sábado, 20 de outubro de 2012

César deve morrer (Cesare deve morire – 2012)




Os primeiros famosos irmãos na co-direção no Cinema (antes de surgirem os irmãos Coen, e posteriormente os Dardenne, Quay, Wachowsky, etc.), foram os irmãos Taviani, Paolo e Vittorio.  Dividindo cada filme por cenas (onde um não metia o bedelho na cena dirigida pelo outro), eles alcançaram bastante sucesso e eram considerados cult nas décadas de 70 e 80, ganhando a Palma de Ouro em Cannes por Pai Patrão em 1977, e alcançando grande sucesso com Allonsanfàn, A noite de São Lourenço e Bom dia, Babilônia, entre outros filmes. Porém, afora algum destaque com As afinidades eletivas, em 1996, eles sumiram bastante do cenário internacional a partir dos anos 90, a ponto de muitos pensarem (erradamente) que eles tinham encerrado suas carreiras. Mas eis que, com ambos tendo mais de 80 anos de idade (Vittorio é de 1929, Paolo de 1931), retornaram aos holofotes com César deve morrer, filme que ganhou o Urso de Ouro de Berlim de 2012.

Se os diretores já têm uma certa idade avançada, o filme pulsa pela juventude e garra de seus atores. Que nem são propriamente atores de ofício, mas sim presidiários de Rebibbia, na Itália, que se voltaram à adaptação de Julio César, de William Shakespeare, como uma forma de terem um mínimo de objetivo de vida dentro da cadeia. Impulsionados pelo diretor teatral Fabio Cavalli, eles falam em seus próprios dialetos e retiram boa parte da pompa e afetação de adaptações convencionais da obra do famoso bardo. Se alguma licença que eles tomam com a peça pode incomodar algum purista, em compensação há algo de adequado em ver “atores” italianos lidando com um enredo passado na Roma antiga. Parece bem mais verídico do que um inglês de sotaque aristocrático, apesar de evidentemente Shakespeare ser mais britânico do que fish and chips. Os atores surpreendem com suas performances, não causando nenhum estranhamento por esperados amadorismos. Muito pelo contrário, todos atuam muito bem, com mais destaque para Giovanni Arcuri (César), Salvatori Striani (Brutus) e Cosimo Rega (Cássio). Com eles a intriga política ganha uma dose extra de adrenalina e vitalidade.

O filme não é, entretanto, propriamente um documentário desses presidiários interpretando uma obra de Shakespeare. É uma obra de ficção, que inclusive é muito semelhante à de Ricardo III – Um ensaio, de Al Pacino, no sentido de explicar um pouco o contexto da peça, misturar ensaio com a peça em si, e apresentar um pouco os atores. E é aqui que o filme dos irmãos Taviani desliza um pouco. Algumas cenas são obviamente encenadas, tirando um pouco o frescor do que um real documentário poderia trazer. Os diretores intercalam bem o uso de preto e branco e de cores, e algumas cenas têm muito impacto, mas outras parecem um pouco falsas, quase como se fossem uma repetição de fatos ocorridos anteriormente, e repetidos para a câmera. Outro problema é que os atores, salvo raros e breves letreiros no começo e no final do filme, são pouco apresentados para o público, que não fica sabendo muito bem quem são aqueles homens, só podendo observar suas (boas) atuações na peça. César deve morrer deixa a estranha impressão de ser curto demais em seus breves 76 minutos, é um caso raro de um filme que poderia ter seus vinte minutos a mais, no mínimo, sem se perder nada do efeito ou de seu ritmo (é muito mais comum ver filmes esticados em demasia, que passam da conta). Os Taviani foram econômicos demais nas informações sobre aqueles presos, e isso pode frustrar um pouco o público. Igualmente, não foram muito transparentes quanto a Salvatore Striano, que tinha saído da prisão em 2006, participara até de Gomorra, de Matteo Garrone, em 2008, dentre outros filmes, e aceitou participar de César deve morrer. Salvo uma breve informação de sua saída da cadeia no fim do filme, não fica claro, no transcorrer do filme, que ele já não era mais um presidiário durante as filmagens. A fronteira entre ficção e documentário é um pouco difícil de demarcar no filme, e isso pode tirar um pouco do impacto para alguns espectadores.

De toda forma, com todas as suas virtudes e pecados constantes de seus 76 minutos, o filme funciona muito bem, passa voando inclusive, e transmite com competência a noção de como a busca pela cultura pode suavizar a brutalidade da vida, algo já demonstrado antes em Pai patrão. Em César deve morrer há até um toque estranho neste sentido, pois um dos presos destaca o quanto ele se sente mais preso depois de atuar na peça, do que se sentia antes. Uma maior sensibilidade trazida pela arte amplia tudo, até a sensação de angústia. É uma faca de dois gumes, gostemos ou não. César deve morrer, mas a arte deve sempre viver, mesmo na prisão.

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