sábado, 17 de novembro de 2012

Fome de viver (Hunger – 1983)




Não é fácil começar sua carreira fracassando. Se hoje Fome de viver é visto como um Cult movie, na época de seu lançamento foi considerado um fracasso retumbante, desagradando crítica e público. Com uma extensa carreira na publicidade, trabalhando ao lado de seu famoso irmão, Tony Scott estreou em longas com este estranho e refinado filme, que em nada lembraria o que faria no resto da carreira. Marcado por sucessos em filmes de ação, e por ser um dos expoentes dentre os diretores de blockbusters, a começar pelo grande sucesso Top Gun – Ases indomáveis, seu filme seguinte (que tornou Tom Cruise um astro), Tony Scott parece ter dado um giro de 180° em sua carreira, após o traumatizante fracasso de sua estreia (nem quis mais ler críticas em jornais, de tanto que o avacalharam). Conforme ele mesmo brincou, a decepção da Warner Brothers com o filme tinha sido tamanha que ele até perdeu sua vaguinha no estacionamento do estúdio.

Sem ser uma obra-prima irretocável, mesmo assim fica-se com a sensação de que talvez Fome de viver fosse um filme à frente de seu tempo. Se não tem nem de perto a força da refilmagem de Nosferatu (1979) de Werner Herzog, feito poucos anos antes, mesmo assim é um filme interessante, principalmente visualmente, com um estilo e uma lentidão atmosférica que não mais seria vista no Cinema depois tão acelerado de Tony Scott. O fato de ter sido pintor no começo da carreira pode tê-lo auxiliado a dar uma distinção tão clara em Fome de viver, com vários belíssimos planos em um filme feito com muito capricho. A equipe técnica o auxilia muito neste propósito, como a fotografia de Stephen Goldblatt (de Cotton Club e O príncipe das marés), a maquiagem comandada por Anthony Clavet (fundamental para a credibilidade da trama), os figurinos de Milena Canonero (Laranja mecânica, Barry Lyndon, Carruagens de fogo) e, claro, a trilha sonora, desde o uso de Bela Lugosi’s dead, de Bauhaus na abertura (um título adequado, remetendo ao Drácula famoso de Bela Lugosi) até a música clássica no transcorrer do filme, mais notadamente Lakmé, de Léo Delibes, na famosíssima cena erótica entre Catherine Deneuve e Susan Sarandon. Cena, aliás, bem menos chocante aos olhos de hoje, mas que continua marcante, de qualquer forma, e foi das poucas coisas que escaparam da saraivada de críticas que o filme recebeu quando de seu lançamento.

A trama vampiresca evita boa parte dos exageros do gênero, sem se esquecer do providencial tom de erotismo. Falta, porém, mais substância ao enredo. Os diálogos são minimalistas, e o filme demora a embalar justamente por não dar muito chão ao espectador, que demora a entender onde está pisando, qual é o mote central do filme. Os atores, até tendo em vista o tom do filme, estão lacônicos, mantendo a atmosfera cool que embala a obra, mas criando dificuldades para o espectador se identificar com qualquer um deles. Fome de viver é um filme que parece desejar que seja visto com certa distância, sem tanto envolvimento, exatamente o oposto do que Tony Scott faria no resto de seus filmes, que tentavam a todo custo agarrar o público pela goela e botá-lo no centro da ação. Em Fome de viver os personagens de fato passam por perigos e até um certo drama existencialista, mas tudo é visto como se o público estivesse em um camarote, bebendo um drink e escutando sossegadamente a bela e climática trilha do filme. A escolha da dupla principal de atores, então, reforça ainda mais tudo isso. É de se lamentar que Alfred Hitchcock nunca tenha trabalhado com Catherine Deneuve. Em tese, ela seria mais uma das louras que ele tanto gostava, gélida de aparência, mas com uma sexualidade latente para quem conseguisse chegar perto dela. Deneuve prossegue com essa sua persona cinematográfica no filme de Tony Scott, com uma presença calma e dominante sobre os demais. David Bowie é o enigma de sempre, com aquela sua aparência quase indefinível, entre o andrógino e o alienígena, que deixa o espectador ainda mais sem ter noção do que virá pela frente. Apenas Susan Sarandon parece um pouco mais “humana” e caliente, coisa não muito difícil perto desses dois, ainda mais quando eles interpretam vampiros modernos. Mesmo assim, está longe de ser uma das atuações mais marcantes de Susan Sarandon. O filme tem também duas pontinhas mínimas e bem curiosas, de Williem Dafoe no começo da carreira, e de Bessie Love em sua última atuação, 54 anos depois de Melodia da Broadway, seu filme mais conhecido.

Susan Sarandon, muitos anos depois, comentando sobre o filme, disse que o que mais a fascinava era o questionamento de se valeria a pena viver para sempre, mas como se fosse um viciado, sem ser uma vida real e plena. A inesgotável vida alienante de um vampiro já rendeu diversos filmes e renderá muitos outros mais (como Entrevista com o vampiro e a saga Crepúsculo), mas dificilmente se encontrará um de tanto apuro visual como Fome de viver. De trama mais elaborada, não será difícil de se encontrar, e nem um com melhores atuações. Mas a atmosfera de Fome de viver, se não é para todos os públicos (até porque o ritmo é bastante lento, quase hipnótico mesmo), ao menos o torna único no gênero. É de se pensar o que teria acontecido se o filme fosse melhor aceito na época. Será que a carreira de Tony Scott teria um viés diferente, mais artístico, ou realmente os filmes de ação estavam no seu sangue? Impossível saber, claro. O que se sabe é que o irmão mais novo (e menos famoso) de Ridley Scott prosseguiu sua carreira com sucesso e deixou sua marca em diversos blockbusters, e misteriosamente cometeu suicídio em Agosto de 2012, pulando de uma ponte em Los Angeles. Nunca saberemos quem foi o vampiro de Tony Scott, se os críticos, os produtores, o Cinema ou ele mesmo. 



2 comentários:

Unknown disse...

Eu n sei como pôde se tornar um fracasso na época este filme...eu me lembro bem ateh hj...e nunca mais um filme d vampiros q me parecesse inesquecível...David e Catherine foram a combinação perfeita neste caso :))

Unknown disse...

Verdade sempre soube que o filme não causou furor nem nas bilheirias , e nem em locadoras , porem para quem assistiu , na epoca no Cinema não percebia a lentidão do Filme , sua abertura é marcante e rouba quase o Filme inteiro nos 4,31 minutos, Catherine , e David estão perfeitos e muito bem dirigido , um Filme meio bucólico talvez , mais marcante para epoca , a critica não dei atenção , tinha adorado ver Filme no Cine Metro em São Paulo foi um relMPAGO NOS CINEMAS.]