segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Meus dois carinhos (Pal Joey – 1957)




Pal Joey, na Broadway, teve a distinção de ser o veículo que catapultou Gene Kelly para a fama, e lhe possibilitou seguir carreira depois no Cinema. Com um tom cínico e um personagem antipático, que incomodou muita gente na época, mesmo assim a peça fez sucesso, pela atuação de Gene Kelly mas também, claro, pela música da dupla Richard Rodgers e Lorenz Hart. Quando a Columbia comprou os direitos para a adaptação cinematográfica, o objetivo inicial era justamente usar Gene Kelly com Rita Hayworth, que tinham conseguido grande sucesso popular em Modelos. O filme, porém, só foi virar realidade em 1957, mantendo Rita Hayworth (mas no papel de Vera, a mulher rica e mais velha que banca os sonhos de Joey), e escalando Kim Novak no papel de Linda English, e Frank Sinatra no de Joey. Curiosamente, essa mudança de papéis de Rita Hayworth para Kim Novak simbolizava uma passada de bastão de duas musas da Columbia, com Rita Hayworth saindo de cena e encarando papéis de mulheres mais velhas, e Kim Novak assumindo seu lugar principal (e ambas sendo dubladas nas canções, como sempre ocorreu com Rita).

Com Frank Sinatra no papel central, inevitavelmente o enredo perdeu um pouco de sua acidez, já que Sinatra sabia tornar charmoso e um pouco simpático mesmo o personagem mais troglodita. Com algumas canções saindo, e outras de Rodgers/Hart entrando (curiosamente, “The Lady is a tramp” e “My funny valentine”, duas das mais marcantes do filme, não eram de Pal Joey, e sim de Babes in arms), algo muito comum em adaptações para o cinema, houve um certo incômodo com quem conhecia a peça, e muito por isso a crítica não aceitou tão bem o filme na época. Sob os olhos do Século XXI, porém, o filme se sustenta muito bem. Frank Sinatra está em um de seus melhores papéis (ganhou até o Globo de ouro como ator de musical ou comédia pelo filme), muito à vontade como Joey Evans, cantando todas as mulheres e, claro, quase todas as canções, com a competência habitual. Domina o filme inteiramente e de fato torna Joey humano e simpático, dentro da cafajestagem básica do personagem. Kim Novak, um ano antes do mega-clássico Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, já está andando por San Francisco (onde se passa Meus dois carinhos) e com aquela aparência de Madeleine Elster, o que por si só já agrada qualquer cinéfilo. Até impressiona como atua de forma tão semelhante nestes dois filmes tão díspares (se bem que nem tanto, pois Hitchcock, sempre muito mais preocupado com questões técnicas do que de interpretação, basicamente a deixou livre para interpretar do jeito que quisesse). Rita Hayworth parece até aliviada de não ser mais a “mocinha”, assume a sua idade e no número “Zip” até evoca o seu pseudo-strip clássico de Gilda (aliás, Kim Novak ameaça fazer o seu striptease, mas é interrompida por, logo quem, Frank Sinatra). E o diretor George Sidney tem a inteligência de não complicar, de não querer aparecer, de entender que num filme com Frank Sinatra, Rita Hayworth, Kim Novak e belas canções como “Bewitched”, “The Lady is a tramp”, “My funny valentine”e “I didn’t know what time it was”, dentre outras (todas de alto nível), era só registrar tudo aquilo com um mínimo de competência que o resultado sairia muito bom.

É quase impossível ver Meus dois carinhos sendo citado entre os grandes musicais de todos os tempos. Talvez nem mereça mesmo. Porém, um filme desse quilate ser um pouco esquecido e relegado a um segundo plano mostra a força absurda dos musicais de Hollywood, que justamente estavam entrando em declínio a partir do fim dos anos 50. Era bastante caro e árduo fazê-los, e o fim da era dos estúdios complicou demais o cenário para eles. Perda nossa. Mas sorte nossa que este filme, como muitos outros musicais, continua acessível para quem quiser voltar no tempo e ver Frank Sinatra cantando no ápice de sua forma, com Rita Hayworth e Kim Novak desfilando beleza e carisma ao seu lado. 

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