terça-feira, 4 de setembro de 2012

O ano do sol tranquilo (Rok spokojnego slonca – 1984)




Vencedor do Leão de ouro em Veneza, O ano do sol tranquilo é como uma pérola, pela sua beleza e raridade (com certeza é dos mais obscuros filmes a ganhar este prêmio). O próprio diretor Krzysztof Zanussi é pouco conhecido fora da Polônia, mal fazendo sombra para os bem mais famosos (e contemporâneos seus) Roman Polanski, Krzysztof Kieslowski e Andrzej Wajda. O mesmo vale para Maja Komorowska, a atriz principal do filme, que trabalhou diversas vezes com Zanussi e é uma grande dama do cinema e do teatro polonês (despontou inclusive no teatro de vanguarda de Jerzy Grotowski), mas que é igualmente pouco reconhecida fora do país. Se a fama internacional escapou ao filme a aos seus componentes principais, pelo menos sua qualidade permanece intacta, desvelando um belo romance entre um soldado americano e uma pobre viúva polonesa na Polônia logo depois de finda a 2ª Guerra Mundial, sendo ambos de meia-idade e que só falam suas respectivas línguas.

O amor porém é universal e, como demonstra brilhantemente Zanussi em uma cena, intraduzível. Não é através de um tradutor que os amantes conseguem conversar, pois de nada adiantam palavras se o tradutor não entende a possibilidade de amor entre duas pessoas em condições tão distintas (principalmente se ele despreza a pobre polonesa), e transforma carinho em rispidez. Os amantes se entendem é através de olhares e de uma compaixão mútua por viverem numa situação tão horrível quanto foi a 2ª Guerra Mundial, principalmente para um país como a Polônia, que já começou sofrendo desde seu pontapé inicial. Seja resistindo ao assédio de brutamontes poloneses, que constantemente roubam Emilia (personagem de Maja Kamarowska) e chegam a espancar sua inválida mãe (interpretada por Hanna Skarzanka), ou ao simples testemunho dos milhares de cadáveres decorrentes do horror nazista, o amor entre os dois floresce e resiste contra todos os prognósticos. E a única saída parece ser uma fuga para a América, mas Emília não consegue se decidir se deve seguir Norman (Scott Wilson, mais lembrado como um dos bandidos de À sangue frio, de Richard Brooks) e deixar a mãe para trás, assim como uma vizinha amiga sua que se prostitui para sobreviver e que, por isso mesmo, é cada vez mais ameaçada pela vizinhança, sedenta de vingança. Os conflitos morais são o combustível do cinema de Zanussi, as soluções nunca são fáceis, e as decisões mudam a vida de todos os envolvidos para sempre.

Sem jamais apelar para imagens e trilha sonora eróticas, Zanussi lida com sutileza para com aquele estranho e tocante romance, com realismo e sem nenhuma pieguice, e sabe mesclar bem isso com algumas cenas duras de um país dilacerado após aquela guerra. O ano do sol tranquilo mal tem sol e não é nada tranquilo, pois naquele mundo de sombras a vida não vale nada, e em um átimo tudo pode se perder. Um súbito relacionamento de duas pessoas maduras e sofridas desafia a lógica, o bom-senso e até as probabilidades de sobrevivência das pessoas envolvidas. Felizmente ao final sobrevive um grande Cinema, evidenciado numa cena-homenagem a John Ford que, se o filme fosse mais conhecido, fatalmente entraria em todas as listas de melhores desfechos da História do Cinema. 

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