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domingo, 14 de outubro de 2012

Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort – 1967)




A Nouvelle Vague surgiu na França, no fim dos anos 50, propondo um novo tipo de Cinema, em oposição ao hollywoodiano (do qual repudiava, mas que estranhamente também sentia certa atração), e com isso influenciou cineastas do mundo inteiro, também interessados em surfar uma onda nova.  E talvez o gênero de filmes mais dissonante do que os cinema-novistas do mundo inteiro queriam (não só na França, mas como na Alemanha, Brasil, Japão, etc.) era exatamente o musical. Um gênero quase sempre alienante por natureza, muitas vezes dependente de se filmar em estúdios (quando os cineastas queriam sair para as ruas), escorado em belas estrelas (contra a tendência de se buscar rostos mais “comuns”)... O musical típico da época de Fred Astaire, Gene Kelly e Cia. parecia fadado aos museus, daqueles nunca visitados (só nos anos 70 haveria um revival desta época, muito por causa dos documentários That’s entertainment!). Mas foi justamente na França e neste período efervescente e iconoclasta que surgiu Jacques Demy, um amante dos musicais hollywoodianos, que teve a ousadia de fazer algo considerado reacionário e americanizado, isso numa época em que essas duas palavras estavam no ápice de suas conotações negativas. Primeiro fez um musical todo cantado em francês (todo mesmo, sem exceção, ninguém fala normalmente em momento algum) com seu Os guarda-chuvas do amor, com Nino Castelnuovo e a irmã mais nova de Françoise Dorléac no papel principal (uma certa Catherine Deneuve, ainda bastante desconhecida). Contando com a música inspirada de Michel Legrand, o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes e encantou o mundo, com um raro exemplo de um musical com tom melancólico.
                                                                            
Alguns anos depois, Demy partiu para uma nova empreitada no gênero. Até queria filmar uma espécie de continuação de seu filme premiado, mas Nino Castelnuovo não estava disponível. Assim, mudou de ideia, partindo para toda uma nova trama. Mas o que não quis desistir de jeito nenhum foi de filmar com Gene Kelly. Esperou dois anos para que a agenda dele o permitisse participar do filme. Juntou ao seu redor Françoise Dorléac e novamente Catherine Deneuve (com ambas já bastante famosas), Jacques Perrin, o dançarino americano George Chakiris (oscarizado por seu trabalho em Amor, sublime amor), Michel Piccoli e a veterana Danielle Darrieux (atuando no Cinema desde 1931, tendo inclusive protagonizado o longa de estreia de Billy Wilder!), escorando todos com a música de Michel Legrand, e escolheu dessa vez Rochefort em lugar de Cherbourg como local do filme, por apreciar a praça principal da nova cidade. O resultado foi Duas garotas românticas, um charmoso musical à moda antiga (mesmo para 1967). Sim, daqueles em que as pessoas começam a cantar gratuitamente, e dançam alegremente no meio da rua, e ninguém ao redor acha estranho ou liga para o hospício.

Duas garotas românticas é a joie de vivre filmada. Poucos filmes, mesmo dentre os musicais mais açucarados, demonstram tanta alegria descompromissada, mas Demy consegue fazer com que ela seja palatável, mesmo para os padrões atuais. A música de Legrand é bela, mas não está, de jeito nenhum, no mesmo nível da que compôs para Os guarda-chuvas do amor. Filme, aliás, que acaba por fazer sombra a este aqui, a comparação quase inevitável machuca um pouco Duas garotas românticas. Sente-se falta de um mínimo de drama, que algum personagem fique a perigo, o que praticamente não acontece nesta nova empreitada. Todos cantam e dançam belamente (na verdade, dançam, pois cantar mesmo só Danielle Darrieux, o resto foi dublado por outros cantores, inclusive Gene Kelly), e ver Gene Kelly dançando, mesmo com idade avançada, é sempre um prazer. Mas ninguém realmente sofre ou teme pelo futuro, tudo é leve demais, falta um pouco de preocupação, de realidade, no meio de tantos sorrisos. Por triste ironia, a cota de drama quem trouxe foi a vida, mas apenas dias após terminadas as filmagens, com a trágica morte, por acidente de carro, de Françoise Dorléac, o que traumatizou por anos Catherine Deneuve. Ver essas duas garotas românticas juntas, irmãs interpretando irmãs, “cantando” alegres e muito entrosadas, é uma das magias do cinema, essa capacidade de poder congelar belos momentos, que a vida não permite que durem para sempre. Françoise Dorléac sempre estará em Duas garotas românticas, cantando e dançando, e vê-la nele, sabendo de sua tragédia logo depois, dói ao mesmo tempo em que satisfaz. Esse sentimento estranho, misto de alegria de poder ver um ídolo no seu ápice, e melancolia de saber que ele não está mais entre nós (e, pior no caso de Dorléac, que morreu logo depois de terminado o filme), todo cinéfilo conhece. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Meus dois carinhos (Pal Joey – 1957)




