito bem a tensão entre seu personagem e o de Gustavo Machado. Nota-se o escárnio dele pela profissão de um repórter, e o fotógrafo, também arrogante e difícil de lidar, tateia para tentar descobrir as reais intenções do Inspetor.

Disparos é intrigante quando lida com estes personagens, e com o périplo deles em descobrir os meandros daquele estranho atropelamento, desembarcando também em um hospital, onde também brilha Julio Adrão, como o Doutor Guido. É como se médicos, policiais e fotógrafos formassem parte de um estranho clube, no caso o de acostumados a trabalhar de forma fria e metódica em volta dos desastres noturnos de uma cidade grande. Disparos mostra como estes profissionais formam uma espécie de escudo em volta de si, e mesmo com tantas diferenças em suas profissões (e ataques constantes de uns contra outros), é como se reconhecessem entre si o fato de serem sobreviventes da noite carioca. Lamentavelmente, porém, o filme não se concentra apenas nesta trama, se dividindo também em sub-tramas menos interessantes, também relacionadas ao acidente, é verdade, mas que não são tão bem desenvolvidas. Se o filme cresce em escopo ao analisar a realidade dos assaltantes e de quem de fato os atropelou, entre outros personagens, mostrando um cenário um pouco mais completo de uma noite do Rio de Janeiro (dissonante de qualquer viés turístico), em compensação o filme perde um pouco o foco ao tentar equilibrar tantos pratos ao mesmo tempo.

A diretora trabalhou bem com Gustavo Hadba, diretor de fotografia, a elaboração de uma noite de poucas esperanças, juntamente com a edição de Pedro Bonz e Marília Moraes e a trilha sonora de Mariana Camargo (que trabalhou com a diretora em seu primeiro curta, Les enfants de charbon, de 1993). E soube adoçar a amarga pílula um pouco com alguns momentos de humor, que espocam como flashes de uma câmera. Criou, enfim, um filme policial sem abusar da violência e de momentos apelativos, se baseando mais nos atores e numa atmosfera reflexiva. Os únicos disparos contra o filme são mesmo sua estrutura multi-facetada, recheada ainda de alguns pulos temporais, um vício do Cinema atual. Mas, felizmente, não são disparos de morte, o filme sobrevive para encarar um novo dia, com a mesma resignação de seus personagens, todos culpados e vítimas, ao mesmo tempo, de uma dura realidade de uma cidade do porte do Rio de Janeiro.  

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