A Nouvelle Vague surgiu na França,
no fim dos anos 50, propondo um novo tipo de Cinema, em oposição ao
hollywoodiano (do qual repudiava, mas que estranhamente também sentia certa
atração), e com isso influenciou cineastas do mundo inteiro, também
interessados em surfar uma onda nova. E
talvez o gênero de filmes mais dissonante do que os cinema-novistas do mundo
inteiro queriam (não só na França, mas como na Alemanha, Brasil, Japão, etc.)
era exatamente o musical. Um gênero quase sempre alienante por natureza, muitas vezes dependente de se filmar em estúdios (quando os cineastas queriam sair para as ruas), escorado em
belas estrelas (contra a tendência de se buscar rostos mais “comuns”)... O
musical típico da época de Fred Astaire, Gene Kelly e Cia. parecia fadado aos
museus, daqueles nunca visitados (só nos anos 70 haveria um revival desta
época, muito por causa dos documentários That’s entertainment!). Mas foi
justamente na França e neste período efervescente e iconoclasta que surgiu
Jacques Demy, um amante dos musicais hollywoodianos, que teve a ousadia de
fazer algo considerado reacionário e americanizado, isso numa época em que
essas duas palavras estavam no ápice de suas conotações negativas. Primeiro fez
um musical todo cantado em francês (todo mesmo, sem exceção, ninguém fala
normalmente em momento algum) com seu Os guarda-chuvas do amor, com Nino
Castelnuovo e a irmã mais nova de Françoise Dorléac no papel principal (uma
certa Catherine Deneuve, ainda bastante desconhecida). Contando com a música
inspirada de Michel Legrand, o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes e
encantou o mundo, com um raro exemplo de um musical com tom melancólico.
Alguns anos depois, Demy partiu
para uma nova empreitada no gênero. Até queria filmar uma espécie de
continuação de seu filme premiado, mas Nino Castelnuovo não estava disponível.
Assim, mudou de ideia, partindo para toda uma nova trama. Mas o que não quis
desistir de jeito nenhum foi de filmar com Gene Kelly. Esperou dois anos para que
a agenda dele o permitisse participar do filme. Juntou ao seu redor Françoise
Dorléac e novamente Catherine Deneuve (com ambas já bastante famosas), Jacques
Perrin, o dançarino americano George Chakiris (oscarizado por seu trabalho em
Amor, sublime amor), Michel Piccoli e a veterana Danielle Darrieux (atuando no
Cinema desde 1931, tendo inclusive protagonizado o longa de estreia de Billy
Wilder!), escorando todos com a música de Michel Legrand, e escolheu dessa vez
Rochefort em lugar de Cherbourg como local do filme, por apreciar a praça
principal da nova cidade. O resultado foi Duas garotas românticas, um charmoso
musical à moda antiga (mesmo para 1967). Sim, daqueles em que as pessoas
começam a cantar gratuitamente, e dançam alegremente no meio da rua, e ninguém
ao redor acha estranho ou liga para o hospício.
Duas garotas românticas é a joie
de vivre filmada. Poucos filmes, mesmo dentre os musicais mais açucarados,
demonstram tanta alegria descompromissada, mas Demy consegue fazer com que ela
seja palatável, mesmo para os padrões atuais. A música de Legrand é bela, mas
não está, de jeito nenhum, no mesmo nível da que compôs para Os guarda-chuvas
do amor. Filme, aliás, que acaba por fazer sombra a este aqui, a comparação
quase inevitável machuca um pouco Duas garotas românticas. Sente-se falta de um
mínimo de drama, que algum personagem fique a perigo, o que praticamente não
acontece nesta nova empreitada. Todos cantam e dançam belamente (na verdade,
dançam, pois cantar mesmo só Danielle Darrieux, o resto foi dublado por outros
cantores, inclusive Gene Kelly), e ver Gene Kelly dançando, mesmo com idade
avançada, é sempre um prazer. Mas ninguém realmente sofre ou teme pelo futuro,
tudo é leve demais, falta um pouco de preocupação, de realidade, no meio de
tantos sorrisos. Por triste ironia, a cota de drama quem trouxe foi a vida, mas
apenas dias após terminadas as filmagens, com a trágica morte, por acidente de
carro, de Françoise Dorléac, o que traumatizou por anos Catherine Deneuve. Ver
essas duas garotas românticas juntas, irmãs interpretando irmãs, “cantando”
alegres e muito entrosadas, é uma das magias do cinema, essa capacidade de
poder congelar belos momentos, que a vida não permite que durem para sempre.
Françoise Dorléac sempre estará em Duas garotas românticas, cantando e
dançando, e vê-la nele, sabendo de sua tragédia logo depois, dói ao mesmo tempo
em que satisfaz. Esse sentimento estranho, misto de alegria de poder ver um
ídolo no seu ápice, e melancolia de saber que ele não está mais entre nós (e,
pior no caso de Dorléac, que morreu logo depois de terminado o filme), todo
cinéfilo conhece.
Um comentário:
Adorava ver este Filme, "Duas garotas apaixonadas". Passava geralmente de madrugada.
Não tem como assistir este Filme e/ou baixá-lo?! Gostaria muito!
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