Pal Joey, na Broadway, teve a distinção de ser o veículo que catapultou Gene Kelly para a fama, e lhe possibilitou seguir carreira depois no Cinema. Com um tom cínico e um personagem antipático, que incomodou muita gente na época, mesmo assim a peça fez sucesso, pela atuação de Gene Kelly mas também, claro, pela música da dupla Richard Rodgers e Lorenz Hart. Quando a Columbia comprou os direitos para a adaptação cinematográfica, o objetivo inicial era justamente usar Gene Kelly com Rita Hayworth, que tinham conseguido grande sucesso popular em Modelos. O filme, porém, só foi virar realidade em 1957, mantendo Rita Hayworth (mas no papel de Vera, a mulher rica e mais velha que banca os sonhos de Joey), e escalando Kim Novak no papel de Linda English, e Frank Sinatra no de Joey. Curiosamente, essa mudança de papéis de Rita Hayworth para Kim Novak simbolizava uma passada de bastão de duas musas da Columbia, com Rita Hayworth saindo de cena e encarando papéis de mulheres mais velhas, e Kim Novak assumindo seu lugar principal (e ambas sendo dubladas nas canções, como sempre ocorreu com Rita).

Com Frank Sinatra no papel central, inevitavelmente o enredo perdeu um pouco de sua acidez, já que Sinatra sabia tornar charmoso e um pouco simpático mesmo o personagem mais troglodita. Com algumas canções saindo, e outras de Rodgers/Hart entrando (curiosamente, “The Lady is a tramp” e “My funny valentine”, duas das mais marcantes do filme, não eram de Pal Joey, e sim de Babes in arms), algo muito comum em adaptações para o cinema, houve um certo incômodo com quem conhecia a peça, e muito por isso a crítica não aceitou tão bem o filme na época. Sob os olhos do Século XXI, porém, o filme se sustenta muito bem. Frank Sinatra está em um de seus melhores papéis (ganhou até o Globo de ouro como ator de musical ou comédia pelo filme), muito à vontade como Joey Evans, cantando todas as mulheres e, claro, quase todas as canções, com a competência habitual. Domina o filme inteiramente e de fato torna Joey humano e simpático, dentro da cafajestagem básica do personagem. Kim Novak, um ano antes do mega-clássico Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, já está andando por San Francisco (onde se passa Meus dois carinhos) e com aquela aparência de Madeleine Elster, o que por si só já agrada qualquer cinéfilo. Até impressiona como atua de forma tão semelhante nestes dois filmes tão díspares (se bem que nem tanto, pois Hitchcock, sempre muito mais preocupado com questões técnicas do que de interpretação, basicamente a deixou livre para interpretar do jeito que quisesse). Rita Hayworth parece até aliviada de não ser mais a “mocinha”, assume a sua idade e no número “Zip” até evoca o seu pseudo-strip clássico de Gilda (aliás, Kim Novak ameaça fazer o seu striptease, mas é interrompida por, logo quem, Frank Sinatra). E o diretor George Sidney tem a inteligência de não complicar, de não querer aparecer, de entender que num filme com Frank Sinatra, Rita Hayworth, Kim Novak e belas canções como “Bewitched”, “The Lady is a tramp”, “My funny valentine”e “I didn’t know what time it was”, dentre outras (todas de alto nível), era só registrar tudo aquilo com um mínimo de competência que o resultado sairia muito bom.

É quase impossível ver Meus dois carinhos sendo citado entre os grandes musicais de todos os tempos. Talvez nem mereça mesmo. Porém, um filme desse quilate ser um pouco esquecido e relegado a um segundo plano mostra a força absurda dos musicais de Hollywood, que justamente estavam entrando em declínio a partir do fim dos anos 50. Era bastante caro e árduo fazê-los, e o fim da era dos estúdios complicou demais o cenário para eles. Perda nossa. Mas sorte nossa que este filme, como muitos outros musicais, continua acessível para quem quiser voltar no tempo e ver Frank Sinatra cantando no ápice de sua forma, com Rita Hayworth e Kim Novak desfilando beleza e carisma ao seu lado.